Uma das mais conhecidas e respeitadas estrelas do cinema europeu e mundial, Catherine Deneuve tem o talento artístico de seus pais no sangue. Começou sua carreira no cinema ainda aos 13 anos, nos anos 1950. Quando atingiu a maturidade na década seguinte, foi alçada ao status de símbolo sexual, mas não por isso menos competente em seu ofício, aproveitando a beleza de suas personagens para imprimir características que as humanizavam e as tornavam mais próximas do público. Assim, conquistou público e crítica ao longo dos anos, se tornando referência na filmografia global, sendo vencedora de 30 prêmios e indicada a outros 20. Com mais de 60 anos de carreira, Deneuve ainda esbanja beleza e qualidade em seus trabalhos. Por conta disso e de seu aniversário no dia 22 de outubro, a equipe do Papo de Cinema selecionou cinco de seus melhores trabalhos e mais um que merece atenção especial. Confira!
Dirigida pelo também francês Jacques Demy, Catherine Deneuve interpreta Geneviève, garota que trabalha com a mãe numa não lucrativa loja de guarda-chuvas. Ela é apaixonada por Guy (Nino Castelnuovo), rapaz criado pela madrinha, mecânico de automóveis, mais à frente convocado pelo exército. A gravidez da personagem de Deneuve decorre da noite de amor imediatamente anterior à apresentação dele ao serviço militar. Prestes a dar a luz, sem amparo, ela aceita o pedido de casamento de um comerciante de joias que promete criar o bebê como se fosse seu. Os diálogos do filme são inteiramente cantados. De melodia em melodia, vemos a história de amor dos jovens e os problemas que os atingem como se partes inerentes ao processo de amadurecimento. Ainda que muito bonita, a trama conserva um amargor que atinge seu ápice na cena final, na tristeza de constatar que nem sempre basta amar e ser amado. Catherine Deneuve, então com 21 anos, no auge de sua beleza juvenil, vive essa menina que canta ora para espantar seus males, ora para acessá-los. É, sem dúvida, um dos papeis mais importantes de sua carreira. Sob a égide de Demy, ela alterna a fragilidade das donzelas e a força das mulheres calejadas pela vida. – por Marcelo Müller
Em seu primeiro trabalho em inglês, o diretor Roman Polanski realiza um magnífico thriller psicológico cuja trama gira em torno de Carol (Catherine Deneuve), uma bela jovem que vive com sua irmã mais velha em Londres e trabalha em um salão de beleza. Tímida e retraída, Carol apresenta um grande bloqueio em relação ao sexo masculino, lidando de forma problemática com os assédios que sofre de estranhos, com as investidas do aparentemente simpático Colin e com a presença do amante da irmã. Quando a irmã e o amante viajam, Carol se vê sozinha no apartamento e seu pavor patológico a joga em uma espiral de alucinações, isolando-a do mundo real. Nesta primeira parte de sua trilogia informal sobre apartamentos, Polanski aborda as consequências do machismo na sociedade, mergulhando na mente perturbada de sua protagonista. Além do arrojo visual da criação das sequências surrealistas dos delírios de Carol, o cineasta conta com a presença marcante de Deneuve em um papel forte. Com sua beleza angelical, olhar vazio e fala sussurrada, a francesa cria uma figura extremamente complexa, que mesmo com poucos diálogos é capaz de transparecer a ambiguidade necessária para transitar de forma convincente entre a fragilidade e a psicose. – por Leonardo Ribeiro
O cineasta espanhol Luis Buñuel tinha gosto pelo onírico, pelo extravagante, pelo surreal. Desde seu primeiro curta-metragem, Um Cão Andaluz (1929), estas predileções ficaram bastante claras. Portanto, ao conferir A Bela da Tarde, não é de se estranhar que o cineasta faça tanta questão de deixar bastante vago o que é sonho e o que é realidade. O mais interessante neste trabalho, ganhador do Leão de Ouro no Festival de Veneza, é que não importa onde começa o devaneio e onde termina a vida real. Na trama, Séverine (Catherine Deneuve) é uma jovem dona de casa que tem problemas em se entregar sexualmente ao seu marido, o médico Pierre (Jean Sorel). Ela costuma ter sonhos bastante reais em cenários pitorescos, onde é capturada e violentada. Quando um amigo do casal comenta que existe uma cafetina em local discreto na cidade, Séverine se enche de coragem e vai procura-la. No local, Séverine passa a ser a “Bela da Tarde” e acaba se envolvendo com tipos um tanto escusos. Indicada ao Bafta, Deneuve entrega um retrato sensível de uma mulher procurando a si mesma e consegue modificar bastante seu registro do início para o fim do longa-metragem, conquistando o espectador com seu talento e beleza. – por Rodrigo de Oliveira
As dificuldades de trabalhos interessantes em Hollywood deixam que grandes estrelas de outros países consigam papéis muito melhores em suas respectivas terras natais do que no cinemão norte-americano. A situação não é de hoje, visto que Catherine Deneuve, que desde os anos 1960 já tinha seu nome em alta conta, poucas vezes filmou trabalhos nos e para os EUA. Isto inclui, é claro, menores chances de aparecer no Oscar, que, independentemente da qualidade artística ou não da premiação, é a mais conhecida do mundo. Por Indochina, Deneuve recebeu sua única indicação na Academia pelo papel de Eliane, uma rica francesa dona de propriedades na Indochina dos anos 1930, época em que o povo se rebela contra a dominação europeia. Do conflito externo, ecos surgem na casa da protagonista, quando sua filha adotiva, Camille (Linh Dan Pham) se apaixona pelo mesmo homem que a mãe. Em uma de suas atuações mais expansivas, Deneuve revela em sua personalidade todo o drama que sua família vive, deixando florescer em sua personagem sentimentos que a tornam mais sensível e humana. A atriz pode não ter ganho o Oscar na época, mas o longa de Régis Wargnier recebeu a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. Mais do que isso, tornou o nome da atriz (ainda que tardio), reconhecido em todo o mundo. – por Matheus Bonez
Aos 60 anos, depois de perder o marido, Bettie vive das migalhas de ser a amante de um rico industrial. Morando com a mãe enquanto trabalha em um restaurante local e mantendo uma relação explosiva com a filha que vive longe, ela decide tomar um rumo inesperado quando descobre que o ricaço não deixará a mulher para ficar com ela. Em uma tarde, Bettie decide botar o pé na estrada. Nesta belíssima e tocante comédia dramática da diretora Emmanuelle Bercot, Catherine Deneuve constrói uma Bettie apaixonante. Repleta de defeitos e algumas boas qualidades, a personagem não quer ser uma senhorinha qualquer. Quer mais. E Deneuve se entrega completamente neste road movie de auto-descoberta e redenção sobre uma mulher que, além de saturada da mesmice da vida, precisa retornar ao passado para resolver algumas pendências com a família e, assim, seguir em frente. – por Renato Cabral
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François Ozon é o atual enfant terrible dos cineastas franceses. Prolífico e altamente qualificado, a cada novo trabalho o diretor tem provocado e surpreendido na mesma medida. Uma curiosidade, no entanto, é a reverência com a qual tem tratado grandes damas de seu país natal. Foi assim com Jeanne Moreau em O Tempo que Resta (2005) e também com Fanny Ardant e Isabelle Huppert em 8 Mulheres (2002). Deste time dos sonhos feminino, aliás, se destacava ainda a diva Catherine Deneuve, com quem voltaria a se encontrar nessa comédia feita quase que uma década depois e idealizada inteiramente para o seu estrelato. De dona de casa pacata e acomodada, ela aos poucos vai se revelando a verdadeira força motriz do filme, muito mais empenhada em controlar a história do que seu marido (Fabrice Luchini) ou o ex-amante (Gérard Depardieu). Ao assumir os negócios da família diante uma situação improvável, ela se sai muito melhor do que o esperado, virando o jogo a seu favor e mostrando que de ingênua não tem nada. Deneuve pega a personagem com gosto, utilizando-a não apenas para seu brilho pessoal, mas também para elevar o próprio projeto a um novo nível. – por Robledo Milani