Quando se fala no ator que interpretou como ninguém o “homem comum” no cinema norte-americano, qualquer conhecedor mínimo da história apontará James Stewart como tal intérprete. Nascido em 20 de maio de 1908 em Indiana, Pennsylvania, James Maitland Stewart foi um dos principais atores do cinemão hollywoodiano entre os anos de 1930 a 1970. Fez fama como um homem sério e muito correto, tendo trabalhado com virtualmente todos os grandes diretores ativos em sua época – com a parceria com Alfred Hitchcock sendo uma das mais memoráveis. Teve de abandonar por um tempo a carreira de ator para servir a Aeronáutica durante a 2ª Guerra Mundial, de onde saiu condecorado após o conflito. Além dessa honraria, foi vencedor do Oscar de Melhor Ator em 1941, por Núpcias de um Escândalo (1940), depois de ter sido indicado pela primeira vez um ano antes, pelo inesquecível A Mulher faz o Homem (1939). A Academia o indicaria mais três vezes (A Felicidade Não se Compra, 1946; Harvey, 1950; e Anatomia de um Crime, 1959), mas outro prêmio só veio em 1985, com um Oscar honorário pelo conjunto de sua obra. Stewart faleceu em 2 de julho de 1997, aos 89 anos, depois de ter vivido mais de oitenta personagens no cinema e na televisão. Dentre esses incríveis papéis, escolhemos cinco que julgamos imprescindíveis para entender a arte de James Stewart. Achou pouco? Incluímos +1 que também merece um local especial na carreira deste grande ator.
Talvez o maior clássico natalino de todos os tempos, este longa-metragem de Frank Capra ganhou esta aura de programa obrigatório nas festas de final de ano por conta de suas numerosas reprises na televisão norte-americana nesta época. James Stewart interpreta o generoso George Bailey, homem responsável que deixa de lado suas pretensões para ajudar sua família e amigos. Quando um problema financeiro afeta sua empresa e a vida de muitos a sua volta, desespero e depressão tomam de assalto Bailey, que pensa no suicídio. É quando um anjo, batalhando para ganhar suas asas, aparece para aquele desesperado sujeito, mostrando como a vida dos entes queridos de George seria ainda pior sem a sua presença. Stewart cativa como aquele homem que se sacrifica pela família e, por muito pouco, não comete um ato impensado. Um dos personagens inesquecíveis do ator em um filme emocionante na medida certa. Sua mensagem de valorização da vida condiz completamente com o título original deste trabalho de Capra: a vida é maravilhosa, e deve ser aproveitada como tal. – por Rodrigo de Oliveira
James Stewart já havia trabalho com Alfred Hitchcock em Festim Diabólico (1948) e era consagrado também por outros papéis e prêmios. Porém, o seu retrato do fotógrafo enfermo por conta de uma perna quebrada que acaba por espiar a vizinhança numa mistura de tédio e voyeurismo acabou por se tornar uma de suas mais célebres atuações. Mérito não apenas do filme do cineasta, considerado uma de suas obras-primas, ou da química inegavelmente certeira com a bela Grace Kelly, mas do seu próprio trabalho. Tentando ao máximo afastar seu jeito machão e caipira habitual, apesar de um trejeito lá que outro ou do sotaque, o nosso homenageado entrega um personagem que funciona como o próprio espectador da obra na telona. É através dos olhos de Stewart que acompanhamos toda a história e as posições do longa a respeito de quem está sendo espiado. É o legítimo filme que responde como funciona espiar pelo buraco da fechadura e as consequências deste ato. No caso, a descoberta de um crime e ser quase vítima de outro. Um trabalho mais do que exemplar que só reafirmou o ator como um dos grandes de sua época. – por Matheus Bonez
Um dos papéis mais icônicos da carreira de James Stewart veio com esta quarta, e última, colaboração entre o ator e o mestre Alfred Hitchcock. O personagem em questão é John ‘Scottie’ Ferguson, um detetive aposentado de São Francisco – afastado da profissão devido ao seu medo de altura – que retorna ao cotidiano de investigações em um caso particular a pedido de Gavin Elster (Tom Helmore), um antigo colega de faculdade. Gavin desconfia do comportamento estranho de sua esposa, Madeleine (Kim Novak), e incumbe Scottie de vigiá-la, uma missão que levará o protagonista a adentrar uma misteriosa teia de antigos segredos e reviravoltas. Hitchcock conduz o longa com a genialidade habitual, realizando uma de suas maiores obras-primas e proporcionando a Stewart espaço para demonstrar todo o seu talento. Além de apresentar o carisma de sempre, o ator consegue transitar pelas mais diversas emoções para compor a personalidade complexa de Scottie, criando uma transformação gradativa. Da fragilidade advinda de sua fobia, passando pela culpa que carrega pela morte de um policial, e culminando na obsessão mesclada à paixão que passa a nutrir por Madeleine. Uma atuação memorável que encerra em grande estilo uma das mais emblemáticas parcerias ator/diretor da história do cinema. – por Leonardo Ribeiro
Um dos mais icônicos e inesquecíveis dramas de tribunal, o longa adianta no título uma precisão clínica, porém o longa de Otto Preminger é inteligentemente desenvolvido entre ambiguidades e irresoluções, sem jamais revelar seu caso por completo. Cínico e intrigante, o filme gerou grande controvérsia na época de seu lançamento por fazer referências a estupro, ejaculação e roupas íntimas femininas, temas tabus jamais permitidos anteriormente no cinema norte-americano. Preminger, no entanto, não se limitava aos padrões estabelecidos, e apresenta um thriller angustiante mesmo sem apelar para grandes discursos ou mensagens redentoras. O trunfo desta trama permanece com o advogado de defesa Paul Biegler, que jamais parece acreditar na inocência de seu cliente. James Stewart, um ano depois de sua complexa performance em Um Corpo Que Cai (1958), compõe uma figura completamente singular, justificadamente indicado ao Oscar e vencedor da Copa Volpi no Festival de Veneza. Os duelos no tribunal entre Stewart e George C. Scott são excepcionais, pautados na extinção de valores e códigos morais que outrora compuseram o american dream. A trilha sonora embalada pelo jazz de Duke Ellington ainda garante outro dos muitos motivos para se (re)ver este grande filme. – por Conrado Heoli
Nesta obra-prima, o diretor John Ford desenha com muita perspicácia o ocaso de uma figura-chave do velho oeste, o cowboy que resolve tudo no braço, para o qual a valentia se mede por meio da disposição para encarar duelos armados. Ransom Stoddard, interpretado por James Stewart, simboliza um novo pensamento, alinhado com as necessidades de outros tempos, em que a violência seria substituída pelo conhecimento como atributo imprescindível aos líderes. O ator encarna seu personagem em dois momentos distintos. Na velhice, já consagrado, de volta ao lugar em que começou sua carreira de advogado, ele chora a perda de um amigo que lhe proporcionou a fama de ter matado um temido bandido da região. No passado, vemos um Stoddard resistindo aos contratempos, impondo-se entre os brutos, cavando seu espaço, inclusive no coração da mocinha que estava prometida a Tom Doniphon (John Wayne), vaqueiro que lhe é hostil incialmente, mas de quem vira amigo com o passar dos dias, a despeito das diferenças que opõem suas concepções de mundo. Ransom Stoddard é um trabalho notável de James Stewart, ator cuja trajetória é repleta de momentos excepcionais, não raro em colaboração com os principais diretores da Hollywood de ouro. – por Marcelo Müller
+1
Das cinco indicações que recebeu ao longo de sua carreira ao Oscar – sempre como Melhor Ator – o único prêmio recebido por James Stewart foi por esse filme. Um reconhecimento, aliás, que ele próprio recusava – acreditava que esta atuação não estava à altura da honraria, e que o troféu era apenas um pedido de desculpas por ter perdido, no ano anterior, por A Mulher faz o Homem (1939). Além disso, Stewart julgava que dos indicados daquele ano, o mais merecedor seria seu amigo Henry Fonda, por Vinhas da Ira (1940) – e quando observamos que, entre os demais concorrentes, ainda estavam Laurence Olivier, por Rebecca: A Mulher Inesquecível (1940), e, principalmente, Charles Chaplin, por O Grande Ditador (1940), é quase impossível acreditar na sua vitória. Mas, como qualquer observador da Academia bem sabe, é seu costume escrever certo por linhas tortas. Como um jornalista indicado para escrever uma matéria sobre o novo casamento de uma dama da alta sociedade (Katharine Hepburn), num ato de vingança do ex-marido dela (Cary Grant), Stewart foi o último a se juntar ao projeto, mas teve a sorte de pegar o papel mais divertido, dono de falas dinâmicas e altamente envolventes, como era do seu estilo. – por Robledo Milani