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5+1 :: Fernanda Montenegro

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Grande dama do cinema brasileiro, Fernanda Montenegro tem em mais de 60 anos de carreira como atriz o diferencial de parecer não se esforçar para interpretar. E isto, nem de longe, é uma crítica, muito pelo contrário. Poucas artistas, inclusive no âmbito mundial, tem este talento. Não à toa o nome de Fernandona é conhecido em terras estrangeiras. Um dos rostos mais aplaudidos no teatro, na televisão e, é claro, no cinema, a intérprete já foi indicada ao Oscar, ao Globo de Ouro e venceu Urso de Prata no Festival de Berlim, além de dezenas de outros prêmios graças à sua arrebatadora performance em Central do Brasil (1998). Também carrega o título de primeira brasileira a ganhar o Emmy Internacional pela atuação em Doce de Mãe, produção televisiva de 2013.

Com tantos predicados, fica difícil saber o que não falar de bom sobre Fernanda Montenegro. Ainda mais que no dia 16 de outubro a atriz comemora mais um aniversário. Como é de praxe, a equipe do Papo de Cinema não poderia deixar de homenagear Fernandona e escolheu seus cinco melhores trabalhos nas telas além, é claro, daquele que não deve ser esquecido. Confira!

 

A Falecida (1965)
Por Robledo Milani

Fernanda Montenegro já era uma das grandes damas do teatro brasileiro quando, antes mesmo dos seus quarenta anos de idade, precisou ser convencida a estrear no cinema por ninguém menos do que Jofre Rodrigues, filho do grande Nelson Rodrigues, que a desejava na pele de uma das maiores personagens criadas por seu pai: Zulmira, a mulher que, após a visita a uma cartomante e do alerta para se cuidar com uma misteriosa loira, passa a cultivar fixamente a ideia da própria morte, desejando para tanto o enterro mais luxuoso possível. No cortiço onde mora com o marido desempregado e a mãe ignorante, ninguém compreende este mórbido desejo, mas serão revelações posteriores que indicarão que ela só teria como possibilidade o destino que anunciava com tamanha entrega e compreensão. Ao lado de nomes como Nelson Xavier, Ivân Cândido e, principalmente, Paulo Gracindo, Montenegro dava os indícios do talento que a consagraria nas telas do Brasil e do mundo, construindo um tipo arrebatador neste verdadeiro clássico nacional. O prêmio de Melhor Atriz que ganhou no primeiro Festival de Brasília – que na época ainda se chamava Semana do Cinema Brasileiro – foi só o primeiro passo de uma carreira como nenhuma outra.

 

Tudo Bem (1980)
Por Marcelo Müller

Fernanda Montenegro é quase uma unanimidade. Reverenciada nos palcos e na TV com mais frequência que no cinema, ela, contudo, tem uma coleção de papeis importantes nas telonas. Um dos menos citados (injustamente) é o de Tudo Bem, talvez o melhor filme de Arnaldo Jabor. Ela interpreta Elvira, esposa classe média, crente que o marido, Juarez (Paulo Gracindo), tem uma amante. Juarez conversa com os fantasmas dos amigos, enquanto Elvira supervisiona a reforma do apartamento. Aliás, a interação dela com os peões da obra evidencia a tensão entre as classes pela via da comédia, da sátira. Os preconceitos, a exploração, aquele jeitinho que muitos patrões sempre arranjam para ganhar vantagem sobre seus empregados, tudo aparece em meio à expansão do apartamento que pode ser lida como metáfora de um país então em crescimento, mas que negligenciava as camadas menos favorecidas. Se Fernanda Montenegro é mais lembrada no cinema como a Dora de Central do Brasil (1998), papel inegavelmente forte e dramático, com Elvira ela consegue mostrar seu potencial cômico, fazendo rir do ridículo residente em sua personagem e no estrato alienado a qual ela pertence.

 

Central do Brasil (1998)
Por Thomás Boeira

Dora (Fernanda Montenegro) trabalha escrevendo cartas para pessoas analfabetas, ainda que seja um tanto impaciente e até mesmo egoísta. Um dia ela escreve uma carta para Ana (Sôia Lira), que quer reencontrar o marido que a deixou sozinha cuidando do filho, Josué (Vinícius de Oliveira). Mas pouco depois disso, Ana é atropelada por um ônibus. É então que Dora decide ajudar Josué a encontrar seu pai, em uma longa viagem. Fernanda Montenegro brilha em Central do Brasil ao fazer de sua personagem uma mulher forte, que melhora gradativamente como pessoa em um arco narrativo muito bem desenvolvido. Por seu trabalho, Montenegro foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz, sendo que muitos dizem que ela deveria ter levado o prêmio que ficou com Gwyneth Paltrow. A atriz ainda tem uma dinâmica impecável com o menino Oliveira, que acaba sendo a espinha dorsal deste longa sensível e emocionante, que se tornou um dos mais importantes do cinema brasileiro pós-Retomada, além de ter confirmado Walter Salles como um diretor que veio para se destacar.

 

O Outro Lado a Rua (2004)
Por Matheus Bonez

É quase um poder sobrenatural o de Fernanda Montenegro em atuar. Quando explana diálogos em seus filmes, então, é de uma naturalidade absurda. Em um filme como O Outro Lado da Rua, o primeiro de Marcos Bernstein, em que o roteiro é o ponto alto ao lado das interpretações de seus protagonistas, não parece que as palavras foram escritas, mas sim nasceram unidas de alguma forma. Como Regina, Montenegro entrega uma de suas performances mais profundas na pele desta aposentada que, estimulada por um trabalho voluntário da polícia, enxerga um fato inusitado na janela de seu vizinho, juiz interpretado pelo grande Raul Cortez. Ele pode ter assassinado sua esposa, caso que logo a polícia “precisa” esquecer.  A trama começa com ares de Janela Indiscreta (1954), do mestre Alfred Hitchcock, mas à medida em que Regina se envolve com o juiz para tentar descobrir o suposto crime, ela acaba se apaixonando por sua caça. O Outro Lado da Rua é um brilhante exemplar do cinema brasileiro que mistura drama, suspense e romance como poucos nas últimas décadas. Além de tudo, um trabalho memorável da dama brasileira da atuação.

 

Casa de Areia (2005)
Por Rodrigo de Oliveira

Fernanda Montenegro é a grande dama do cinema brasileiro e sua filha, Fernanda Torres, é de um talento ímpar, com ótimo timing para comédia e não decepcionando nada quando é necessário algum desempenho dramático. Mãe e filha têm carreiras longevas, mas nunca haviam participado em um filme juntas. Isso mudou quando Andrucha Waddington, marido de Fernandinha e genro de Fernandona, resolveu promover este encontro nas telas no belo Casa de Areia. Não bastasse colocar as duas contracenando juntas, Waddington foi inteligente ao dividir os mesmos papéis com as atrizes. Ou seja, Torres interpreta uma personagem quando jovem, defendida por Montenegro ao envelhecer – e isto acontece duas vezes, com as sofridas Dona Maria e Áurea. O longa-metragem é construído com silêncios eloquentes, num clima de desolação muito bem pontuado pela fotografia de Ricardo Della Rosa. Vencedor de três troféus no Grande Prêmio de Cinema Brasileiro em 2006 e concorrendo ao louro máximo no Festival de Sundance naquele mesmo ano, Casa de Areia é um dos grandes filmes da cinematografia nacional da década passada e o encontro inesquecível de duas grandes atrizes brasileiras. Mais uma prova de que o fruto não cai nada longe da árvore.

 

+1

 

A Vida Invisível (2019)
Por Robledo Milani

Pelo papel de Eurídice Gusmão, a protagonista de A Vida Invisível, Fernanda Montenegro ganhou o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e o Prêmio Guarani, as duas maiores premiações da produção cinematográfica nacional. Então, como esse pode ser considerado um “filme extra” nessa lista de indicações? Primeiro, porque estamos falando de uma das mais conceituadas e celebradas artistas do país, e dentre tantos trabalhos brilhantes, esse realmente é mais discreto, digamos. Não pela qualidade da atuação vista em cena – que é de deixar qualquer um emocionado – mas pelo tempo disponível para a atriz: ela só aparece depois de quase duas horas de trama, e mesmo assim, sua participação total deve ser em torno de dez ou quinze minutos. É quase que uma presença de luxo, portanto. Interpretando a personagem principal na velhice – na juventude, o papel e da revelação Carol Duarte – nossa querida Fernandona dá um show aos quase 90 anos, deixando claro que a trajetória de glórias percorrida até aqui não foi por acaso. Seja no contato com os filhos ou ao descobrir as cartas enviadas pela irmã tantos anos antes, é impossível permanecer indiferente a uma das composições mais tocantes e sensíveis da carreira da atriz.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.

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