Daniel Day-Lewis tem um dos currículos mais invejáveis do meio cinematográfico. Com apenas 28 filmes creditados, já recebeu 137 prêmios (sendo três Oscar), além de outras 39 indicações. Não é à toa. O intérprete é reconhecido não apenas por atuar, mas sim personificar as figuras que encarna nas telonas. Por isso também é muito raro vê-lo fazer mais de um filme por ano.
Aliás, o ator aparece de tempos em tempos apenas. Inclusive já ficou mais de cinco anos sem participar de nenhuma produção, tamanha sua dedicação à carreira também no teatro. No dia 29 de abril, Daniel Day-Lewis completa mais um aniversário. E como é de praxe aqui no Papo de Cinema, escolhemos seus cinco melhores trabalhos (o que é bem difícil, afinal, qual não é bom?) e mais um que merece uma menção honrosa. Confira!
Meu Pé Esquerdo (My Left Foot: The Story of Christy Brown, 1989)
Por Marcelo Müller
Virou convenção (não sem certa razão) dizer que interpretações de figuras com alguma deficiência física sempre largam na frente pela corrida ao Oscar. Contudo, essa afirmação até certo ponto pejorativa tende a misturar registros muito distintos num mesmo balaio, além de deflagrar um pré-conceito. Daniel Day-Lewis, por exemplo, ganhou um Oscar de Melhor Ator por Meu Pé Esquerdo, drama biográfico no qual vive com muita sensibilidade o escritor e artista plástico Christy Brown, nascido com paralisia cerebral e que, expressando-se com seu pé esquerdo, tornou-se exemplo de superação. Ele (o ator) se esforça não apenas no que diz respeito à construção física do personagem, mas também e, talvez, sobretudo, para expressar suas dificuldades emocionais. Impressionante como Day-Lewis personifica obstáculos físicos e psicológicos, fazendo emergir nuances que nos distanciam da comiseração pura e simples. Claro que os problemas de Christy parecem dignos de pesar, afinal de contas sua história é realmente triste, seja pelas limitações que a doença lhe impôs ou mesmo pelos contratempos enfrentados ao crescer numa família não necessariamente preparada para lidar com sua condição. Mas Daniel Day-Lewis mereceu o reconhecimento obtido, vencendo por um trabalho de qualidades muito genuínas e não necessariamente vinculadas às eventuais lágrimas surgidas ao longo do filme.
Em Nome do Pai (In the Name of the Father, 1994)
Por Thomás Boeira
Daniel Day-Lewis teve uma parceria interessante com o diretor Jim Sheridan, com quem fez três filmes entre a década de 1980 e 1990. Depois de Meu Pé Esquerdo (que rendeu para o ator seu primeiro Oscar), o segundo trabalho dos dois foi este Em Nome do Pai, de 1993. Baseado em uma história real, o filme reconta o caso de Gerry Conlon (Day-Lewis), que, ao lado de alguns amigos, foi preso acusado de ser responsável por um bombardeio em Londres que resultou na morte de cinco pessoas, em 1974. Mesmo inocente, Gerry é forçado pela polícia a admitir a culpa pelo crime, o que faz seu pai, Giuseppe (Pete Postlethwaite), e outros familiares também serem presos por terrorismo. É uma história revoltante sobre injustiça, e Sheridan a conta de maneira poderosa, mostrando os abusos cometidos pela polícia e a luta de Gerry e seu pai por justiça. Nisso, as atuações de Daniel Day-Lewis e Pete Postlethwaite se revelam alguns dos grandes trunfos do filme, não só pela força que trazem a seus personagens, mas também em sua bela dinâmica de pai e filho, responsável por alguns dos momentos mais tocantes desta obra memorável.
Gangues de Nova York (Gangs of New York, 2002)
Por Rodrigo de Oliveira
Daniel Day-Lewis já havia trabalhado anteriormente com Martin Scorsese no belíssimo A Época da Inocência, em 1993, mas não teve o mesmo respaldo da crítica e das premiações como sua segunda parceria com o diretor, quase dez anos depois. Em Gangues de Nova York, o ator entrega uma daquelas de suas tão conhecidas interpretações imersivas, sumindo completamente no papel do sanguinário açougueiro Bill Cutting, homem de sangue quente que, no passado, matou o pai de Amsterdam Vallon (Leonardo Di Caprio). Este, agora, tem sede de vingança e se aproximará de Bill para acertar as contas. Daniel Day-Lewis esteve muito perto de receber seu terceiro Oscar por sua performance, mas acabou surpreendentemente perdendo para Adrien Brody por O Pianista (2002). Surpresa porque Lewis já havia ganhado importantes prêmios como o Sindicato dos Atores e uma dezena de louros da crítica. Veio a vencer o BAFTA também. O papel mostra a versatilidade de Daniel Day-Lewis que, anteriormente, sob o comando de Martin Scorsese, havia feito um advogado, membro da alta sociedade nova-iorquina do século 19, para quase uma década depois, viver o carniceiro Bill Butcher, dono de lógica e ideologia bastante deturpadas.
Sangue Negro (There Will be Blood, 2007)
Por Conrado Heoli
Em 1898, no deserto californiano, Daniel Plainview constrói seu futuro com poucos escrúpulos e muita ganância. Na posição de homem de negócios, sua resiliência, impiedade, individualidade e egocentrismo são apenas algumas das características essenciais para prosperar em seu meio, custe o que custar e doa a quem doer. Em Sangue Negro, epopeia irretocável e possível obra-prima de Paul Thomas Anderson, Daniel Day-Lewis apresenta um de seus maiores trabalhos numa performance grandiloquente e selvagem, mas propositalmente contida pela natureza de seu personagem, aqui emoldurado por um filme com ambições tão grandes quanto seu protagonista e o visceral desempenho do ator que o representa. Plainview rendeu a Day-Lewis o segundo de seus três Oscars, e não poderia ser diferente. Como estudo de personagem, Sangue Negro é a plataforma perfeita para todo o assombroso talento do ator ser explorado, assim como seu desempenho impulsiona a excepcional obra a proporções imprevisíveis. Suas duas últimas palavras neste épico, “Eu terminei!”, sinalizam o encerramento do melhor curso para atores, que deixa qualquer aluno e espectador exaurido física e mentalmente – mas evidentemente grato.
Lincoln (2012)
Por Robledo Milani
Abraham Lincoln foi o mais estimado ex-presidente da história dos Estados Unidos, tendo se empenhado com afinco na construção de um país moderno e competitivo. Ele se tornou um mártir ao ser assassinado no fatídico 15 de abril de 1865, após ter se dedicado com ardor atrás daquela que foi sua maior conquista: a abolição da escravatura em seu país e a luta pelo fim da Guerra da Secessão com a união do Norte e do Sul. Ambos temas que ressoam até hoje como uns dos mais discutidos e relevantes da sociedade norte-americana. Daniel Day-Lewis, como o protagonista, é uma legítima força da natureza, talvez o mais completo intérprete do cinema atual. Ele simplesmente desaparece sob o Lincoln que cria como uma reencarnação, dos contatos comoventes e restritos com os familiares até os momentos de maior fúria e embate com colegas. Tudo está no olhar, nos pequenos gestos, na leve entonação de voz que o torna diferente de tudo que fez antes. Steven Spielberg, o responsável por este projeto, continua querendo salvar o mundo, como tantas vezes demonstrou antes. E aqui ele tem em mãos uma figura que, por si só, reflete suas principais preocupações enquanto realizador. E em Day-Lewis o veículo perfeito para torná-las realidade.
+1
O Último dos Moicanos (The Last of the Mohicans, 1992)
Por Matheus Bonez
É raro ver Daniel Day-Lewis em algum filme de ação e aventura, a não ser que o personagem que ele encarne seja dotado de várias camadas. Pois seu Nathaniel Hawkeye de O Último dos Moicanos é um destes exemplares. Ele, um branco adotado por um índio moicano após o assassinato de sua família quando pequeno, se vê em meio ao conflito de franceses e ingleses o século 18, quando as duas nações queriam tomar posse das terras norte-americanas. É claro que surge outro conflito mais íntimo quando ele se apaixona pela filha de um oficial inglês, o que complica ainda mais as coisas. Este épico histórico de ação pode ter dividido a crítica na época de seu lançamento, mas uma coisa foi unânime: a performance do nosso homenageado, que trouxe sua versatilidade ao extremo personificando um guerreiro em conflito com sua origem e qual caminho seguir. Fosse um ator de menos talento, talvez a aventura passasse ainda mais batida. Por sorte, virou um bom exemplar do gênero graças a Day-Lewis.
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