20180313 o cineasta e ator jose mojica marins o ze do caixao em cena do filme ritual dos sadicos 1970

José Mojica Marins é um dos mestres do cinema de gênero no Brasil, embora tenha demorado para ser reconhecido como tal. Cineasta, roteirista, ator, produtor. Talentoso em tantas áreas, escolheu trilhar o caminho do cinema de horror, um gênero que é visto de forma torpe como algo menor. Mojica mostraria a todos que com criatividade, astúcia e medo algum de ousar, seria possível construir uma carreira sólida, que conseguiria inclusive extrapolar fronteiras e chegar a outros territórios. Basta lembrarmos que seu personagem mais famoso, Zé do Caixão, é conhecido em outras paragens como Coffin Joe.

O artista nasceu em São Paulo, em 13 de março de 1936, e já muito jovem entrou de cabeça na realização cinematográfica. Seu primeiro longa vivendo o clássico personagem, À Meia-Noite Levarei sua Alma (1964), é tido hoje como um dos principais filmes do gênero horror de todos os tempos. Embora tenha ficado marcado como diretor de terror, passeou por outros gêneros como faroeste, pornochanchada, aventuras e dramas. Mas foi como Zé do Caixão que entrou no imaginário dos cinéfilos do mundo todo. Em 2016, Mojica completou 80 anos e recebeu diversas homenagens em vários cantos do Brasil. No Festival de Cinema de Gramado, foi o escolhido para receber o prestigioso troféu Eduardo Abelin, entregue apenas para grandes realizadores. Homenagem mais do que justa para José Mojica Marins. Aqui no Papo de Cinema, aproveitamos a deixa para escolher seus cinco principais filmes – e mais um, que deve ser resgatado!

 

74 - capaÀ Meia-Noite Levarei sua Alma (1964)
Um verdadeiro clássico do cinema brasileiro. Primeira aparição do icônico Zé do Caixão, personagem que se confunde com seu pai, José Mojica Marins. Criador e criatura quase indiscerníveis. Neste longa-metragem lançado em 1964, um agente funerário amedronta a pequena cidade onde mora, profanando a fé alheia, chegando até mesmo a estuprar uma mulher e a matá-la impiedosamente. Ele quer ter um filho, assim perpetuando a sua existência, de certa maneira vencendo a morte. A originalidade não é a única das qualidades deste filme de terror. A maquiagem e a cenografia são fruto da criatividade de Mojica que, assim, dribla a precariedade. Também é mérito do cineasta o dinamismo da encenação, fruto da relação estabelecida entre a movimentação dos personagens – sobretudo a do lúgubre Zé do Caixão – e o comportamento da câmera que não se furta de registrar momentos tão macabros quanto extremos. Centrado num protagonista carismático, a despeito de suas ações odiosas, tais como as supracitadas e as constantes humilhações dos moradores locais, este longa-metragem se instaura num panteão restrito, reservado às grandes obras. José Mojica Marins, sem dúvida, merece figurar entre os nossos maiores realizadores, por ser aquele que levou, de fato, o terror brasileiro a um patamar de excelência. – por Marcelo Müller

 

esta-noite-encarnarei-no-teu-cadaverEsta Noite Encarnarei no teu Cadáver (1967)
Segundo episódio da trilogia iniciada em À Meia-Noite Levarei Sua Alma, este longa-metragem pode não ser um trabalho tão triunfal quanto o original, mas tem diversos predicados que o colocam como um dos clássicos no gênero, não só no país, como no mundo. O filme anterior investia mais na atmosfera macabra, enquanto este escolhe dar prioridade para as mortes “elaboradas”. Visto hoje em dia, talvez possa ter pedido seu frescor sádico – ainda mais depois de tantos títulos de “tortura-pornô” que chegaram aos cinemas ao longo dos anos. Por ser um dos precursores, Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver ganha ainda mais valor para os fãs do gênero. Entre seus momentos brilhantes, a troca do preto e branco para o colorido, no delírio infernal de Zé durante um pesadelo mostra a inventividade do grande José Mojica Marins. Na trama, Zé do Caixão continua à procura de sua parceira ideal, para gerar o filho que continuará seu legado no mundo. Para escolher, ele rapta seis moças e as submete a diversas torturas até encontrar o seu par perfeito. – por Rodrigo de Oliveira

 

ritual2Ritual dos Sádicos (1970)
Também conhecido como O Despertar da Besta, este falso documentário lançado em 1970 mostra, entre outras coisas, a convivência de José Mojica Marins com seu personagem mais famoso, o Zé do Caixão. A primeira parte, filmada em preto-e-branco, apresenta um psiquiatra alegando ter realizado experimentos com LSD para provar que perversões sexuais estão estritamente ligadas ao uso de drogas ilícitas. Para tanto, utilizou quatro cobaias. As pretensas provas vêm por meio de uma série de depoimentos filmados, que dão conta de atos obscenos, quando não bizarros. Nessa parte, Marins aparece como ele mesmo, atribuindo para si a função de especialista em depravação. A experiência muda radicalmente, inclusive no que tange à imagem do longa-metragem – pois aparecem as cores antes faltantes – quando os voluntários são submetidos a uma injeção e à contemplação do cartaz de O Estranho Mundo do Zé do Caixão (1968). Zé do Caixão então aparece nos delírios e nas viagens psicodélicas das pessoas. Considerado uma das mais contundentes e controversas realizações de José Mojica Marins, este filme foi vetado pela censura, mesmo após inúmeros cortes que visavam liberá-lo para exibição nas salas de cinema. Ganhou o carimbo de maldito, só chegando as telas anos mais tarde. – por Marcelo Müller

 

finis-hominis-o-fim-do-homem_t11987_jpg_290x478_upscale_q90Finis Hominis (1971)
José Mojica Marins já havia dirigido alguns dos maiores clássicos de sua carreira – e até mesmo se aventurado por outros gêneros, como a pornochanchada – quando decidiu investir num suspense mais psicológico e menos explícito, como o que aqui presenciamos. Em cena, temos um homem nu, que vem sabe-se lá de onde e com objetivos desconhecidos. No seu caminho, as mulheres que encontra terminam invariavelmente em seus braços, ao mesmo tempo em que se torna objeto de admiração e respeito dos demais homens. Mojica brinca até de Zé do Caixão, investigando possíveis origens paranormais do personagem, mas no fundo estes são apenas elementos que contribuem para uma crítica à moral e aos bons costumes tão em voga durante o período da Ditadura Militar no Brasil. É uma sátira contundente ao quão frágil pode ser a opinião popular e como essa pode ser iludida diante de qualquer tipo de novidade. Mais do que uma presença folclórica, Mojica mostra aqui seu talento maior como cineasta e contador de histórias, partindo de uma figura completamente absurda para traçar um paralelo justo e atual – ao menos para a época em que foi feito, cerca de cinquenta anos atrás – da realidade que via, muito mais perturbadora do que se poderia imaginar. – por Robledo Milani

 

poster-a3-do-filme-encarnaco-do-demnio-966301-mlb20320127345_062015-fEncarnação do Demônio (2008)
Foram necessários 42 anos para que José Mojica Marins finalizasse a trilogia estrelada pelo personagem Zé do Caixão. A espera foi recompensada com este trabalho concebido com o apoio de pessoas como o roteirista Dennison Ramalho e o montador Paulo Sacramento, e que marcou também o retorno de um longa de Mojica às telas brasileiras após duas décadas. A trama dá continuidade à saga do demoníaco coveiro que, libertado da prisão depois de quatro décadas, segue em busca da mulher perfeita para gerar seu filho. Contando pela primeira vez na carreira com um orçamento generoso, o cineasta se aproveita de tais recursos para realizar um filme repleto de sequências de violência gráfica e visualmente deslumbrantes – como a cena de sexo no terreiro que termina em uma chuva de sangue ou a descida ao purgatório guiada por uma figura vivida pelo ícone do teatro Zé Celso. O elenco, aliás, é outro destaque da produção, com nomes como Jece Valadão, Adriano Stuart, Milhem Cortaz, Helena Ignez e Cristina Aché. Uma obra única, não só dentro da esfera do terror, mas do cinema nacional de modo geral, que prova que o talento natural e a ousadia de Mojica permanecem intactos como suas longas unhas. – por Leonardo Ribeiro

 

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A Virgem e o Machão (1974)
José Mojica Marins, não se sabe se por galhofa ou por vergonha, assinou este título com o pseudônimo J. Avelar, recurso que voltaria a empregar em Como Consolar Viúvas (1976). Na ativa desde o início dos anos 1950, o ator, diretor e roteirista já havia realizado alguns dos clássicos do seu repertório, como À Meia Noite Levarei sua Alma (1964) e Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver (1967). Porém, acabou enfrentando falta de investimentos e dificuldade em manter sua concepção autoral, se vendo obrigado a entregar longas como Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro (1972). Dentro dessa linha, investir na pornochanchada pode ter lhe parecido uma aposta ousada, ainda que certeira. A trama básica não poderia ser mais simples: um galã metido a conquistador chega a uma pequena cidade do interior e começa a tocar o terror em todos os homens da região, pois nenhuma mulher consegue escapar ilesa das suas investidas. Isso até ele se deparar com uma moça pura que quer apenas uma coisa: compromisso. Como ele, ainda que apaixonado, segue afirmando estar atrás apenas de sexo, ela decide se vingar, expondo as artimanhas dele a todos os maridos traídos. Se por um lado a fórmula padrão se repete, por outro há uma tímida inversão de valores que resgata o filme da vala comum da época: o Machão até pode acreditar estar no comando do jogo, mas o que logo se percebe é que são elas que estão dando as cartas por ali. – por Robledo Milani

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