Nascido em Nova York em 13 de maio de 1939, Harvey Keitel é um maiores e mais subestimados atores de sua geração. Hoje em dia ele é um coadjuvante de luxo, mas já teve chances de estrelar grandes trabalhos de diretores como Martin Scorsese, Quentin Tarantino, Ridley Scott e Abel Ferrara. Talvez por ter ficado preso a personagens brutos, violentos, sua gama de papéis possa ter ficado restrita. Mas ninguém melhor do que Keitel para fazer esses tipos. Scorsese trabalhou diversas vezes com ele, começando por seus papéis de protagonista em Quem Bate à Minha Porta? (1967) e Caminhos Perigosos (1973), passando por bons personagens coadjuvantes em clássicos como Táxi Driver (1976) e A Última Tentação de Cristo (1988). Depois de sua merecida indicação ao Oscar como Ator Coadjuvante em Bugsy (1991), o ator achou no jovem Quentin Tarantino sua segunda grande parceria. Keitel ajudou a viabilizar Cães de Aluguel (1992) não só com o seu starpower, mas arregaçando as mangas e se tornando produtor. Agradecido pela ajuda, o cineasta costuma achar pequenos papéis para o seu amigo de vez em quando. Claro que sua memorável (e rápida) participação em Pulp Fiction: Tempo de Violência (1995) logo vem à mente. Mas também são destacáveis seus papéis em Um Drink no Inferno (1996) – cujo roteiro era de Tarantino – e sua ponta não creditada em Bastardos Inglórios (2009). Outros diretores importantes em sua carreira foram Ridley Scott – que o dirigiu em Os Duelistas (1977) e Thelma & Louise (1991) – e Abel Ferrara – que comandou o ator em Vício Frenético (1992) e Olhos de Serpente (1993). Por este primeiro, Keitel levou o prêmio de Melhor Ator no Independent Spirit Awards. Com mais de 140 títulos em sua carreira, divididos entre cinema e televisão, o ator nova-iorquino tem uma gama enorme de trabalhos memoráveis a serem escolhidos. Nós, do Papo de Cinema, escolhemos cinco filmes inesquecíveis de sua filmografia – e mais um que merece uma conferida de perto. Confira nossa homenagem a esse grande ator!
Este longa, lançado em 1967, marcou a estreia do então jovem Martin Scorsese, um apaixonado por cinema que se aventurava na condição de diretor, depois de se formar na Universidade de Nova York. O cotidiano de uma geração fortemente influenciada pela criação católica, num entorno essencialmente formado por descendentes de imigrantes italianos, está no cerne dessa produção que logo chamou a atenção, inclusive, segundo conta a lenda, de John Cassavetes, cujo estilo evidentemente influenciou Scorsese. Ainda na universidade, o futuro diretor conheceu um estudante de quem ficou prontamente amigo e que, mais adiante, seria o protagonista desse seu primeiro longa-metragem. Harvey Keitel conferiu a complexidade necessária ao homem que passa seus dias perambulando na companhia dos colegas de bairro, flertando com a criminalidade e falando com entusiasmo de seu amor por Rastros de Ódio (1956), a obra-prima de John Ford. O relacionamento com uma bela mulher expõe toda sorte de amarras e dificuldades oriundas dos preceitos católicos, mas não só isso. A profundidade da interpretação de Keitel é imprescindível para a pungência do filme de Scorsese, um exemplar fortemente conduzido pelo drama desse rapaz que enfrenta a iminência da vida adulta com um misto de espanto e desilusão, ambas camufladas numa aparente autossuficiência. – por Marcelo Müller
Harvey Keitel já não era um ator qualquer quando participou do primeiro longa-metragem de Quentin Tarantino. Aliás, este sim era alguém com pouca experiência na época, apesar de já chamar a atenção com sua linguagem histriônica e diferenciada. Não apenas pelos diálogos impagáveis (como o inicial sobre o significado da música “Like a Virgin”, de Madonna) que logo se tornariam a marca registrada do cineasta, mas também pelo elenco de peso. Ao lado do nosso homenageado estão nomes como Tim Roth, Steve Buscemi e Michael Madsen. Sob o comando do diretor, todos imprimem suas marcas neste quebra cabeças violento e cheio de pequenas reviravoltas. Porém, de toda esta turma de criminosos que são reunidos após um ataque dar errado, é o Mr. White de Keitel que conduz a trama para se saber, afinal, quem traiu o grupo e pode ser um policial disfarçado. Dotado de sua carranca habitual, o ator pode parecer o mesmo de sempre em um primeiro momento, mas a forma como desenvolve seu personagem demonstra todo o seu talento, sempre relegado a papeis coadjuvantes. E isso não se resume às quase 300 vezes que a palavra “fuck” é dita em todo o longa. – por Matheus Bonez
Desde sua participação em Caminhos Perigosos (1973), de Martin Scorsese, a carreira de Harvey Keitel ficou marcada pela grande quantidade de figuras essencialmente urbanas, ligadas muitas vezes ao submundo do crime e da violência. Dentre seus papéis pertencentes a este universo, provavelmente nenhum outro exigiu do ator a mesma entrega que o tenente de polícia sem nome desta obra-prima dirigida por Abel Ferrara. Keitel mergulha de corpo e alma em um personagem completamente amoral, que passa seus dias cometendo os mais diversos abusos de poder, criando dívidas de apostas em jogos de baseball e consumindo a maior variedade possível de substâncias ilícitas. Ferrara narra esta jornada de um homem atormentado vivendo em um eterno estado de alteração e que de certa forma busca algum tipo de redenção, encontrada na investigação de um caso de estupro a uma freira. Com uma força avassaladora, Keitel transmite a fúria e a angústia deste ser abominável, que ainda assim é capaz de gerar o mínimo de empatia ao externar seu sofrimento. Uma atuação monstruosa, que tem seu ápice dentro de uma igreja, quando o personagem confronta a fé e seus demônios, resultando em uma das cenas mais emocionalmente dolorosas do cinema da década de 90. – por Leonardo Ribeiro
Com um elenco como esse, era de se esperar que este longa-metragem dirigido por Wayne Wang chamasse a atenção. Com roteiro do próprio cineasta ao lado do escritor Paul Auster, o filme reunia Harvey Keitel, William Hurt, Forest Whitaker, Ashley Judd, Harold Perrineau Jr. e Stockard Channing em uma narrativa com trama múltipla, no qual diversos personagens se ligavam através de uma tabacaria comandada por Auggie Wren (Keitel). Acostumado a viver homens duros, violentos, o ator se mostra muito à vontade ao incorporar um personagem mais leve, embora o ambiente em que viva não necessariamente pedisse essa leveza. Com atuação bastante naturalista, ele acabaria sendo a escolha perfeita para encabeçar a continuação Sem Fôlego (1995), lançada meses depois do original, feito praticamente de improvisos. A sequência, na verdade, tinha inúmeras cenas gravadas durante a filmagem do primeiro longa e aproveitadas naquele mosaico, com novos personagens e uma trama bastante episódica. Por Cortina de Fumaça, Keitel levou o Urso de Prata especial do Júri no Festival de Berlim por sua atuação, enquanto sua parceira de elenco Stockard Channing foi indicada ao Screen Actors Guild como Melhor Atriz Coadjuvante. – por Rodrigo de Oliveira
Na trama, assinada pelo diretor Paolo Sorrentino, conhecemos o maestro aposentado Fred Ballinger (Michael Caine) e o seu amigo, o cineasta veterano Mick Boyle (Harvey Keitel), enquanto ambos estão passando um tempo em um spa na Suíça. O primeiro não quer saber mais de trabalho e passa seus dias contemplando o vazio, conversando com o amigo diretor, trocando uma ideia com o jovem astro de cinema Jimmy Tree (Paul Dano) ou com sua filha Lena (Rachel Weisz). O cineasta, por sua vez, está concebendo sua nova obra com um grupo de jovens roteiristas. O filme está sendo pensado como o testamento do artista, uma obra que sumarizaria tudo o que ele já fez, com pretensões para ser sua obra-prima. Quem protagonizará este tratado em película é a estrela Brenda Morel (Jane Fonda), parceria usual de Mick. O filme tem belos momentos, mas a melhor notícia é rever Harvey Keitel em um personagem interessante. Há tempos ele não ganhava um bom papel e é um luxo poder ver o ator em uma performance tão cativante. A cena que divide com Fonda é uma das mais fortes e memoráveis do filme. – por Rodrigo de Oliveira
+1
Pode parecer estranho que a única indicação ao Oscar de Harvey Keitel tenha caído como um título “+1” na nossa lista. O fato é que este é o único papel realmente coadjuvante do ator neste rol. Na trama, dirigida por Barry Levinson e escrita por James Toback, acompanhamos Benjamin “Bugsy” Siegel (Warren Beatty) na principal empreitada de sua vida. Em viagem à Califórnia, longe dos olhos de sua esposa, Siegel se deleita com mulheres, gasta dinheiro adoidado e sonha em poder viver na capital do cinema. Quando conhece a bela atriz Virginia Hill (Annette Bening), sua vontade de mudança fica ainda maior. O relacionamento dos dois é explosivo – tanto pela paixão quanto pelas brigas – e durante uma viagem ao deserto de Nevada, Ben tem uma ideia maluca, porém genial: construir um cassino hotel, legitimando assim os seus negócios, bem como dos gângsteres com quem trabalha. Visto em perspectiva, Bugsy se revela um veículo para Warren Beatty mostrar versatilidade como ator. Embora tenha esse objetivo, quem chama atenção são os coadjuvantes. Joe Mantegna, Ben Kingsley e, principalmente, Harvey Keitel roubam a cena cada vez que aparecem e mesmo que não ganhem o tempo que merecem para desenvolverem seus personagens, suas participações são inesquecíveis. Keitel, indicado ao Oscar de Coadjuvante, vive o mafioso Mickey Cohen, sujeito perigoso que acaba se associando ao protagonista por interesses mútuos. Com sua aura sempre periculosa, vive mais um grande gangster em sua carreira. – por Rodrigo de Oliveira