No próximo dia 09 de março irá completar 49 anos uma das maiores atrizes do cinema francês e – por que não? – de todo o planeta! Juliette Binoche nasceu em Paris, e mesmo do alto dos seus 1,68m de altura conquistou a Europa, Hollywood e todo o mundo como uma das intérpretes mais completas, versáteis e admiradas a já ter aparecido na tela grande. Filha de uma atriz e de um escultor, foi com apenas 23 anos de idade que chamou atenção pela primeira vez no comovente A Insustentável Leveza do Ser (1988), de Philip Kaufman. Desde então tem trabalhado com diretores como Louis Malle, Leos Carax, Krzysztof Kieslowski, Michael Haneke, David Cronenberg, Abbas Kiarostami, Amos Gitai e Lasse Hallström, esnobou Steven Spielberg, teve discussões calorosas e amigáveis com os ex-presidentes François Miterrand e Bill Clinton, apoiou o esquerdista José Bové em sua campanha à presidência da França, admira Nelson Mandela e é admirada por Gael Garcia Bernal, entre tantos outros. Foi a primeira atriz a ganhar a ‘tripla coroa’ dos festivais europeus: Veneza, por A Liberdade é Azul (1993), Cannes, por Cópia Fiel (2010) e Berlim, por O Paciente Inglês (1993). Por este último levou também para casa o Oscar, derrotando a lenda hollywoodiana Lauren Bacall! E é por tudo isso, e muito mais, que o Papo de Cinema presta essa homenagem, apontando aqui os cinco melhores trabalhos dessa atriz completa – além de um, é claro, que merece ser descoberto. Confira!
Juliette Binoche não era conhecida no mundo antes de A Insustentável Leveza do Ser, filme de 1988 dirigido por Philip Kaufman e adaptado do livro homônimo de Milan Kundera. Em um período situado após a Primavera de Praga, nos anos 1960, personagens que exalam sexualidade se fundem ao cenário de instabilidade política da antiga Tchecoslováquia, espelhando os problemas do país através de suas personalidades inconstantes. É neste contexto que um jovem cirurgião alienado do mundo (Daniel Day-Lewis, também em ascensão na época) está em busca do prazer constante com a filosofia de nunca se apegar a ninguém. Isto até conhecer Tereza, vivida por Juliette, que ilumina o filme com sua ingenuidade e seu amor pelo personagem que sofre da síndrome do desapego. A cada tomada em que aparece, a francesa toma conta da tela, seja por sugestão do diretor ou pela própria presença ofuscante da atriz, que não só mostrava sua beleza além da França como também revelava uma faceta intrigante que mescla uma inteligência profunda e melancólica com um olhar esperançoso. A fotografia do filme ajuda nesta percepção, contrastando a leveza – através de cores quentes – com o peso, a insustentabilidade do título, na frieza, na palidez, na opacidade. Uma alegoria à própria Binoche filmada tão bela e calorosa quanto triste e depressiva.
É difícil ser protagonista de um filme de Leos Carax e não perder algo de si, ou melhor, é sempre desejável que a intérprete perca algo de si pelo caminho, mas não tudo: seja um pouco de sua voz, de seu suor, mas não sua essência – as boas representações são formas materiais do espírito. Juliette Binoche conseguiu, primeiro em Sangue Ruim (1986), depois em Os Amantes da Pont-Neuf, sustentar sua própria identidade corporal e conjugá-la às narrativas metafísicas de Carax. Não é pouco, haja vista a dificuldade das atividades das personagens. No segundo, Juliette é uma moradora de rua, faz arte, arte de rua, sofisticada, mas que não deixa espaço para o espectador. Seus trabalhos servem antes para comunicar um gesto (palavra fundamental no cinema deste diretor) com o personagem de Denis Lavant do que para dar um símbolo a mais para desvendarmos. A incomunicabilidade que a arte e o espectador muitas vezes criam entre si é extrapolada pelas forças estéticas dos corpos dos atores, num filme que é essencialmente sobre movimentos, espaços, mudanças, resistências, cores, visões…
Azul é a cor fria, triste e melancólica que cobre os dias de Julie quando ela perde marido e filha num acidente de carro e se isola de tudo e todos após a terrível experiência. Seguido por A Igualdade é Branca (1994) e A Fraternidade é Vermelha (1994), A Liberdade é Azul é o primeiro filme da trilogia das cores do polonês Krzysztof Kieslowski, concebida a partir dos ideais da revolução francesa e das cores de sua bandeira. Juliette Binoche, que interpreta magnificamente as várias nuances de sua personagem, tem em A Liberdade é Azul um de seus mais importantes papeis. A atriz retrata de forma inesquecível a complexidade dos sentimentos de Julie, que personifica o tema do filme com sua busca pela independência emocional. O que ela encontra, no entanto, é a impossibilidade de se isolar de conexões humanas, ainda que, ao se reaproximar dos outros, ela perca a liberdade conquistada com a solidão. Kieslowski, que em pleno apogeu declarou estar cansado de fazer cinema, ficou conhecido por apresentar dramas humanos com realismo louvável e dotados de emoções genuínas, como poucos retratistas do contemporâneo souberam fazer no cinema. Bleu é uma alegoria política sutil, que desafia os sentidos e os deslumbra com a maestria estética e plástica de Kieslowski, aqui iluminado por mais uma brilhante composição de La Binoche.
Para um ator, é comum dividir a tela com outras estrelas. Contracenando com outros, é sua obrigação estar pronto para dar vida aos seus personagens e infundir-lhes com emoções que transpareçam sua história, suas intenções, seus subtextos. Porém, no cinema, poucos atores estão preparados para se confrontar com um elemento a mais: o público. E Binoche faz isso com maestria em Caché. Sua dedicação ao estudo do roteiro permite uma cuidadosa composição da personagem, criando uma Anne que, como o filme, é enigmática, mas traz pistas por todos os lados do que realmente está acontecendo, abrindo um canal de comunicação tácito com o espectador. Uma Anne que observa ao mesmo tempo em que é observada e, com seu observador, compartilha o sentimento de medo e tensão que compõe este emblemático thriller, dirigido com precisão pelo sempre excelente Michael Haneke.
Não há verdades absolutas em Cópia Fiel. Aliás, a pureza da verdade é totalmente relativizada neste primeiro filme de Abbas Kiarostami fora do convulsionado território iraniano. Seriam os protagonistas, James e Elle, casal remoendo antigas mágoas ou desconhecidos levados à encenação? O homem que palestra sobre a cópia das obras artísticas, inclusive colocando em xeque a valoração pela originalidade, é mesmo estranho à bela mulher curiosa acerca de seus estudos? Para além de qualquer efeito puro e simples, o embaralhamento causado pelo câmbio das relações remete totalmente à dialética estabelecida anteriormente sobre arte. É como se ao mudar a natureza do relacionamento o diretor reforçasse a tese de que, uma vez aceito, pouco importa ser real ou artificial aquele íntimo colóquio. Juliette Binoche e William Shimell passeiam nos cenários bucólicos da Toscana, ora ligados pela via do intelecto ora por meio de desventuras sentimentais. Arte e amor não deveriam mesmo obedecer a lógicas cartesianas, pois são elementos pessoais e quase intransferíveis. Kiarostami sabe disso, e os abriga num filme alheio a lógicas e outras prisões.
+1
Considerado um filme mediano por boa parte da crítica, o que vem a ser uma lástima, Invasão de Domicílio é aquela produção que merece ser redescoberta pelas ótimas atuações e por sua trama melodramática. Último filme dirigido por Anthony Minghella, com quem Juliette Binoche já havia trabalhado em O Paciente Inglês (1996), conta a história de Will (Jude Law) um arquiteto que abre um escritório em Kings Cross, bairro barra pesada de Londres, e que logo no dia de sua inauguração é roubado. Os furtos continuam e, decidido a interrompê-los, Will passa a fazer plantão no prédio para tentar capturar os ladrões. Descobre que são jovens e, seguindo um deles, encontra um garoto imigrante sérvio e em dificuldades. Disposto a recuperar o computador roubado e também ajudar o rapaz, o arquiteto começa a se aproximar da família do garoto através de sua mãe, Amira, que é costureira e interpretada por Binoche. É quando os dois começam também um envolvimento romântico que poderá colocar tudo abaixo. O filme traz uma grande química entre a atriz e ator inglês. Binoche entrega uma belíssima performance de uma mulher solitária e longe de sua terra natal, vivendo em um ambiente em que tem de se adaptar com seus costumes e cultura sem, em momento algum, se ver como uma vítima fragilizada.