David Bowie (1947-2016) encarnou diversas personas diferentes durante a sua carreira musical. Ficou conhecido como Major Tom, Ziggy Stardust, Halloween Jack, Thin White Duke. Um verdadeiro camaleão, como foi apelidado tão corretamente. Artista completo, não apenas se mostrou genial no mundo da música, como mostrou sua influência na moda, nas artes plásticas e, claro, no cinema. Se alguns o conheciam como Ziggy Stardust, outros o conheciam como outro alienígena, Thomas Jerome Newton, do filme O Homem que Caiu na Terra (1976). Se a persona de Major Tom foi um sucesso nos palcos, a competência o acompanhou como outro Major, Strafer Celliers, em Furyo: Em Nome da Honra (1983).
A lista de personagens memoráveis e extravagantes continua com o vampiro de Fome de Viver (1983), o Rei Duende do infantil Labirinto (1986), o artista plástico flamboyant Andy Warhol em Basquiat (1996), o cientista recluso Nicola Tesla em O Grande Truque (2005). Trabalhou ao lado de grandes diretores em papéis pequenos, como em A Última Tentação de Cristo (1988), de Martin Scorsese, e o telefilme Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer (1992), de David Lynch. Mesmo com personagens de tamanho diminuto ou em seus videoclipes, em que soltava não só seu lado ator como sua veia de autor, o audiovisual se mostrava um universo fascinante para Bowie. Depois de sua morte aos 69 anos, vítima de câncer, o Camaleão deixa um legado musical riquíssimo e um tesouro cinematográfico que deve ser lembrado e relembrado. Para tanto, a equipe do Papo de Cinema reuniu cinco produções imperdíveis e outra que precisa ser resgatada da memória. Curtam a jornada!
O Homem Que Caiu na Terra (The Man Who Fell to Earth, 1976)
– por Leonardo Ribeiro
A temática espacial sempre esteve presente na obra de David Bowie, desde seus primeiros sucessos – “Space Oddity”, “Life on Mars” – até a fase em que passou a se apresentar sob o alter ego de Ziggy Stardust, um ser de outro planeta que desejava transmitir sua mensagem de esperança através do rock. Portanto, nada mais natural para o cantor do que explorar seu lado ator e estrear nas telas interpretando um alienígena neste trabalho do cineasta Nicolas Roeg. A trama segue Thomas Jerome Newton (Bowie), um extraterrestre que busca a salvação para seu planeta desértico: a água. Essa missão o traz à Terra, onde Thomas se envolve com a jovem Mary Lou (Candy Clark), enquanto tenta construir a nave que o levará de volta para casa. Com o apuro estético habitual e utilizando sua marca registrada, a montagem por associação, Roeg cria uma ficção intrigante e visualmente deslumbrante, fazendo um uso perfeito da persona de Bowie. Com seus cabelos alaranjados, os olhos de cores diferentes, corpo esguio e aparência andrógina, Bowie se encaixa como uma luva no papel, entregando com competência o sentimento de deslocamento e a melancolia necessária para a construção deste personagem tão peculiar quanto ele próprio.
Fome de Viver (The Hunger, 1983)
– por Robledo Milani
De todos os adjetivos que já se referiram a David Bowie, talvez o mais apropriado seja “camaleônico”. E uma das mais impressionantes destas facetas pode ser conferida neste que é o trabalho de estreia do diretor Tony Scott (1944-2012) – e muito provavelmente o melhor de toda a sua filmografia. Como um vampiro extremamente estilizado e charmoso, Bowie aparecia encantado entre duas beldades: a musa Catherine Deneuve, em uma das suas raras experiências em inglês, e uma novata Susan Sarandon, ainda antes da fama e da consagração no Oscar. O cantor inglês e a diva francesa vagavam os séculos em busca de algo que os alimentasse, tanto corpo quanto espírito, e o surgimento da jovem americana entre os dois estremece a frágil relação que mantém. Sexy e andrógino, voraz e meticuloso, o astro cria um personagem de raro efeito, comprovando porque somente um artista múltiplo poderia compor uma figura tão hipnotizante e sedutora quanto a que vemos em cena, com forte apelo para ambos os sexos e todas as idades. Uma pequena prova do seu grande talento, imortalizado para sempre na tela grande.
Furyo: Em Nome da Honra (Merry Christmas Mr. Lawrence, 1983)
– por Rodrigo de Oliveira
Depois de ter estreado no cinema com O Homem que Caiu na Terra, em 1976, David Bowie tentou mais uma incursão na sétima arte em 1978, com Apenas um Gigolô, filme em que dividia a tela com ninguém menos que Marlene Dietrich. A experiência não foi das melhores. Os dois nunca contracenaram juntos e o resultado final ficou aquém das expectativas. Só em 1983 Bowie retornou às telas, em duas produções elogiadas: Fome de Viver e Furyo: Em Nome da Honra. Esta última foi exibida em Cannes e disputou a Palma de Ouro, também tendo sido indicada ao BAFTA como Melhor Trilha Sonora Original. Bowie conseguiu o papel através de sua performance na Broadway como o Homem Elefante da peça homônima. O diretor japonês Nagisa Oshima encontrou o intérprete ideal para o papel do Major neozelandês Strafer Celliers, que durante a 2ª Guerra Mundial é um prisioneiro do conflito em terras japonesas, tendo de suportar as difíceis condições do cativeiro enquanto se confronta com uma culpa do passado que o perturba. Até então, Bowie tinha convencido em papéis próximos de sua persona performática – um alienígena e um vampiro. Aqui, interpretando um humano falho e cheio de culpa, o artista realmente brilha.
Labirinto: A Magia do Tempo (Labyrinth, 1986)
– por Matheus Bonez
Clássico infantojuvenil da década de 1980, último dirigido por Jim Henson, Labirinto traz uma novinha Jennifer Connelly no papel de Sarah, uma adolescente que precisa ser babá do irmão mais novo, Toby, por uma noite. Viciada no livro que dá título ao filme, ela brinca constantemente que o Rei dos Goblins leve o bebê para se tornar duende. O problema é que o desejo vira realidade com o goblin na pele de David Bowie levando o pequeno. Para ter o irmão de volta, a tarefa da garota é encontrar o castelo no centro de um labirinto em 13 horas. A jornada da garota pode ser divertida e misteriosa, ainda que beire à ingenuidade típica de uma produção da época, mas o que chama a atenção mesmo no filme é Bowie em toda sua glória andrógina com figurinos e maquiagens berrantes, quase uma cópia de si mesmo, mas nem por isso menos bem realizada. O cantor vai além do próprio visual e cria um personagem aterrador e simpático ao mesmo tempo, dividindo o público quanto às suas intenções e seu desfecho.
O Grande Truque (The Prestige, 2006)
– por Yuri Correa
Neste pouco lembrado filme de Christopher Nolan – que acaba por ser um de seus melhores -, dois mágicos disputam a atenção do público com truques cada vez mais elaborados, até que um deles (Christian Bale) surge com um que, além de tremendo sucesso, não pode ser copiado pelo concorrente (Hugh Jackman). Em busca da solução científica da apresentação do adversário, o mágico encontra em um recluso cientista, o que pode vir a ser o segredo de um truque ainda melhor. Esse cientista é ninguém menos do que Nikola Tesla, interpretado por David Bowie com o olhar melancólico que atribuiríamos ao inventor e pesquisador. Um reflexo dele mesmo e seus conflitos de egos intermináveis com outros colegas de profissão durante quase toda sua carreira. O Tesla de Bowie é um homem cansado e invariavelmente pessimista em relação ao ser humano, distante e estranhamente próximo também da persona do cantor, com um toque de excentricidade, mas cético e sombrio até mesmo em relação ao próximo amanhecer. Embora sua participação no longa-metragem seja pequena em duração, o personagem é bastante precedido e sua presença é marcada até o último segundo através da máquina que inventa.
+1
Basquiat: Traços de uma Vida (Basquiat, 2006)
– por Rodrigo de Oliveira
Antes de assinar os elogiadíssimos O Escafandro e a Borboleta (2007) e Antes do Anoitecer (2000), o cineasta Julian Schnabel era um nome mais famoso nas artes plásticas, onde se mostrou um talentoso membro do neoexpressionismo, movimento que ganhou destaque em Nova York muito por conta do seu amigo, Jean-Michel Basquiat. A vida do artista, no entanto, foi curta. Em 1988, aos 27 anos, ele faleceu vítima de uma overdose. Schnabel entendeu que apenas ele poderia contar a história do seu colega no cinema. Era a primeira vez que um artista plástico contaria a vida de outro na tela grande. E assim se fez. O novato cineasta encontrou no então desconhecido Jeffrey Wright um intérprete perfeito para Basquiat. E em David Bowie o melhor ator para viver Andy Warhol, mentor e amigo do artista. A performance do camaleão no filme faz jus à sua alcunha mais famosa. Bowie se transforma em Warhol, tomando emprestada a peruca real que seu personagem usava em vida. Os dois frequentavam os mesmos círculos em Nova York e, portanto, a performance de Bowie era baseada em uma figura de carne e osso, não o arquétipo que foi construído pelo próprio criador da Pop Art. Com isso, Bowie se transformou em um dos melhores intérpretes do genial artista no cinema, roubando as cenas para si toda vez que aparece na tela.
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