Jodie Foster não é apenas uma das mais talentosas atrizes de sua geração ou uma das mais belas veteranas de Hollywood. Intérprete, produtora, diretora. Alcunhas não faltam para descrever esta norte-americana que começou muito cedo na profissão e nunca mais parou. São mais de 40 anos de carreira, mais de cinquenta prêmios e outras cinco dezenas só de indicações. Números que falam por si só. Homossexual assumida, Foster é também símbolo da luta contra o preconceito da comunidade LGBT no meio hollywoodiano e além dele. Para celebrar seu aniversário no dia 19 de novembro, a equipe do Papo de Cinema fez aquela seleção especial de seus cinco melhores filmes – e mais um que merece ser lembrado. Confira!
Por Marcelo Müller
Jodie Foster começou cedo na vida artística, mais precisamente aos três anos de idade, em anúncios comerciais. Um pouco mais tarde, participou de produções para a televisão e de filmes infantis da Disney. Em 1976, porém, fez sua verdadeira (e contundente) estreia no cinema, vivendo a prostituta mirim Iris Steensma, em Taxi Driver, um dos maiores clássicos do cinema norte-americano dos anos 1970, dirigido por Martin Scorsese. Então com 13 anos, Foster abraçou uma personagem complexa, ciente da ruína em que se encontra, resignada em ter de vender o corpo para sobreviver na selva nova-iorquina. Iris já não exibe mais a inocência natural às garotas de sua idade, pois explorada por um cafetão que lhe promete o afeto que talvez não tenha experimentado no seio familiar. Mas a menina não é uma vítima, já está calejada pelo ritmo da vida que leva, pela vibração das ruas cheias de bandidos e tipos estranhos, tais como Travis (Robert De Niro), o motorista de táxi que toma para si a missão de salvá-la. Assim, Jodie Foster mostrava desde muito cedo talento para a concepção de personagens com diversas camadas, que não se aquietam no conforto dos estereótipos.
Por Robledo Milani
Após estrelar um sem-número de produções da Disney no cinema e na televisão – até abertura da Disneylândia ela fez – Jodie Foster se tornou protegida de Martin Scorsese, aparecendo em um pequeno papel em Alice Não Mora Mais Aqui (1974) e, principalmente, em Taxi Driver, atuação que lhe valeu sua primeira indicação ao Oscar, como Coadjuvante. Porém, o reconhecimento total viria, mesmo, mais de dez anos depois, ao aparecer como protagonista ao lado de Kelly McGillis nessa trama sobre uma jovem que é estuprada por um grupo de rapazes em um bar e busca justiça pelo que lhe fizeram. No papel de Sarah Tobias, ela abandona de vez a infância e assume-se como uma das grandes atrizes da sua geração, compondo um tipo de múltiplas facetas. Afinal, ninguém questiona a violência em si, mas como lidar com nossos concepções éticas e moralistas quando a vítima veste-se sem pudores e comporta-se quase como uma prostituta. A penalidade continua valendo ou, como os mais conservadores gostam de afirmar, teria ela “pedido” por isso? Ainda que o filme de Jonathan Kaplan seja mais sobre a luta da advogada (McGillis) do que a jornada trágica da moça abusada (Foster), é essa que, numa interpretação madura e eficiente, capta todas as atenções. E o resultado não poderia ter sido mais claro: sua primeira estatueta de Melhor Atriz, aos 27 anos, e batendo veteranas como Meryl Streep, Glenn Close e Sigourney Weaver!
Por Thomás Boeira
Jodie Foster teve em O Silêncio dos Inocentes um de seus papeis mais importantes. Aqui, a atriz interpretou Clarice Starling, detetive novata que é convocada para ajudar nas investigações dos assassinatos cometidos pelo serial killer Buffalo Bill (Ted Levine). Nisso, ela acaba sendo enviada pelo FBI para tentar pegar informações sobre o perfil do assassino com o renomado psiquiatra e canibal Hannibal Lecter (Anthony Hopkins). Mas para isso, Clarice se vê tendo que revelar muito sobre si mesma. Por mais interessante e envolvente que seja toda a investigação do caso de Buffalo Bill, O Silêncio dos Inocentes encontra seu ponto mais primoroso nos tensos embates entre Clarice e Hannibal, dois personagens absolutamente fascinantes e que marcam um verdadeiro duelo de atuações entre Foster e Hopkins. Se ela usa o lado mais vulnerável e inexperiente de Clarice para torna-la incrivelmente forte e determinada, ele aposta em um jeito calculadamente calmo e cortês que torna o psiquiatra absolutamente assustador. Não à toa ambos foram merecidamente premiados no Oscar por suas excepcionais atuações. No caso de Foster, essa foi sua segunda estatueta.
Por Rodrigo de Oliveira
Jodie Foster já havia ganhado dois Oscars, por Acusados e O Silêncio dos Inocentes, e uma indicação como Atriz Coadjuvante por Taxi Driver. Mas talvez sua atuação mais desafiadora viria depois destes louros. Em Nell, Foster interpreta uma mulher que viveu isolada durante toda a sua vida, sendo protegida por sua mãe dos males do mundo exterior. Nell possui uma forma própria de falar, uma linguagem que se aproxima do inglês, e a atriz mergulha na personagem, enrolando a língua, injetando os olhos, tentando ser compreendida como pode. Contracenando com Liam Neeson e Natasha Richardson – que casaram pouco depois as filmagens – e dirigida por Michael Apted, Jodie Foster apresenta uma das suas performances mais intensas. Por pouco ela não dirigiu o longa-metragem. Quis o destino de Hollywood que Apted surgisse no comando. Desta forma, Foster pode aceitar atuar como a personagem título e receber uma nova indicação ao Oscar e ao Globo de Ouro. Ainda que não tenha levado estes prêmios, foi dela o Screen Actor Guild daquele ano.
Por Yuri Correa
Contato é, apesar de poucos parecerem reconhecer isto, uma obra-prima. Não fosse a trilogia De Volta Para o Futuro, que completa, é uma obra máxima, esse seria o melhor filme de Robert Zemeckis. Baseado no também excelente livro homônimo de Carl Sagan, o filme é estruturalmente perfeito, orquestrando as entradas e saídas de conflitos com maestria, conduzindo os arquétipos com que lida de forma exemplar, tudo para formar uma grande e operística odisseia emocional pelos mistérios do universo. É importante frisar o “emocional”, o contrário da racionalidade que impera filmes de exploração científica que se levam muito a sério – como Contato faz aqui. Afinal, estamos falando de Zemeckis, cria de Steven Spielberg. Logo, seria uma longa-metragem extremamente falho se não pudéssemos nos ancorar na sua história inusitada, o que nos leva a Jodie Foster como a protagonista Ellie, em quem roteiro e direção depositam seu bom trabalho com toda a confiança. E fazem certo. Foster, como já demonstrara em O Silêncio dos Inocentes, é capaz ser a mulher forte, pragmática e inteligente exigida por situações normalmente lideradas por homens. Mas faz isso dentro dos limites humanos, e sua comoção ao discursar em sua própria defesa ao fim é tocante por acreditarmos não na atriz, mas realmente em Ellie.
Por Matheus Bonez
Apesar do alto orçamento e da história interessante, este filme não é dos mais lembrados da carreira de Jodie Foster. Uma grande injustiça, pois esta terceira versão da história real para o cinema talvez seja a mais profunda de todas, ainda que seja contada de forma tradicional. Foster, belíssima e com um forte sotaque britânico, é Anna Leonowens, inglesa recém viúva que chega a Bangkok, capital do Sião, em 1862, para ser a professora dos 60 filhos do Rei Mongkut (Chow Yun-Fat). Entre o feminismo latente perante ao machismo de um império, Anna se destaca como mais uma personagem forte interpretada pela nossa homenageada, tão conhecida por saber escolher papeis tão densos quanto sua personalidade fora das telas. Além de mais uma excepcional atuação em seu currículo, este épico foi indicado, merecidamente, nas categorias de Figurino e Direção de Arte do Oscar na época.