Como boa parte das atrizes inglesas de sua geração, Emma Thompson demorou a ser reconhecida mundialmente pelos seus complexos papéis em Hollywood. Estrela da televisão britânica dos anos 1980, a diva estava à frente de várias séries, não só como atriz, mas também roteirista. Foi nesta época que conheceu seu futuro marido Kenneth Branagh, que a colocaria em dois de seus filmes. O casamento terminou na metade dos anos 1990, quando Emma já havia conquistado os norte-americanos com suas atuações, inclusive sendo premiada com o Oscar por sua atuação em Retorno a Howards End (1992) e tendo sido indicada duas vezes no ano seguinte. Em 1996, ela recebeu mais uma estatueta, desta vez como roteirista por Razão e Sensibilidade (1995), onde, novamente, foi indicada como atriz principal.
Após seu último Oscar, Emma diminuiu o ritmo de filmes, mas teve importantes papéis em longas como Segredos do Poder (1998), Simplesmente Amor (2003), Nanny McPhee: A Babá Encantada (2005), além de ter participado da série Harry Potter como a professora Sybil Trelawney. Para comemorar seu aniversário no dia 15 de abril, a equipe do Papo de Cinema resolveu eleger os cinco melhores filmes – e mais um especial – desta que é uma das melhores e mais atuantes atrizes britânicas da atualidade. Confira!
Por Yuri Correa
Com uma montagem fluída associada a uma trilha sempre presente e interessante, Retorno a Howards End retrata a natureza circular da vida de Margaret Schlegel (Thompson) sem problemas, fazendo com naturalidade a transição da rotina vivida por Ruth (Vanessa Redgrave), para a da protagonista que, aos poucos, passa a assumir o seu lugar. Esposa do milionário Henry Wilcox (Anthony Hopkins) e já doente, Ruth tenta deixar em testamento sua propriedade, a adorável Howards End, para sua vizinha e amiga Margaret, porém, o marido intervém nesta decisão que julga fruto de seu estado febril, e, após a morte da mulher, pede a Margaret que se case com ele em troca de um lar. Enquanto isso, acompanhamos o romance que cresce aos poucos entre sua irmã, Helen (uma ainda jovem Helena Bonham Carter) e Leonard Bast (Samuel West), cuja vida financeira foi afetada por um conselho de Henry. Vencedor de três Oscar e indicado a outros seis, incluindo Melhor Filme, o longa deu a Emma Thompson sua única estatueta por seu trabalho como atriz até hoje, além de lhe garantir uma nova parceria com o diretor James Ivory, com quem ela e Hopkins voltariam a trabalhar no ano seguinte em Vestígios do Dia.
Por Robledo Milani
Após ganhar o Oscar pelo competente desempenho apresentado em Retorno a Howards End (1992), Emma Thompson voltou no ano seguinte à maior festa do cinema mundial em dose dupla: além de concorrer como coadjuvante pelo drama político Em Nome do Pai (1993), era também uma das finalistas na categoria principal por este desempenho absolutamente arrebatador. Baseado no romance de Kazuo Ishiguro e com direção de James Ivory (responsável, também, por Howards End), Thompson vive aqui o objeto de afeição do mordomo interpretado por Anthony Hopkins, um homem que dedicou sua vida a servir os outros até o momento em que passa a se questionar se tomou a decisão certa. Miss Keaton, sua personagem, representa o contraponto ideal ao tipo composto pelo protagonista, estabelecendo com ele uma dança em perfeita sincronia: ele tímido e retraído, ela explosiva e autêntica. Indicada ainda ao Bafta e ao Globo de Ouro, acabou de mãos abanando na maioria das premiações a que foi indicada. Uma lástima, pois um nada seria sem o outro, e ambos estão não menos que inesquecíveis. Uma legítima obra de arte, adulta e madura, que merece ser apreciada com distinção e reverência, num filme que só melhora com o tempo.
Por Matheus Bonez
O filme do irlandês Jim Sheridan é um daqueles exemplares de boas produções de protesto e tribunal que todos deveriam seguir. Uma crítica ao sistema judicial britânico, Em Nome do Pai é imparcial ao máximo e não resvala na panfletagem, apenas coloca os fatos inquestionáveis na tela. É desta forma que conhecemos a história de Gerry Conlon (Daniel Day-Lewis), que estava no lugar e hora errados quando acontece um ataque à bomba do IRA a um bar londrino em 1974. Preso injustamente, o jovem tem auxílio da poderosa advogada Gareth Peirce, papel interpretado por maestria por Emma Thompson, que não deve nada a seu excepcional colega de cena. Corajosa, determinada e com um senso de justiça acima de qualquer suspeita, vemos a personagem lutar do lado de fora das grades por seu cliente como um Davi contra Golias. E Emma entra a fundo na figura retratada, fazendo o público acreditar que existem, sim, advogados daquele gênero na vida fora das telas. Por sua atuação, a atriz foi indicada como coadjuvante no Oscar de 1994. Merecia levar a estatueta para casa.
Por Willian Silveira
Sem desmerecer Ang Lee, seu diretor, é Emma Thompson o cérebro e o coração de Razão e Sensibilidade. Foi ela a responsável por entregar o roteiro escrito à mão, concebido durante quatro anos, como adaptação para o livro homônimo de Jane Austen, uma das mais importantes escritoras em língua inglesa. Esforço que lhe rendeu o único Oscar atrás das câmeras. Em cena, interpreta Elinor, com Marianne (Kate Winslet) e Margaret (Emilie François) como suas irmãs. Após a morte do pai, a família passa por dificuldades financeiras e as filhas precisam encontrar a melhor maneira de lidar com a situação. O fato de terem sido criadas sob a mesma educação não as torna iguais. Enquanto Marianne opta pelo sentimento exacerbado, Elinor prefere a razão prática, em uma parceria que busca o equilíbrio. Contundente crítica social do século XIX, Razão e Sensibilidade tem no papel de Thompson uma interpretação rara: vínculo de força, delicadeza e determinação.
Por Dimas Tadeu
Interpretar personagens que realmente existiram é uma grande e perigosa oportunidade. Grande porque pode se tornar um feito quase mediúnico, o tour de force da carreira do ator. Perigoso porque, estando o personagem à disposição das pessoas para comparação, sendo alguém que realmente existe ou existiu, é fácil o intérprete cair em apuros. Felizmente, Emma Thompson se enquadra no primeiro caso ao representar P. L. Travers, a escritora que criou Mary Poppins, no recente Walt Disney nos Bastidores de Mary Poppins. Misturando a personalidade empedernida e rabugenta de uma inglesa que lembra mais Nanny McPhee (2005) do que a célebre babá voadora, Thompson dá à personagem uma profundidade que nem o filme alcança, repleta de camadas e nuances e deixando entrever uma complexidade que, se foge ao roteiro, lhe transborda na fala e no gestual. Quando, nos créditos finais, ouvimos a voz da escritora numa gravação, fica a impressão de que Emma Thompson trouxe sua inspiração de volta à vida por um par de horas. Um feito e tanto, que merece ser conferido de perto.
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Por Marcelo Müller
E se de uma hora para outra você começasse a ouvir uma voz narrando os acontecimentos de sua vida? É o que acontece certa manhã com Harold Crick (Will Ferrell), protagonista de Mais Estranho que a Ficção, um funcionário da receita federal que têm denunciadas verbalmente suas ideias, sentimentos e atos. A voz é da escritora Karen Eiffel (Emma Thompson), famosa por assassinar seus protagonistas no final, de maneiras trágicas e insólitas. O filme dirigido por Marc Forster brinca com a possibilidade de um personagem consciente de sua condição submissa à vontade de um ser onipresente, onisciente e onipotente. Assim, Emma Thompson interpreta alguém cuja deidade surge da escrita, do ato criativo. A atriz, ela própria roteirista na vida real, ou seja, também uma mulher das letras, desta maneira parece se encaixar quase à perfeição ao fenótipo da personagem, em parte por ser certamente sensível a suas angústias frente o destino da criação, destino esse muitas vezes traçado mais por força de ideias que, enigmaticamente, fluem quase à revelia da vontade inicial do escritor.