Marco Ricca pode ser conhecido hoje como um dos grandes nomes da atuação brasileira, mas este paulista não começou tão cedo na profissão. Muito pelo contrário. Formado em História pela PUC-SP, durante seis anos foi professor da disciplina. Porém, a paixão pelo teatro amador, onde já atuava desde a adolescência, foi batendo mais forte ao longo do anos. A mudança de carreira foi emblemática: ao substituir um ator em uma peça de Plínio Marcos, seu mentor, ele nunca mais largou os palcos. Daí foi apenas um pulo para o cinema e a televisão, de onde também não saiu mais. Em 25 anos de carreira, ganhou diversos prêmios. Só no cinema, coleciona estatuetas dos festivais de Gramado, de Recife e de Miami, além do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Com um currículo tão invejável e seu aniversário no dia 28 de novembro, a equipe do Papo de Cinema celebra este excepcional ator e diretor com a escolha de seus cinco melhores trabalhos na telona e mais um que merece destaque. Confira!
Neste filme dirigido por Beto Brant, baseado num livro de Marçal Aquino, Marco Ricca interpreta um dos amigos em atrito pesado por conta de divergências na condução da construtora que eles administram. Acuado pelo sócio majoritário, seu conhecido desde os tempos da faculdade, que ameaça abandonar o barco, o personagem de Ricca, junto do de Alexandre Borges, decide radicalizar, contratando o matador de aluguel vivido por Paulo Miklos para resolver as coisas de maneira nada ortodoxa. A determinação inicial de sujar as mãos em virtude de um “bem maior” é permeada por várias questões, sendo a principal delas o medo de transpor a linha tênue que separa defesa territorial de crime. Ricca expressa esse peso constante, construindo uma figura atormentada por decisões não justificadas quando submetidas ao bom senso. Toda ação tem uma reação, e isso – matar o camarada para resguardar o império financeiro – ganha contornos ainda mais dramáticos a partir do momento em que o assassino escolhido para a tarefa começa a impor suas regras. Marco Ricca apresenta aqui um trabalho muito consistente, mostrando um homem em litígio com as próprias escolhas, que precisa arcar com o peso inevitável das consequências. – por Marcelo Müller
Construído de forma bastante autoral, essa adaptação do romance homônimo de Sergio Sant’Anna ganha muitos pontos com a presença justamente de Marco Ricca como protagonista. Ele aparece como um crítico teatral que se apaixona por uma atriz dotada de uma beleza muito particular. Porém, tomado de ciúmes por um antigo namorado dela, vai ao seu encontro enfurecido. Após uma discussão, os dois tem uma noite de sexo selvagem, apenas para no dia seguinte ele acordar e descobrir que ela o denunciou à polícia como se tivesse sido vítima de estupro. Ainda assim, o que está em discussão não é a verdade dos fatos, e sim a natureza da arte que os rodeia por todos os lados. Como esse teórico vivendo um momento de crise, Ricca compõe um dos seus personagens mais interessantes, rico em contradições e profundo em seus dilemas. Preso pelos próprios conceitos e em conflito entre razão e sentimento, é o retrato de um universo afogado em teorias que não sabe como agir ao se deparar com a prática, e uma crítica em que o próprio objeto de culto e admiração se volta contra os seus espectadores, com o ator servindo a este propósito de modo exemplar. – por Robledo Milani
Iniciando uma parceria com a diretora Lina Chamie, que se repetiria em Os Amigos (2013), Marco Ricca estrelou, e também produziu, este segundo trabalho da premiada cineasta. Na trama, o ator interpreta Heitor, um escritor e professor de literatura que vive um relacionamento longo com Júlia (Alice Braga), uma jovem atriz que largou o teatro para se tornar veterinária. Após uma discussão ao telefone, iniciada por um assunto trivial, mas que resulta no término da relação por parte de Júlia, Heitor parte ao encontro de sua amada, dando início a uma verdadeira odisseia pelo caos do trânsito das ruas de São Paulo. Confirmando sua predileção por retratar o ambiente urbano paulistano, Chamie utiliza uma narrativa fragmentada, que mistura música, poesia, sonhos e pesadelos para tratar de solidão, desilusão e da incomunicabilidade das relações contemporâneas nas grandes metrópoles. Liderando esta jornada, real e metafórica, Ricca apresenta um trabalho de grande entrega, fazendo de Heitor uma figura que transita entre a timidez e a passionalidade, em sua busca desesperada por um amor duradouro. Seja divagando sozinho ou nos belos momentos de intimidade ao lado da também ótima Alice Braga, Marco Ricca tem aqui um papel que comprova toda a sua versatilidade. – por Leonardo Ribeiro
O título é no plural, e a primeira impressão é de uma reunião de antigos conhecidos, reunidos por algum motivo em comum. Essa razão até existe, porém o foco é o personagem de Théo, vivido por Marco Ricca. Da mesma forma como Tom Hanks, em Hollywood, Ricca é daquele tipo de ator que dispende de muitos adereços e distrações para criar tipos completamente únicos, porém invariavelmente dotados de uma incrível universalidades. São pessoas comuns, que poderiam ser nossos vizinhos ou colegas de trabalho, porém vivendo situações extraordinárias. A daqui é um momento pelo qual ninguém quer passar: o funeral do melhor amigo de infância. Motivado por esse resgate memorialista, acaba se deparando no decorrer de um único dia com vários outros companheiros, cada um com sua devida importância. Caio Blat, Alice Braga, Rodrigo Lombardi, Fernando Alves Pinto e Sandra Corveloni são alguns dos que cruzam seu caminho, mas nenhum possui tamanho impacto como Dira Paes, aquela que se constrói nos olhos do nosso protagonista e por quem torcemos e nos identificamos. Iguais a todos nós, porém com suas particularidades que os tornam tão especiais. E somente um intérprete desprovido de vaidades poderia colaborar de forma decisiva na construção deste conto emocional da diretor Lina Chamie. – por Robledo Milani
Guilherme Fontes enfim tirou seu filme da gaveta, e a espera valeu a pena. Um dos grandes méritos desta adaptação do best seller de Fernando Morais é a interpretação desbragada de Marco Ricca, ele que vive o magnata das comunicações julgado em frente às câmeras de televisão, exposto à audiência que sempre almejou. Assis Chateaubriand não se furta a usar toda influência de seu império, os Diários Associados, para conseguir o desejado, seja a mulher amada ou mesmo a eleição do presidente da república. Em meio à inteligência do roteiro que evita caminhos óbvios para dar conta de uma trajetória tão estrambólica quanto fascinante, Ricca se sobressai por dar corpo e voz com muita propriedade ao furacão Chateaubriand, um homem capaz de denegrir publicamente os patrocinadores que ameaçassem deixa-lo, de estampar denúncias infundadas nas páginas de seu jornal, apenas para atacar possíveis rivais amorosos, e de vociferar contra autoridades e a burguesia em jantares oficiais cheios de pompa e circunstância. A comparação com Charles Foster Kane, protagonista de Cidadão Kane (1942), de Orson Welles, não é despropositada. O Chatô de Marco Ricca é o nosso Kane tupiniquim, descendente de ameríndios, irreverente, por vezes grosseiro, mas sempre hiperbólico. – por Marcelo Müller
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Em sua estreia na direção, o ator Marco Ricca mostrou que tem jeito com a câmera. Com planos e enquadramentos bem interessantes – que surpreendem logo nos primeiros minutos, em uma cena de assassinato contada em poucos cortes – o novato cineasta escolhe uma história dura para seu debut e se sai muito bem na maior parte do tempo. A história é baseada na obra de Marçal Aquino e traz Miro (Fúlvio Stefanini), um pecuarista poderoso no Centro-Oeste que opera negócios bastante escusos e que tem a família sempre em primeiro lugar. Mal sabe ele que sua filha, Elaine (Alice Braga), está tendo um caso com seu empregado. Ou que Abílio (Otávio Müller), seu irmão, está de olho nos negócios da família. Apostando em uma narrativa que vai dando espaço para cada núcleo de forma paralela, o diretor tece sua trama sem pressa, desenvolvendo seus personagens e apresentando ao espectador todo o lamaçal que cada um deles se mete. Aqui cabe um destaque para os capangas Brito (Eduardo Moscovis) e Albano (Cássio Gabus Mendes), dupla bastante inusitada. O final bombástico perdoa o segundo ato com problemas de ritmo, uma pequena aresta a ser aparada neste belo filme de estreia de Ricca como diretor. – por Rodrigo de Oliveira