Fernanda Torres virou orgulho nacional ao vencer o Globo de Ouro 2025 de Melhor Atriz em Filme de Drama por Ainda Estou Aqui (2024). Mas, antes mesmo de subir ao palco norte-americano e agradecer a estatueta visivelmente surpresa e emocionada, ela vinha sendo considerada uma diva memética das gerações mais novas, por conta das tiradas de suas personagens impagáveis que viralizaram nas redes sociais. Afinal de contas, Fernanda interpretou Vani em Os Normais (2001-2003) e a Fátima de Tapas & Beijos (2011-2015), dois papeis icônicos que deram a ela a possibilidade de mostrar o seu talento cômico para o público heterogêneo da televisão.
No entanto, é importante pontuar que a carreira cinematográfica de Fernanda Torres já era marcada por êxitos e prêmios, tanto nacionais quanto internacionais, muito antes do Globo de Ouro 2025, do sucesso televisivo ou de ela bombar na internet com uma irreverência característica. Por isso resolvemos fazer esse 5+1 a fim de mostrar os pontos mais altos de Fernanda nas telonas, aqueles papeis que lhe renderam reconhecimento de público e crítica, e ainda destacar um de seus filmes que merecem ser (re)descobertos. Confira abaixo e nos diga qual é seu favorito entre os escolhidos da oito vezes indicada ao Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro (ela venceu em duas ocasiões).
A Marvada Carne (1985)
Dirigido por André Klotzel, esse é um dos primeiros filmes de Fernanda Torres – ela havia estreado nas telonas dois anos antes com Inocência. A comédia traz a nossa grande atriz como a jovem e sonhadora Carula, interiorana simples que tem o casamento como principal sonho de vida. E ela fará de tudo (de tudo, mesmo) para conseguir achar um marido e ter a vida que sempre desejou em seus devaneios românticos. Carula conhece Nhô Quim (Adilson Barros), homem que perambula com seu cachorro pelo interior de São Paulo em busca de uma noiva e de comer carne de vaca (?). Vendo a oportunidade de fisgar um pretendente, Carula engana Nhô Quim dizendo que se eles juntarem os trapinhos o prêmio é o boi da família dela que será oferecido em churrasco no banquete do casório. Fernanda Torres venceu o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado de 1985 por esse papel que ajudou a alavancar a sua carreira que estava então começando. Primeiro longa-metragem dirigido por André Klotzel, ele fez parte de uma onda de produções paulistas que demonstraram uma renovação do cenário cinematográfico de um dos principais estados da federação.
Lembram-se que Fernanda Torres era não mais do que uma iniciante promissora quando ganhou o seu primeiro prêmio de relevância no cinema – o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado de 1985 por A Marvada Carne? Pois bem, apenas um ano depois do êxito na serra gaúcha, ela atingiu um dos pontos mais altos que se pode esperar de uma intérprete ao vencer o prêmio de Melhor Atriz do Festival de Cannes de 1986 por esse longa dirigido por Arnaldo Jabor. Com um tom dramático bem diferente do que havia apresentado até então, Fernanda faz uma dobradinha com Thales Pan Chacon a fim de contar o reencontro de um casal jovem, recentemente separado, após três meses apenas sem se verem. Em um amplo e moderno apartamento, eles começam a falar sobre seu relacionamento passado e projetam o futuro, ao mesmo tempo em que mágoas, ressentimentos e expectativas em relação a eles se manifestam. Dividindo a láurea máxima de Cannes com Barbara Sukowa por Rosa Luxemburgo (1986), a brasileira então com 21 anos de idade chamou a atenção do mundo pela primeira vez e exibiu credenciais que viriam a ser confirmadas nos anos posteriores, seja nos seus marcantes papeis cômicos ou mesmo em suas incursões pelo drama.
Fernanda Torres participou de grandes filmes na década de 1990 – nos chamados anos da Retomada do cinema brasileiro, depois dos anos nefastos impostos pela administração Fernando Collor. E não seria nenhum absurdo considerar esse longa dirigido por Walter Salles e Daniela Thomas como o melhor entre os que ela fez nesse período. Mesmo que não seja a protagonista da produção (esse cargo é de Fernando Alves Pinto), ela é um dos pilares da história do jovem brasileiro que decide deixar o Brasil e ir para a Europa, tentar conhecer a terra natal de sua mãe, a Espanha. Afetado pela situação econômica do país no início dos anos 1990, o rapaz encontra dificuldades para pagar sua viagem, e por isso, aceita entregar um pacote misterioso em Portugal em troca de dinheiro. Vivendo uma atendente de boteco em Portugal que tem um relacionamento conturbado com Miguel (Alexandre Borges), músico de formação, mas que sobrevive de pequenas contravenções, Fernanda se destacou ao ponto de ser indicada na primeira edição do Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro. Não à toa, seu rosto é tão frequente quando se fala desse filme magnífico.
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Gêmeas (1999)
Fernanda Torres em dose dupla neste filme dirigido por seu marido Andrucha Waddington. Um drama com toques de horror que mostra as irmãs Iara e Marilena pregando peças em homens, aproveitando-se do fato de serem gêmeas idênticas. O problema é quando elas efetivamente se apaixonam pelo mesmo rapaz, o que desencadeia uma violenta rivalidade. Baseado em um conto escrito por Nelson Rodrigues, o longa levou a atriz a mais uma indicação ao Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro e ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2001. Ficando ainda no terreno dos reconhecimentos, Fernanda levou para casa o Candango de Melhor Atriz no Festival de Brasília de 1999. Portanto, aos 35 anos de idade, ela já tinha um Candango e um Kikito na estante, prêmios dos dois festivais mais tradicionais do Brasil. O filme seria um dos episódios de Traição (1998), longa da Conspiração Filmes que contém três histórias baseadas em contos de Nelson Rodrigues. Entretanto, posteriormente o diretor resolveu esticar um pouco mais a história e transformar o que seria um média-metragem em um longa. Decisão acertadíssima de Andrucha Waddington, que permitiu ainda mais visibilidade ao trabalho brilhante de sua esposa Fernanda Torres que, a partir daí, já era uma realidade.
Ainda que possamos gostar mais de outros trabalhos de Fernanda Torres, o seu protagonismo nesse filme sempre será reconhecido como um marco sem igual em sua carreira. Afinal de contas, por ele a artista ganhou um inesperado (porém merecidíssimo) Globo de Ouro de Melhor Atriz em Filme de Drama, desbancando nada menos do que Angelina Jolie, Nicole Kidman, Tilda Swinton, Kate Winslet e Pamela Anderson. A sua indicação ao Oscar, que parecia um sonho dourado, cada vez mais surge como uma realidade absolutamente possível. E seria um devaneio grande demais pensar numa vitória no Oscar? Que seja, mas enquanto há bambu, há flecha, como se diz popularmente. Fato é que, reconhecida ou não por Hollywood, Fernanda tem um desempenho notável como Eunice Paiva, dona de casa de uma classe média abastada que tem a família atravessada pela tragédia em tempos de ditadura militar. Às vezes transmitindo uma enormidade de emoções somente por meio do olhar um tanto atordoado, Fernanda merece todos os elogios e reconhecimento que vem recebendo. Novamente colaborando com Walter Salles, ela comove e comprova a sua grandeza como atriz.
Podcast #166 :: Ainda Estou Aqui
Casa de Areia (2005)
Foi bastante difícil escolher esse “+1”, principalmente porque há ainda muitos filmes importantes de Fernanda Torres que aqui não foram citados, seja como atriz ou ainda na condição de roteirista. O Que É Isso, Companheiro? (1997), O Primeiro Dia (1999), Redentor (2004), Saneamento Básico (2007) e A Mulher Invisível (2009) são alguns deles – pelos quais também foi indicada ao Prêmio Guarani do Cinema Brasileiro. Mas, preferimos escolher uma empreitada familiar, esse longa (pelo qual foi nominada ao Guarani), dirigido por seu marido Andrucha Waddington e co-estrelado por sua mãe, a grande Fernanda Montenegro. Na trama, após a morte do marido em um acidente, uma mulher grávida e sua mãe lutam para sobreviver no rigoroso deserto brasileiro com a ajuda de um morador local. Por seu trabalho brilhante nesse longa-metragem rodado nos lençóis maranhenses, Fernanda Torres foi também indicada ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro de 2007. Então, se você nunca assistiu a esse filme, confie na gente e se jogue nele sem medo, pois estamos falando de uma história repleta de lacunas, de fantasmagorias, de silêncios eloquentes e de situações somente possíveis por grandes interpretações. E as Fernandas dão isso em dose dupla, formando um time imbatível.
CONFIRA TAMBÉM
– Podcast Papo de Cinema
(YouTube e principais players de áudio)