Danny Boyle, muito antes do reconhecimento mundial ao vencer o Oscar por Quem Quer Ser um Milionário? (2008), começou sua carreira dirigindo espetáculos nos palcos britânicos. No final dos anos 1980 passou a ser produtor de filmes e séries na televisão até estrear com o pé direito nas telonas com Cova Rasa (1994) que, entre outros diversos prêmios, lhe rendeu o BAFTA de Melhor Filme Britânico. A caminhada de sucesso continuaria com o elogiado Trainspotting: Sem Limites (1996), sua chegada em Hollywood com Por Uma Vida Menos Ordinária (1997), até sua retraída com a divisão da crítica e do público em A Praia (2000). Entre a retomada dos zumbis nos cinemas com Extermínio (2002) e seu Oscar, Boyle ainda dirigiu a interessante ficção científica Sunshine: Alerta Solar (2007).
Apesar de não ter tantos filmes no currículo para seus 30 anos de carreira, o britânico ganhou respeito e notoriedade ao diversificar e transitar entre diversos gêneros, porém sem nunca perder a identidade de autor. Em seus créditos consta até a direção artística da cerimônia de abertura das Olimpíadas de Londres de 2012! Para celebrar seus 57 anos, a serem completados no dia 20 de outubro de 2013, a equipe do Papo de Cinema escolheu suas cinco melhores produções – e aquela, é claro, que merece uma segunda chance.
Cova Rasa (Shallow Grave, 1994)
Por Danilo Fantinel
Muito antes de obter reconhecimento mundial com Quem Quer Ser um Milionário? (2008), abordar a superação pessoal com 127 Horas (2010), resgatar a cultura zumbi com Extermínio (2002) e traduzir o hedonismo químico e vazio dos anos 90 com Trainspotting: Sem Limites (1996), Danny Boyle havia marcado uma geração de cinéfilos com o thriller Cova Rasa (1994). No filme, três amigos selecionam um novo morador para dividir o apartamento, mas o convívio dura pouco. Após a morte do novato, o trio encontra uma mala cheia de dinheiro em seu quarto, o que desperta a ganância entre os amigos. O que se segue é um jogo de desconfiança, em que antigos laços afetivos transformam-se em disputas ferrenhas regadas a vinho e violência. Com Cova Rasa, Boyle inaugura sua extensa parceria com o roteirista John Hodge e aponta para traços que serão recorrentes na fase inicial de sua cinematografia, como o gosto por roteiros repletos de humor negro, a predileção por situações tranquilas que se tornam caóticas, a atração por comédias de erros que se desdobram em suspense e ação, e a inclinação aos desafios de jovens adultos cooptados pelo submundo do crime em um contexto socioeconômico degradado.
Trainspotting: Sem Limites (Trainspotting, 1996)
Por Marcelo Müller
Com base no livro homônimo de Irvine Welsh, Danny Boyle filmou Trainspotting: Sem Limites, longa emblemático sobre a geração anos 1990 de jovens ingleses afeitos a pubs, álcool e drogas ilícitas. Embalados por David Bowie, Renton, Spud, Sick Boy, Tommy e Begbie, mergulham no submundo de Edimburgo para sustentar vícios e dar algum tipo de razão às suas existências sem qualquer perspectiva. Renton, papel que deu prestígio internacional ao, até então, ilustre desconhecido Ewan McGregor, “viaja” movido à heroína para combater um vazio tão difícil de explicar quanto de conter. O grito contra o sistema opressor, convocação à liberdade individual, surge já na introdução, num dos momentos mais marcantes do cinema inglês recente, aqui resumido às suas últimas palavras: “…Escolha roupas esporte e malas combinando. Escolha um terno numa variedade de tecidos. Escolha fazer consertos em casa e pensar na vida domingo de manhã. Escolha sentar-se no sofá e ficar vendo game shows chatos na TV enfiando porcaria na sua boca. Escolha apodrecer no final, beber num lar que envergonha os filhos egoístas que pôs no mundo para substituí-lo. Escolha o seu futuro. Escolha viver.”
Extermínio (28 Days Later…, 2002)
Por Conrado Heoli
Os filmes pós-apocalípticos protagonizados por zumbis já não eram lá muita novidade quando Extermínio (2002) foi lançado, época em que o subgênero ainda não tinha atingido a repercussão gerada na cultura popular a partir da série televisiva Walking Dead (2010–). Ainda assim, o frenético e assustador trabalho de Danny Boyle surpreendeu crítica e público; incontáveis resenhas positivas e mais de US$ 80 mil faturados ao redor do mundo – para uma produção que custou menos de 10 vezes o valor arrecadado – colaboraram com o status cult que o filme ainda mantém. A direção brilhante de Boyle, somada ao design de produção imaginativo e realista de Mark Tildesley, resultaram numa obra original e ousada. As imagens da Londres devastada e os detalhes da invasão militar em áreas rurais são tão verossímeis quanto arrepiantes. Além de uma interessante sequência, Extermínio rendeu outras tramas para HQs e segue aparecendo em incontáveis listas dos melhores suspenses de todos os tempos. Porém seu maior mérito provavelmente seja a inventividade. A até então inédita imagem de zumbis correndo atrás de suas presas permanece muito além da sessão e reitera todo o mérito de um dos maiores filmes da quase unânime carreira de Danny Boyle.
Quem Quer Ser um Milionário? (Slumdog Millionaire, 2008)
Por Dimas Tadeu
Quando um diretor é reconhecido por utilizar uma linguagem considerada televisiva ou de videoclipe, nada mais justo do que homenageá-la. É o que Danny Boyle faz em Quem Quer Ser um Milionário?, provavelmente sua produção mais famosa. O vencedor do Oscar de Melhor Filme, inteiramente rodado na Índia, não apenas tem a televisão como um dos principais assuntos, como usa sua linguagem, em tudo que ela tem de apelativo, exagerado e, por que não dizer, único, para contar uma história que encantou multidões equilibrando clichês universais com a originalidade local de um país exótico para o ocidente. Ainda hoje, muita gente se emociona com a história de Jamal Malik e sua aventura para vencer um programa de perguntas e respostas na TV, trazendo consigo a torcida de um país desigual e esperançoso (algo que soa familiar para os brasileiros). É o cinema mostrando, em mais de um sentido, que, às vezes, a prática vale a metade da gramática.
127 Horas (127 Hours, 2010)
Por Rodrigo de Oliveira
127 Horas é um tour de force de James Franco. Em seu melhor papel no cinema, o ator captura a atenção do espectador de forma singular durante todo o filme e é um dos principais motivos para conferir este trabalho de Danny Boyle. O cineasta mostra habilidade gigantesca ao contar a história de Aron Ralston, um aventureiro que fica preso em uma rocha e se vê obrigado a fazer o impensável para sobreviver. Imagine o desafio de construir um longa-metragem em torno de um acontecimento que deixa seu personagem principal imóvel durante 70% do filme? Para resolver isso, Boyle inicia seu trabalho em alta velocidade. A edição dos primeiros minutos é frenética. A rapidez destes cortes e a própria energia positiva de Ralston nas primeiras cenas de 127 Horas representam um óbvio contraste com o que veremos a partir da reviravolta da trama. Por filmar em um lugar apertado e bastante claustrofóbico, o diretor está sempre com sua câmera bastante próxima de James Franco. Levando-nos aos recônditos da mente do aventureiro, temos contato com seus pensamentos, sonhos e devaneios durante as suas 127 horas de prisão involuntária. Impactante.
+1
Em Transe (Trance, 2013)
Por Robledo Milani
Mesmo tendo custado US$ 20 milhões (valor baixo para os padrões hollywoodianos), Em Transe arrecadou nas bilheterias americanas cerca de um décimo deste valor, se pagando apenas quando somados os retornos dos mercados internacionais. Este resultado foi inesperado, ainda mais porque o diretor Danny Boyle vinha direto de dois grandes sucessos – Quem Quer Ser um Milionário? (2008) e 127 Horas (2010) – indicados ao Oscar de Melhor Filme (o primeiro, inclusive, ganhou). Mas o interessante aqui foi justamente o cineasta ter ido contra as expectativas e, ao invés de realizar uma obra para mudar o mundo, ele entregou um legítimo filme de gênero – no caso, um suspense de golpe, sobre um roubo malsucedido. Temos aqui um thriller em que nada do que é dito – ou mostrado – deve ser aceito gratuitamente, pois há sempre um segundo sentido, ou interpretação. As atuações de Vincent Cassel, Rosario Dawson e, principalmente, do protagonista James McAvoy estão em perfeita sintonia com esta trama frenética, alucinante e extremamente competente. Boyle mostrou seu talento acima da média tantas vezes que faltava apenas revelar seu potencial como bom contador de histórias, concentrando-se no básico. A imagem cinematográfica poucas vezes esteve tão a seu favor. E o resultado é eletrizante!
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