Conhecido por sua excelência como o condutor de inúmeros clássicos do cinema norte-americano, Elia Kazan era alvo de polêmicas também fora das telas. Vivendo uma época em que o macarthismo dominava o cenário dos EUA, foi por muito tempo considerado um traidor por, supostamente, ter revelado nomes ligados ao comunismo da época. Porém, mal se tinha noção de que o próprio Kazan era membro do Partido Comunista e soube, como poucos, driblar a perseguição ao pensamento daquela época.
De origem grega, nascido em Constantinopla, Kazan começou a moldar seu nome como um bem-sucedido diretor teatral até migrar para Hollywood, onde produziu alguns dos grandes filmes da história do cinema. Vencedor de dois Oscar, indicado a outros cinco (sem contar outras dezenas de prêmios), o cineasta, se estivesse vivo, faria 109 anos no dia 7 de setembro de 2018. Para celebrar, a equipe do Papo de Cinema resolveu lembrar seus cinco trabalhos mais impactantes – e mais um que não poderia ficar de fora, é claro.
Apesar do próprio Elia Kazan ter afirmado em entrevistas posteriores não ser muito fã desse filme, A Luz É Para Todos foi o primeiro ponto alto de sua carreira – que, felizmente, seria seguido por muitos outros. O que aqui ele tinha em mãos era uma verdadeira bomba prestes a explorar: apenas dois anos após o final da Segunda Guerra Mundial, o diretor decidiu fazer um filme sobre o antissemitismo nos Estados Unidos – contrariando os chefões dos principais estúdios de Hollywood, eles próprios judeus em sua maioria. Com um elenco liderado pelo eterno cavalheiro Gregory Peck, Kazan construiu uma história que vai se desvendando aos poucos, assim como o preconceito velado que lentamente se manifesta. Tal sentimento foi identificado por grande parte de uma nação que clamava pelo sonho de ser livre e respeitada. Indicado a 8 Oscars, levou três estatuetas – entre elas, as de Melhor Filme e de Direção, a primeira conquistada pelo cineasta, que por este trabalho foi premiado também no Globo de Ouro, no National Board of Review e pelos críticos de Nova York. Um trabalho de impacto, que até hoje ressoa como um dos mais efetivos libelos a favor da igualdade entre os homens. – por Robledo Milani
“Eu sempre dependi da bondade de estranhos”. Esta que é uma das frases mais famosas da história do cinema (e do teatro, sua origem) praticamente traduz a essência de Blanche DuBois, personagem que rendeu a Vivien Leigh seu segundo (e merecido) Oscar. Vivendo uma realidade à parte, ela se muda para a casa da irmã e passa a viver uma conturbada relação de desejo e repulsa com o cunhado, Stanley Kowalski (Marlon Brando, em sua segunda e impactante atuação em Hollywood). Em Uma Rua Chamada Pecado, Kazan mostra muito além da maestria na condução da câmera e na direção de elenco. O cineasta transforma o texto de Tennessee Williams, já profundo o suficiente, numa colcha de retalhos das relações humanas, familiares e de paixão, numa luta entre antigos costumes da sociedade norte-americana com novos ou, talvez, antigos, mas reprimidos, hábitos. Naturalista ao extremo, Kazan coloca sua protagonista num mundo que ela nem sabia que existia. E, provavelmente, nem a sociedade da época, tão acostumada à glamourização imposta pelos meios de comunicação e pela própria arte. Um trabalho inesquecível e que marcou a filmografia de todo o mundo. – por Matheus Bonez
Ambientado nos anos 20, Clamor do Sexo é como o título nacional explicitamente traz, uma história sobre sexo, porém bem mais que isso, é essencialmente sobre a repressão dos desejos e suas consequências. Kazan nos apresenta aqui a Warren Beatty em seu primeiro e significativo papel. Ele é Bud, namorado da contida e sexualmente reprimida Deanie (Natalie Wood). Um tanto cansado da dificuldade em se relacionar com a garota, Bud seguirá os conselhos do pai e procurará quem queira nutrir seus desejos carnais. Já Deanie é mantida sob os conselhos da mãe, que a indica a não se entregar, já que o papel da mulher, segundo ela, é gerar vida. Um melodrama delicado e que aponta temas ainda importantes quanto à mulher na sociedade, o filme é mais uma confirmação de Kazan como um mestre em explorar o desejo nas telas, como já havia feito em Uma Rua Chamada Pecado (1951). Para tanto, influenciou o trabalho de ninguém menos que o espanhol Pedro Almodóvar e toda a sua concepção de desejo e suas consequências se reprimido ou explorado, apresentado excepcionalmente aqui em Clamor do Sexo. – por Renato Cabral
Vencedor de 8 Oscar em 1955, incluindo o de Melhor Filme, Sindicato dos Ladrões é um dos trabalhos mais premiados do polêmico diretor Elia Kazan. Polêmicas, bem verdade, mais voltadas a sua vida pessoal e ao fato de ter revelado nomes durante a caça às bruxas maccarthista do que pela sua obra, cheia de filmes memoráveis. Neste longa-metragem, Marlon Brando é o ex-boxeador Terry Malloy, sujeito que é usado para atrair um desafeto do chefão do sindicato para a morte nas docas do cais do porto, mas que acaba se apaixonado pela bela irmã da vítima. Por sua performance, Brando levou o seu primeiro Oscar de Melhor Ator, após ter sido indicado outras três vezes anteriormente. Elia Kazan, que já havia levado a estatueta da Academia pelo seu belíssimo trabalho em A Luz é para Todos, em 1948, recebeu seu segundo Oscar pela direção em Sindicato dos Ladrões. Com uma trama lenta, mas eficaz, e com ótimas performances do elenco principal (com destaque para uma robusta atuação de Karl Malden), o filme é, sem sombra de dúvidas, um dos grandes filmes da década de 50 – e, porque não dizer, da história do cinema. – por Rodrigo de Oliveira
Elia Kazan já possuía pelo menos cinco grandes obras em sua filmografia quando decidiu adaptar o inadaptável A Leste do Éden, de John Steinbeck, clássico instantâneo da literatura norte-americana lançado em 1952. Apenas três anos depois, com o sinal verde do produtor Jack Warner, o cineasta apresentou sua versão que escondia pelo menos metade da saga originalmente narrada pelo autor, suprimia todo o passado intrigante de uma das melhores personagens da história, Cathy Ames, e ignorava por completo as mais filosóficas passagens do livro com a sabedoria do mordomo chinês Lee. Ainda assim, Vidas Amargas é insuperável, revela toda a habilidade de Kazan para compor uma narrativa para seus personagens – e consequentemente para seus atores – e apresenta o primeiro papel de destaque do icônico James Dean. As referências bíblicas por meio dos irmãos Caleb e Aron, equivalentes a Caim e Abel, e suas relações conflituosas com o pai Adam, garantem algumas das sequências mais contundentes da carreira de Kazan, assim como o retrato da América rural em 1917 antes da Primeira Guerra Mundial. Jo Van Fleet, vencedora do Oscar de atriz coadjuvante, a fotografia de Ted McCord e a música de Leonard Rosenman são inesquecíveis. Com Vidas Amargas, Elia Kazan reitera a máxima de que grandes livros podem sim se tornar grandes filmes. – por Conrado Heoli
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O filme de Kazan retrata parte da trajetória do líder popular Emiliano Zapata (1879 — 1919), figura central da Revolução Mexicana de 1910 contra a ditadura de Porfirio Díaz (1884 – 1911), seguindo fatos históricos sem ser didático e com base em um roteiro romântico pouco melodramático. O cineasta apresenta um homem naturalmente carismático decidido a defender as terras das comunidades indígenas do estado de Morelos contra o avanço das grandes haciendas porfiristas, porém avesso à mitificação simbólica que a liderança comunitária tende a provocar. Desenvolvendo um Zapata heroico destituído de delírios de grandeza, Marlon Brando estabelece essa visão dual de forma convincente. Seu personagem comanda revoltas armadas contra as forças de Díaz e, posteriormente, do general Victoriano Huerta sempre tendo em mente não tornar-se “a consciência do mundo ou das pessoas”. Com a guerra vencida, é nomeado general, mas percebe que estaria tornando-se a figura política arcaica que antes combatia. Retornando a campo, volta a liderar comunidades entre a perseverança e a reticência, tentando estimular entre o pueblo o ímpeto da autodeterminação – chave para a independência. Antes de ser assassinado pelo general Jesús Guajardo afirma: “líder forte, povo fraco”. Sua sonhada reforma agrária viria pelo presidente Lázaro Cárdenas em 1934. – por Danilo Fantinel