Nascido no dia 20 de janeiro de 1920, o mestre do cinema italiano Federico Fellini teria completado neste mês 93 anos, caso não tivesse partido no dia 31 de outubro de 1993, há 20 anos. Natural da pequena Rimini, no interior da Itália, Fellini morou em Roma até o seu último dia e fez da sua terra natal cenário de alguns dos mais importantes filmes jamais feitos. Com uma obra de apenas 25 títulos como realizador, que abrangeu não somente trabalhos para o cinema, mas também para a televisão, documentários, projetos coletivos e curtas-metragens, atuou ainda como roteirista, deixando registrado na tela seus sonhos, criações, fantasias e muita criatividade. Para prestar uma mais do que merecida homenagem a este verdadeiro gênio, a Equipe Papo de Cinema aponta abaixo cinco longas inesquecíveis do cineasta, além de um sexto título que, mesmo não sendo tão badalado como os demais, merece ser conhecido. Confira!
Depois de ter dirigido dois curtas, seis longas-metragens e um trabalho feito em dupla (pelo qual se responsabilizava apenas pela metade), Federico Fellini lançou seu oitavo filme e meio em fevereiro de 1963. Intitulado apropriadamente como 8 ½, o longa trazia o sempre competente parceiro do cineasta, Marcello Mastroianni, como uma espécie de alterego do diretor, vivendo um sujeito que, durante uma crise de criatividade, começa a relembrar suas memórias, misturando sonho e realidade ao repassar as mulheres de sua movimentada vida. Mais um exemplar do cinema fantástico de Federico Fellini, 8 ½ vale não só pela história deliciosa a qual nos apresenta, mas também pela bela fotografia em preto e branco e por sua direção de arte caprichada (vencedora do Oscar naquele ano). Por falar em prêmio da Academia, Fellini foi indicado como Melhor Diretor e por Melhor Roteiro, mas acabou levando pra casa a estatueta de Filme Estrangeiro.
Ainda que o próprio cineasta negasse, muitos apontam que Amarcord (1973) foi baseado nas lembranças de Federico Fellini de sua infância em Rimini, comuna situada no norte da Itália. O próprio título traduz a expressão fonética de io me ricordo (eu me recordo) e a obra disseca a infância excepcional de Titta nos anos 1930, que fornece algumas respostas para decifrar a onírica obra do mestre italiano. Amarcord remonta o cotidiano de uma pequena comunidade durante o governo de Mussolini e aborda diversos temas, da religião à política, passando pela educação da época e a sexualidade exagerada, tão comum aos filmes de Fellini. A beleza da comédia dramática está na delicadeza do enfoque aos personagens excêntricos e encantadores, revelados pelas cores românticas da fotografia de Giuseppe Rotunno. Tonino Guerra, que roteirizou os clássicos de Michelangelo Antonioni Blow-Up – Depois Daquele Beijo (1966) e a Trilogia da Incomunicabilidade, assina com Fellini as desventuras de uma narrativa nostálgica e inesquecível. Conduzido pela festiva trilha de Nino Rota, Amarcord é um dos mais importantes trabalhos de um dos grandes nomes da história do cinema. Venceu merecidamente o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1975, além de ser indicado no mesmo ano aos prêmios de direção e roteiro.
Marco da transição entre as fases neorrealista e simbolista de Federico Fellini, A Doce Vida é daqueles filmes que mesmo debruçado sobre aspectos marcantes de uma época jamais perde frescor e atualidade, pois captura certas essências humanas independentes do momento histórico. Estamos em Roma, cidade sórdida e apodrecida sob a casca efervescente e moderna. O personagem principal é Marcello Rubini (em interpretação icônica de Marcello Mastroianni) jornalista especializado em histórias sensacionalistas a respeito de estrelas de cinema, milagres religiosos e a nata italiana. Ele passa a cobrir a visita da atriz hollywoodiana Sylvia Rank (Anita Ekberg, esplendorosa) por quem fica verdadeiramente obcecado. Além de evidenciar a que considerava nefasta influência estadunidense na cultura italiana, Fellini pinta a sociedade local corroída por hipócritas e cultores das celebridades. Não por acaso o termo “paparazzi” (alcunha dos fotógrafos de famosos) advém deste filme, mais especificamente dum personagem que às vezes cruza o caminho de Marcello e cuja função é registrar notáveis. A Doce Vida habita o panteão das mais importantes criações de Fellini, autor de expressão sem igual no cinema italiano, quiçá mundial.
Em E La Nave Va, a tal burguesia precisa colocar seus valores em disputa. Um navio cheio de pessoas chiques, de visões de mundo conservadoras e elitistas se confrontam, inclusive umas contra os outros, na ameaça de refugiados sérvios na alvorada da Primeira Guerra. Fellini faz com que os personagens questionem “suas éticas” (eles inclusive se perguntam se devem ou não dar comida aos esfomeados!), dialoguem com outro estado das coisas. Se o filme não tem a mesma força de alguns de seus melhores trabalhos (Amacord, 1973, e A Doce Vida, 1960, por exemplo), todavia logo mistura o sol de mentira e o oceano de plástico com a urgência da catástrofe mundial. Um mundo de fantasia em que o grotesco flerta com o onírico na construção do real. É no fim que ele explicita tudo, toda a mentira do cinema e toda a verdade dele. Questão de ponto de vista.
Este é, provavelmente, um dos primeiros filmes que assisti a partir do momento em que decidi investir na minha cinefilia. Até então minha dieta cinematográfica era composta por filmes-pipoca, em sua grande maioria, mas chegou o ponto em que percebi que aquela diversão era também arte, e o melhor, sem deixar de ser também um belo entretenimento. O responsável por esta consciência, sem dúvida, foi Fellini. Quando apresentado à A Estrada da Vida, numa retrospectiva do mestre italiano, com o privilégio de poder conferir esta obra-prima em tela grande numa sala escura, o prazer foi imenso e arrebatador. O gigante interpretado por Anthony Quinn, o ambiente circense e rebelde, a pobre moça que é vendida e explorada o tempo inteiro – mas sempre com um sorriso no rosto. Tudo por demais envolvente, sofrido, verdadeiro. Além do mérito de ter ganho o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro – o primeiro dos quatro conquistados por Fellini – traz ainda uma atuação inspirada de Giulietta Masina, a grande parceria de vida de Fellini, naquele que talvez seja o grande personagem criado por ele, para ela – ao lado dos icônicos Noites de Cabíria (1957), Julieta dos Espíritos (1965) e Ginger e Fred (1986). Os dois – diretor e atriz, marido e esposa, criador e criatura, Fellini e Masina – mostram aqui que, ao sorrir para o mundo, sorrimos também para a vida. E ela sorri de volta, a despeito de todas as adversidades.
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Há espetáculo na vida e vida no espetáculo. O palco recorta a realidade e leva ao espectador o mundo desejado – a alegria irrestrita. Em seu primeiro filme, assinado em parceria com Alberto Lattuada (O moinho do pó, 1949), Fellini conta a história de Checco (Peppino De Filippo). O diretor de uma companhia de Teatro de Revista apaixona-se pela aspirante a atriz Liliana (Carla Del Poggio). Bela e ingênua, a jovem consome a atenção de Checco a ponto de despertar ciúme e inveja nos demais artistas da trupe. Os sorrisos são cada vez mais exclusividade da plateia. Nos bastidores, a verdade se revela. O gérmen da filmografia do diretor italiano está aqui presente: o apreço pelo tema circense, a vida como encenação, a dualidade do artista que se priva da alegria para entregá-la aos outros; o homem como sonhador; o amor como ilusão.