Comédia, drama, suspense, noir. Com Billy Wilder não havia gênero que ficasse distante de sua maestria em filmar a essência do ser humano, ainda que sempre com humor (negro, muitas vezes). Em quase 50 anos de carreira foram 27 filmes dirigidos. A maioria (se não todos) roteirizados pelo mesmo. Ganhador do Oscar seis vezes, foi indicado 48 outras vezes em diversas premiações, além de ter levado mais 46 estatuetas e menções honrosas para casa. Feito nada menos que merecido para o cineasta de ar debochado e óculos fundo de garrafa.
Autor de clássicos como Farrapo Humano (1945), Sabrina (1954) e Se Meu Apartamento Falasse (1960), Billy Wilder morreu em 2002 vítima de pneumonia, já longe dos holofotes. Porém, sua contribuição ao cinema como um dos melhores diretores e roteiristas de todos os tempos continua viva até hoje. No dia do seu aniversário, neste 22 de junho, a equipe do Papo de Cinema homenageia esta trajetória tão singular lembrando seus cinco melhores filmes – e aquele que merece ser redescoberto.
Pacto de Sangue (Double Indemnity, 1944) por Renato Cabral
Considerado um dos mais importantes e essenciais filmes noir de todos os tempos, é tido também como um dos primeiros filmes do gênero. Na história baseada em fatos reais e em um romance de James M. Cain (o mesmo de Almas em Suplício, 1945), uma mulher casada convence o amante a matar seu marido após adquirir uma apólice de seguro. Porém os acontecimentos começam a sair fora do que havia sido planejado. Numa época em que a moral e os bons costumes pareciam tomar conta de Hollywood, o filme dirigido e co-roteirizado por Billy Wilder investia em protagonistas que não eram exatamente mocinhos para as telas. Apesar disso, a produção foi um sucesso e acabou até mesmo indicada para sete estatuetas do Oscar, sem levar nenhuma, mas valeu ao menos pela lembrança a Wilder. Sendo um dos trabalhos mais representativos do diretor, serve também para demonstrar a versatilidade do cineasta tanto ao trabalhar com diversos gêneros no cinema (noir, comédias, dramas) como filmando uma obra que todos diziam ser impossível de ser adaptada para as telas.
Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), por Matheus Bonez
Billy Wilder não era apenas um diretor eclético. Em todos seus filmes, seja em baixa ou alta dosagem, a amoralidade, a falta de ética e (especialmente neste caso) a loucura eram o foco central de suas tramas recheadas de subtextos. E este aqui não foge à regra e critica, de forma escancarada, a política da imagem no meio hollywoodiano. Ora, o que não é a atriz Norma Desmond (Gloria Swanson, fenomenal) senão o retrato de uma diva esquecida pelas multidões e estúdios que aos 50 anos, solitária e com a fama desgastada, que chega ao limite da insanidade ao se envolver com um roteirista fracassado (William Holden)? Num ambiente noir que se mescla ao drama dos chamados losers que trabalham no meio cinematográfico, Wilder transformou este filme num dos maiores clássicos de todos os tempos e que influenciaria toda uma cadeia de cineastas, culminando em David Lynch com sua Cidade dos Sonhos (2001), um exemplar ainda mais escuro desta discussão sobre a influência do meio hollywoodiano sobre a vida de quem depende do mesmo. Por sinal, este é também o filme favorito de Lynch. Não só dele, mas como de qualquer fã de cinema, como este que vos escreve.
O Pecado Mora ao Lado (The Seven Year Itch, 1955), por Dimas Tadeu
Quem assiste a filmes como Missão Madrinha de Casamento (2011) e Se Beber, Não Case (2009) e imagina que a comédia escrachada e politicamente incorreta dos longas seja uma novidade, não deve estar muito por dentro do que rolava nos anos 50 do século XX. Por esta época, mais precisamente em 55, com Billy Wilder em seu auge, a comédia romântica ainda não tinha firmado pé no território do fofinho e do água-com-açúcar, se valendo de situações que hoje seriam consideradas, no mínimo, amorais. É o caso desta obra imperdível do diretor. Celebrizado por cenas como aquela em que a saia de Marilyn esvoaça com a brisa do metrô ou o “tchauzinho” na janela, o filme conta a história farsesca de um marido que aproveita a viagem de verão da esposa para flertar com a loira misteriosa que surge no apartamento de cima do seu. Num determinado momento, quando um cunhado pergunta ao protagonista com quem ele está, ele responde, debochado: “Marilyn Monroe!”, um detalhe que demonstra como Wilder torna a trama ciente de si mesma, ironizando-se. A diversão se completa com o carisma do elenco, o roteiro afiado e, é claro, as caras e bocas de Marilyn.…
Testemunha de Acusação (Witness for the Prosecution, 1957), por Pedro Henrique Gomes
Seria pequeno se fosse apenas um “filme de tribunal”, mas Billy Wilder fez bem mais que isso. Dirigindo elenco de peso e adaptando Agatha Christie, o diretor mais subversivo de Hollywood nos anos 1950 e 1960 capturou as coisas com o fôlego de sempre, operando entre vários subtextos (não em torno do universo queer de outros filmes, mas, desta vez, abraçando a coisa política mais frontalmente, aquela das relações e transições entre os humanos que participam do jogo, que ferem e que se machucam). No suspense dos dramas pessoais de cada personagem, interpretados por Tyrone Power, Marlene Dietrich e Charles Laughton, Wilder realizou um de seus melhores filmes, com um humor que explode pelos cantos, uma tensão que pontua cada discurso dos envolvidos no processo judiciário. A atmosfera de tensões e desenlaces narrativos é pontuada por uma sofisticação de câmera quase inumana. Billy era mesmo um libertino.
Quanto Mais Quente Melhor (Some Like It Hot, 1959), por Robledo Milani
Considerada nada mais, nada menos do que a melhor comédia da história do cinema (de acordo com o American Film Institute), temos aqui o resultado perfeito entre o carisma sexy e caótico de Marilyn Monroe, o charme irresistível de Tony Curtis e a simpatia hilariante de Jack Lemmon. Mas quem foi responsável não apenas por imaginá-los juntos, mas também por orquestrar com maestria a combinação exata de todos estes talentos? Billy Wilder, que além de assumir a direção assinou também a versão final do roteiro – duas funções recompensadas com merecidas indicações ao Oscar. O longa ganhou ainda três Globos de Ouro – entre eles o de Melhor Filme em Comédia ou Musical – e ficou para sempre marcado na memória dos cinéfilos, seja pela dupla de músicos azarados (Curtis e Lemmon) que precisa fugir de gângsteres se disfarça como mulheres numa banda feminina, pela vocalista do grupo (Marilyn, em sua melhor performance nas telas), uma garota ingênua que só quer se dar bem na vida, ainda que termine sempre encantada pelo pobretão, ou pelo final arrebatador, que afirma que “ninguém é perfeito”. Bem, Mr. Wilder, permita-me discordar: o senhor era!
+1
A Montanha dos Sete Abutres (Ace in the Hole, 1951), por Rodrigo de Oliveira
Temos aqui um daqueles filmes obrigatórios para quem estuda jornalismo ou aprecia histórias que envolvam esta profissão. Curiosamente, é um exemplo de um trabalho lançado à frente do seu tempo. Em 1951, a crítica não foi muito favorável. Alguns inclusive acusaram o longa-metragem de pintar a profissão com tintas muito fortes, como se fosse impossível um profissional seguir aquele caminho. Hoje em dia, no entanto, o sensacionalismo ferrenho que observamos nos mais variados meios de comunicação coloca este longa como um doloroso retrato atualíssimo do jornalismo praticado pela imprensa marrom. Na história, o repórter interpretado por Kirk Douglas, em busca de uma matéria que o colocaria de volta nos grandes jornais, arrisca a vida de um cidadão preso em uma caverna para conseguir a matéria dos sonhos. Um grande circo é montado para a cobertura daquela história dramática, que tem um final trágico para grande parte dos envolvidos. Ambição, irresponsabilidade e incorreção são algumas das características daquele jornalista, interpretado com maestria por Douglas. Excelente exemplo de como não se fazer jornalismo, é um dos trabalhos essenciais de Billy Wilder.
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