Vencedor do Oscar logo por seu primeiro trabalho como protagonista na tela grande, Sir Ben Kingsley ficou por anos marcado no imaginário da cultura pop hollywoodiana como se fosse o verdadeiro Mahatma Gandhi no longa biográfico de Richard Attenborough, épico vencedor de oito estatuetas douradas, inclusive a de Melhor Filme. Kingsley, no entanto, mostrou inúmeras vezes no decorrer de sua carreira posterior ser capaz de muito mais do que isso. Seja no papel principal ou como protagonista, em obras cultuadas ou em blockbusters estrelados por super-heróis, ele é sempre uma atração a mais no elenco, um chamariz respeitável e garantia de entrega e compromisso. Até hoje, com mais de 130 créditos em sua filmografia, soma outras três indicações ao Oscar, além de oito ao Globo de Ouro (ganhou dois), quatro ao Bafta (ganhou também dois) e quatro ao Emmy. Batizado como Krishna Bhanji in Scarborough, Kingsley é casado com a atriz brasileira Daniela Lavender, e é pai de quatro filhos, todos de uniões anteriores. Nascido em 1943, neste dia 31 de dezembro ele completa mais um aniversário, e em sua homenagem o Papo de Cinema comenta aqui suas cinco atuações mais marcantes, além de apontar mais uma um pouco menos conhecida, mas igualmente irreparável. Confira!
Foi com essa cinebiografia gigantesca do herói da independência indiana que Ben Kingsley se tornou internacionalmente conhecido, inclusive vencendo o Oscar de melhor ator num ano de concorrência pesadíssima – Jack Lemmon, por Desaparecido: Um Grande Mistério (1982), Paul Newman, por O Veredicto (1982), e Dustin Hoffman, por Tootsie (1982), também estavam indicados. A maneira como Kingsley mergulha na figura de Mahatma Gandhi é mesmo impressionante, construindo um personagem absolutamente apaixonante, admirável, próximo, portanto, do registro mítico; mas, ao mesmo tempo, humano, dotado de incertezas e fraquezas. Esse tráfego do ator entre o mito e a humanidade combina perfeitamente com o tom do filme de Richard Attenborough, filho direto do cinema épico de David Lean: apesar de grandioso, imenso, sempre preocupado também com tornar seus personagens presenças complexas em cena, ao invés de meros acessórios dentro de imagens criadas para impressionar. E a atuação de Kingsley, com sua postura cândida e inspiradora, é peça-chave nisso. – por Wallace Andrioli
Na trama, assinada por Steven Zaillian e dirigida por Steven Spielberg, conhecemos o boa vida Oskar Schindler (Liam Neeson). Festeiro e com verdadeiro tino para os negócios, o alemão era membro do partido nazista e bolou um plano para que conseguisse usar aquele período bélico em seu proveito. Usando de mão de obra barata (e escrava) dos judeus, Schindler montou uma fábrica de manufatura de panelas para a guerra, construindo um interessante império para si, com a ajuda do contador judeu Itzhak Stern (Ben Kingsley). Com a progressão do conflito, Schindler começa a criar consciência. A chegada do oficial Amon Goeth (Ralph Fiennes) para supervisionar a construção do campo de concentração mostra a Oskar um outro lado daquele momento. Este é um dos filmes mais duros comandados por Spielberg, não poupando de forma alguma o espectador dos horrores do holocausto. E uma das presenças mais interessantes do elenco, com uma atuação compreensivelmente contida e certeira, é de Ben Kingsley. Ele é o contato direto entre Schindler e seus empregados. É através de Itzhak que o alemão começa a enxergar seus feitos, sendo uma imprescindível bússola moral. Por sua performance, Kingsley foi indicado ao BAFTA como Melhor Ator Coadjuvante, perdendo justamente para seu parceiro de elenco, Ralph Fiennes. – por Rodrigo de Oliveira
Se a consagração de Sir Ben Kingsley veio primeiramente com a interpretação do ícone pacifista Mahatma Gandhi, o papel que lhe renderia sua terceira indicação ao Oscar, a segunda como Ator Coadjuvante, por sua vez, não poderia ser mais antagônico. Pois o gângster Don Logan, personagem por ele vivido nesta estreia do cineasta Jonathan Glazer, pode ser considerado a verdadeira encarnação do mal. No longa, Don, utilizando seus métodos nada ortodoxos de persuasão, tenta convencer um antigo parceiro, Gal (Ray Winstone), hoje aposentado do mundo do crime e vivendo na Espanha, a voltar à ativa para participar de um audacioso assalto em Londres. Empregando uma linguagem estilizada, com toques de humor negro e até fantasia, Glazer constrói um retrato duro e desglamourizado do universo da máfia britânica, tendo em seu excepcional elenco um grande trunfo. Winstone, Ian McShane e outros estão ótimos, mas é mesmo Kingsley quem acaba dominando a trama. Com um forte sotaque e exalando fúria em cada gesto e olhar, o ator compõe uma figura brutal e ameaçadora, que parece ter na violência seu único meio de comunicação, protagonizando momentos explosivos, como o confronto à beira da piscina ou a cena do cigarro no avião. Uma atuação magnética e impactante. – por Leonardo Ribeiro
Quem está certo? Tem alguém errado? Estas são algumas das dúvidas que este pesado longa de Vadim Perelman causa no espectador. Ao contar a briga da ex-alcoolatra Kathy (Jennifer Connelly) com o ex-militar iraniano, Coronel Behrani (Ben Kingsley) acerca da posse de uma casa, o tempo todo os personagens principais cometem atos que fazem duvidar sobre suas pretensões, até que ponto elas valem o jogo psicológico (e físico) a que se submetem. Neste ínterim, Kingsley prova mais uma vez porque é um monstro da atuação ao apresentar as mais diversas camadas de sua persona. Não é apenas um militar que condena a cultura norte-americana e vive como o “grande macho” da casa, escolhendo tudo que deve ser feito, inclusive decisões sobre a conduta da esposa (Shohreh Aghdashloo, excelente). Entre o assombro da crueldade e a ternura de sua clemência, nosso homenageado bate de frente não apenas com Connelly (de igual pra igual, por sinal), mas também com o espectador, que não sabe o que sentir por alguém tão complexo. A indicação ao Oscar foi apenas um dos méritos que uma performance como esta é capaz de causar numa produção e na carreira de um grande ator. – por Matheus Bonez
Em princípio, este longa-metragem chamou atenção por ser o primeiro de Martin Scorsese realizado em 3D. Fora a curiosidade, por si um chamariz de espectadores, há um dado de relevância que fala diretamente à parcela mais cinéfila do público: a presença de George Méliès, homem responsável por inserir ilusão e magia no cinema, quando este ainda engatinhava, no começo do século XX. Aqui ele é vivido carinhosamente por Ben Kingsley, ator que, então, dá vida a um dos principais mitos cinematográficos, responsável por filmes antológicos como Viagem à Lua (1902). Inicialmente um amargo dono de loja de brinquedos na estação de trem, Méliès vai ganhando outras cores no decorrer da trama. O movimento evidencia não apenas a qualidade do roteiro, mas, e sobretudo, a capacidade amplamente reconhecida do ator inglês de trafegar por registros distintos, de fazer com que uns agreguem aos outros, não permitindo aos seus personagens a rendição aos estereótipos. A responsabilidade é grande mas, como podemos conferir, Kingsley dá conta do recado como poucos fariam, levando George Méliès à condição de epicentro da apoteótica e emocionante homenagem prestada por Scorsese ao cinema enquanto meio potencialmente mágico. – por Marcelo Müller
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Homens envelhecem, mas em algum momento eles crescem? Esta é a questão principal da astuta adaptação do roteirista Nicholas Meyer para o romance O Animal Agonizante, de Philip Roth, dirigida com maestria e sensibilidade pela espanhola Isabel Coixet. Quem brilha no filme, no entanto, é o protagonismo afetuoso e suave de Ben Kingsley, que vive um professor apaixonado por suas alunas – mas que se envolve com elas apenas quando as aulas estão encerradas. Isso até se aproximar na enigmática estudante interpretada por Penélope Cruz, que com sua beleza e carisma o faz agir como um adolescente apaixonado e ciumento – o oposto do que ela esperava desta relação. Numa história dominada por um homem e pautada em seu universo sexista e masculino, Coixet e Meyer subvertem sua narrativa com o foco na desconstrução emocional deste personagem, que se descobre imaturo e inseguro quanto aos assuntos do coração. A performance de Kingsley faz menos pela confiança e autossatisfação deste personagem do que por sua dor pela inesperada vulnerabilidade, numa atuação muito pautada pelos não-ditos, olhares e gestuais que falam tanto quanto os diálogos providos pela literatura de Roth. Melancólico e repleto de emoções complexas, este é um pequeno grande filme. – por Conrado Heoli