Muitos podem pensar que Cecilia Roth é uma atriz espanhola – principalmente por causa de sua parceria contumaz com o grande Pedro Almodóvar. Mas ela é uma hermana, nascida em 8 de agosto de 1956, em Buenos Aires, na Argentina. Mudou-se para a Espanha aos vinte anos de idade e passou a atuar a partir dali. Sua estréia se deu em 1976, com o filme No Toquen a La Nena, e seu primeiro contato com seu diretor favorito, Almodóvar, se deu em 1980, com o debut do cineasta nos cinemas: Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980). Com ele, fez diversos outros longas – com destaque para Labirinto de Paixões (1982) e, claro, Tudo Sobre Minha Mãe (1999), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e do Globo de Ouro na mesma categoria. Na década de 1990, voltou a morar na Argentina, onde se transformou em uma das maiores atrizes daquele país.
Dentre suas premiações mais importantes estão duas vitórias no Goya – o Oscar do cinema espanhol, duas indicações ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas da Argentina e, agora, o cobiçado Kikito de Cristal, sendo a primeira mulher a receber a honraria do Festival de Cinema de Gramado. Aproveitando a oportunidade, o Papo de Cinema elaborou uma lista com os cinco filmes mais importantes da diva argentina – e mais um, que deve ser resgatado e curtido com carinho. Confira!
Um Lugar no Mundo (Un Lugar en El Mundo, 1992)
Este filme do início dos anos 1990 é centrado num casal que troca a cosmopolita Buenos Aires por uma pequena cidade do interior, levando consigo o filho pré-adolescente. Cecilia Roth interpreta uma médica, chefe de clínica, função dividida com a amiga (e freira) cheia de ideais progressistas, vivida por Leonor Benedetto. No novo ambiente, eles passam muito bem até que chega o engenheiro encarregado de construir ali uma hidroelétrica. A realização, que ainda conta com a participação do grande Federico Luppi, foi indicada ao Oscar de 1993 na categoria Melhor Filme Estrangeiro, venceu o Prêmio Goya de Melhor Filme Ibero-Americano, além de conquistar outras láureas consideráveis, como o Kikito de Melhor Filme Latino-Americano no Festival de Gramado de 1993 – certame, aliás, para o qual a atriz volta este ano, mas na condição de homenageada, para receber o Kikito de Cristal. Embora na época do lançamento do longa-metragem Cecília já tivesse quase vinte anos de estrada, tendo passado pela televisão e trabalhado nos primeiros filmes de Pedro Almodóvar, destacando-se, principalmente, por seu rosto no qual convivem a austeridade e a ternura, este filme ajudou a consolidar seu nome como um dos mais importantes do cenário artístico de língua hispânica. – Por Marcelo Müller
Tudo Sobre Minha Mãe (Todo Sobre mi Madre, 1999)
Num filme dedicado por Pedro Almodóvar a “todas as mulheres que atuam” e que é centrado em atrizes de vários tipos – sejam profissionais, amadoras ou simplesmente mulheres que vivem fazendo performances de uma natureza ou outra – faz perfeito sentido que o maior destaque seja justamente uma atuação poderosa. Não há uma única má performance no longa-metragem, mas é o brilhantismo de Cecilia Roth na pele de Manuela que eleva esse já excelente longa ao status de jovem clássico. Roth está no centro da narrativa encarnando uma mãe devastada pela perda de seu filho adolescente e que decide sair em busca do ex-marido, agora uma prostituta transexual. Flertando ocasionalmente com o melodrama, talvez o grande mérito da obra seja abordar um grande número de temas (a maternidade, a família, a transsexualidade, o luto, a AIDS, a homossexualidade, as amizades femininas) sem parecer superficial em nenhum deles. Graças à atenção dada a cada uma de suas personagens, conhecer Agrado (Antonia San Juan), Rosa (Penélope Cruz) e Huma (Marisa Paredes) torna-se um enorme prazer. A maior satisfação, entretanto, é a de sentir que se entende – e compartilha – o fascínio de Esteban (Eloy Azorín) pela mulher extraordinária que é a sua mãe. – por Marina Paulista
Uma Noite com Sabrina Love (Una Noche com Sabrina Love, 2000)
Quando foi lançado, o filme de Alejandro Agresti não foi tão bem recebido pela crítica. Ainda que não fosse considerado ruim, o roteiro e a direção foram citados por uma falta de maior desenvolvimento e aprofundamento nas questões íntimas dos personagens. Independente disso, o longa tem uma sensibilidade acima da média e conta com uma presença forte da nossa homenageada como a personagem do título. Ela, a Sabrina Love, é uma atriz pornô que tem um programa sexy. Uma das promoções que ocorrem é, justamente, passar uma noite com ela. Quem ganha o prêmio é um jovem argentino que trabalha com galinhas numa fábrica rural. Entre a viagem e a chegada à capital, vários incidentes ocorrem. Mas o que importa mesmo é quando Cecilia Roth surge. Sensual, linda como nunca e dona de uma ternura lasciva (se assim podemos denominar), ela ganha os holofotes a todo instante, especialmente quando desvirgina o rapaz, numa cena delicada, mas nem por isso menos quente. Com uma presença tão forte na tela, fica impossível não entender porque ela arrebata todos os corações dos homens que passam por sua vida. – por Matheus Bonez
Kamchatka (Kamchatka, 2002)
Esta realização argentina, dirigida por Marcelo Piñeyro, é uma daquelas – assim como o chileno Machuca (2004) e o brasileiro O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006) – que promovem uma exumação dos anos de chumbo no continente, abordando causas e, principalmente, as consequências das ditaduras militares latino-americanas, por meio de olhos infantis que testemunham tudo num misto de perplexidade, confusão e inocência. Além do afiado elenco mirim, fator imprescindível para que esse tipo de proposta vingue, Piñeyro tem à sua disposição dois grandes atores interpretando os perseguidos pelo governo golpista: Ricardo Darín e Cecília Roth. Cabe à atriz, nascida em Buenos Aires (ainda que muitos achem que ela nasceu espanhola, devido às colaborações com o cineasta Pedro Almodóvar), o papel mais complexo, pois, além de demonstrar a tenacidade dos resistentes, configura-se no centro emocional de uma família prestes a ruir em virtude do cenário político-social. É um trabalho de muitas nuances, que exemplifica bem o método de Cecilia, a forma como ela dá corpo e alma às suas personagens, sejam as dramáticas ou as cômicas. A mulher vivida por Cecilia Roth endurece para sobreviver física, intelectual e moralmente, porém sem perder a ternura. – por Marcelo Müller
Ninho Vazio (El Nido Vacío, 2008)
Um dos grandes trunfos desta produção reside exatamente na performance de Cecilia Roth. Dirigido por Daniel Burman, o filme traz a história de um casal e as possibilidades que surgem após a saída dos filhos de casa. Atuando ao lado de Oscar Martinez, que interpreta Leonardo, seu marido na produção, Roth constrói sua personagem, Martha, como um contraponto a ele. Enquanto Leonardo se retrai com a saída dos filhos do seio familiar, ficando cada vez mais introspectivo e analisador, ela desbrava o que há além da residência e da relação do casal. Martha retoma de onde parou, quando teve seus três filhos: retorna à faculdade, volta a socializar como nunca antes e embarca em qualquer atividade que a distraia. Isso faz com que o casal ande descompassado e uma crise antes ignorada devido a presença dos filhos, se agrave ainda mais. Agora parece não haver muito que os una a permanecer com a vida que tinham. Mesmo com um foco narrativo maior no personagem de Martinez, o carisma de Roth aliado ao tom provocativo de sua personagem dão um tom delicioso ao filme de Burman, tornando uma produção cômica, romântica e leve. – por Renato Cabral
+1
Labirinto de Paixões (Laberinto de Paixones, 1982)
Era apenas o segundo longa-metragem de Pedro Almodóvar, mas Cecília Roth já não era iniciante. Ainda assim, talvez foi apenas aqui que a atriz se desprendeu de qualquer preciosismo para dar vida a Sexilia, ninfomaníaca e líder de uma banda punk que se apaixona por um príncipe homossexual. Apoiado no intenso ritmo das screwball comedies norte-americanas, a produção ainda segue a excêntrica clientela de um bar de Madri; traficantes de drogas, viciados, drag queens, adolescentes vanguardistas e por aí vai. Em outra camada, o filme oferece uma análise crítica para a definição cultural (ainda) dominante do desejo erótico, do romantismo, da homossexualidade e do que se concebe como amor verdadeiro. Repleto de personagens juvenis, a produção foi direcionada para impressionar seus reflexos espanhóis, jovens imaturos e desinteressados demais para temas sérios como política e responsabilidade social. Sublimado por produções mais densas e complexas assinadas por Almodóvar, tantas delas protagonizadas por Cecília Roth, este longa nunca foi reconhecido como um dos maiores trabalhos de ambos, mas, para o período em que foi feito, é repleto de humor mordaz e satírico, assim como por sequências ultrajantes, nas quais a atriz demonstra todo seu talento cômico e alcance dramático. – por Conrado Heoli
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