Bernardo Bertolucci é um dos cineastas italianos mais famosos e talentosos do mundo, disso não há o que duvidar. Diretor e roteirista de mão cheia, iniciou a carreira ao lado de grandes como Sergio Leone (a quem ajudou a escrever o clássico western Era uma Vez no Oeste, 1968) e Pier Paolo Pasolini (que escreveu o roteiro de seu primeiro filme). Dono de uma estética de alta beleza que se une à complexidade de suas histórias, o realizador já entregou diversas obras-primas ao longo de seus mais de 50 anos de carreira.
Dos quatro Oscar aos quais concorreu, ganhou dois. Sem contar outros 42 prêmios que venceu e as 29 indicações que recebeu pela excelência de seus trabalhos. O diretor, para quem “cada filme é como uma primeira vez”, comemora mais um aniversário no dia 16 de março. E claro que a equipe do Papo de Cinema resolveu homenageá-lo lembrando seus cinco melhores trabalhos e mais aquele que merece uma atenção especial. Confira!
O Conformista (Il Conformista, 1970)
Por Matheus Bonez
“Quero viver na normalidade.” A frase proferida por Marcello Clerici, protagonista de O Conformista, é uma das mais famosas, ambíguas e adequadas da filmografia de Bernardo Bertolucci. Baseada no livro homônimo de Alberto Moravia, a trama de espionagem ambientada durante o Fascismo de Mussolini mistura psicologia e estética de forma poucas vezes vistas na carreira do cineasta italiano. Não à toa é considerada uma de suas obras-primas. O personagem principal é recheado de segredos e subtextos que merecem análises a cada espiada no filme. A “normalidade” a qual ele se refere é poder participar do fascismo como espião, ainda que em essência ele assim não o seja. Quer apenas escapar de um trauma psicológico que esconde sua homossexualidade latente. Por sinal, a sexualidade é tão aflorada ou mais como em qualquer filme do italiano. Se as preferências de Clerici ficam mais sugeridas do que qualquer outra coisa, a bissexualidade de sua esposa é colocada à prova quando, na lua-de-mel, ele precisa espiar a vida do ex-professor, agora um anti-facista, e de sua mulher, por quem o casal se apaixona. O sexo e a paixão como motores da história. Ou seja, um Bertolucci em toda sua essência e genialidade.
Último Tango em Paris (Last Tango in Paris, 1972)
Por Robledo Milani
No mesmo ano em que Marlon Brando arrebatava público e crítica com o seu retrato do mais icônico mafioso da história do cinema em O Poderoso Chefão (1972), ele dava início a sua participação nas filmagens desta polêmica obra assinada por Bernardo Bertolucci, em seu primeiro filme falado em inglês (ainda que parcialmente). Em cena, o astro vencedor de dois Oscars, um dos homens mais famosos do mundo, e do outro uma ninfeta praticamente desconhecida que tinha tudo para ser uma nova Lolita, mas que nunca se contentou em apenas bancar a inocente: Maria Schneider, que na época tinha somente 20 anos. A situação que os une? Uma relação baseada exclusivamente em sexo. Bertolucci traz a revolução dos anos 1960 e 1970 para dentro de um quarto e mostra que, quando duas pessoas querem, tudo pode ser possível. Essa mesma sensibilidade foi explorada por tantos outros – e até pelo próprio diretor, no auto-referencial Os Sonhadores (2003), feito mais de três décadas depois – mas nunca com tanta ousadia e certeza de que, com muito pouco, certamente há muito a ser tido.
O Último Imperador (The Last Emperor, 1987)
Por Conrado Heoli
Primeiro filme de Bernardo Bertolucci após seus seis anos de autoexílio, O Último Imperador narra a verdadeira história de Pu Yi, último governante chinês da dinastia Ching, a partir de sua autobiografia que cobre o período entre 1908 e 1967. Com grandeza visual explícita em locações, figurinos e direção de arte impressionantes, Bertolucci arrebatou o Oscar de Melhor Diretor e Roteiro Adaptado, além de 7 outros prêmios da Academia, por esta que é sua mais imponente obra. O épico se desenvolve a partir da infância de Pu Yi na Cidade Proibida, em Pequim, onde pela primeira vez o governo chinês admitiu gravações cinematográficas. Talvez por conta dessa relação próxima com a China a obra seja levemente superficial quanto a sexualidade do imperador, apontado por dois outros biógrafos como homossexual. Ainda que omita esta e outras passagens históricas, O Último Imperador é eficaz ao transpor a vida de um mito oriental para uma rica e visualmente deslumbrante realização. Apresentado em duas versões, uma delas com 160 minutos para os cinemas e outra com quatro horas, divididas em episódios para a televisão, O Último Imperador se destaca como um dos maiores trabalhos – em duração e qualidade – na eclética filmografia de Bertolucci.
Assédio (L’assedio, 1998)
Por Rodrigo de Oliveira
Ainda que o título original em italiano seja Assédio, parece ser muito mais correta a tradução feita em inglês: algo como Sitiado(a) ou Encurralado(a). É assim, afinal de contas, como se sentem os personagens deste belo drama dirigido por Bernardo Bertolucci. Eles estão encurralados por um sentimento, um desejo que começa a aflorar entre as paredes daquela grande casa em Roma. Shandurai (Thandie Newton) é uma estudante de medicina africana, que sofre por saber que seu marido está preso no seu país. Ela trabalha como doméstica na casa do músico Jason Kinsky (David Thewlis) e começa a perceber os olhos desejosos do seu patrão. Ele, no entanto, não sabia do casamento de Shandurai e, logo que descobre, tenta ajudá-la a libertar o marido. Bertolucci constrói um filme de poucos diálogos. Em vez de falas expositivas, ele coloca sua câmera para contar a história. E esta escolha funciona muito bem por podermos observar como o relacionamento daqueles dois começa a se desenvolver apenas com trocas de olhares. Em uma das melhores sequências, Bertolucci transforma uma música tocada ao piano em cena de amor, com Kinsky dando tudo de si em sua composição enquanto Shandurai acompanha encantada as idas e vindas da música. Musical e poético na medida.
Os Sonhadores (The Dreamers, 2003)
Por Marcelo Müller
Maio de 1968. Tudo começou com paralisações estudantis, mas rapidamente a onda se espalhou por diversas classes trabalhadoras. O resultado? Greve geral na França. Tido por muitos como o acontecimento revolucionário mais significativo do século XX, o episódio virou símbolo de resistência. O italiano Bernardo Bertolucci ambienta Os Sonhadores justamente nessa Paris agitada, de jovens clamando por mudanças em meio à truculência da força policial e as sessões de cinema que alimentavam sua intelectualidade. Na trama, Matthew (Michael Pitt), estudante americano em intercâmbio, conhece os irmãos Isabelle (Eva Green) e Theo (Louis Garrel) numa de suas costumeiras idas à Cinemateca fundada por Henri Langlois, a mesma que na época era frequentada por Truffaut, Godard e toda geração nouvelle vague. As longas conversas e indagações sobre cinema (por exemplo, quem é melhor, Charles Chaplin ou Buster Keaton?) e as reproduções de cenas famosas, são um atrativo à parte para os cinéfilos. Todavia, o filme é mais que isso, já que consegue mesclar o ímpeto dos amantes da sétima arte (e, por conseguinte, dela própria) com a avidez por mudanças, a agitação que permitiu ao menos mostrar que as pessoas não queriam mais aceitar tudo passivamente. Sensual e libertário, Os Sonhadores faz jus à carreira de Bertolucci.
+1
Beleza Roubada (Stealing Beauty, 1996)
Por Matheus Bonez
Apesar de ter concorrido à Palma de Ouro em Cannes, este longa de Bernardo Bertolucci não é um dos mais queridos da crítica, que o acusam de ser uma obra menor em sua filmografia. Talvez até seja pela simplicidade da trama e pela escolha do diretor em apostar pouco nos seus planos geralmente diferenciados para se concentrar na fotografia da bela cidade de Toscana e, é claro, na sensualidade ingênua de Liv Tyler. Por sinal, um dos poucos trabalhos da carreira da atriz que, apesar de realçar sua beleza, como já alude o título, também reforça seu talento dramático. Após o suicídio da mãe, ela parte para a região italiana para descobrir quem é seu verdadeiro pai. De quebra, quer perder sua virgindade. A presença da norte-americana de 19 anos, é claro, causa um frisson entre os homens e mulheres da cidade. Bertolucci aposta numa atmosfera de sensualidade e sentimentalismo, mas nunca de forma gratuita, construindo uma trama recheada de paixão na sua forma mais pura. Pode ser uma obra pequena comparada a tantas obras grandiosas, mas demonstra que, mesmo um Bertolucci em pequenas doses é um alento para qualquer fã do bom cinema.
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