Meryl Streep não é apenas a recordista de indicações ao Oscar (19) e ao Globo de Ouro (29). Aliás, seria injusto reduzi-la aos “principais” prêmios da indústria cinematográfica. Em quase 40 anos de carreira foram 77 papéis no cinema e na televisão pelos quais foi premiada 164 vezes e lembrada outras 321. Números que até podem parecer altos, mas representam apenas uma parcela do poder de atuação desta norte-americana dona de uma beleza exótica.
A intérprete é, provavelmente, a atriz mais completa não apenas desta como de praticamente de todas gerações. Ora, apesar de seus conhecidos papéis dramáticos e intensos, ela também marca o público por ser jovial e cantar de verdade (Mamma Mia!, 2008), como a insuportável editora da maior revista de moda do mundo (O Diabo Veste Prada, 2006), virar objeto de desejo em comédias românticas (como em Simplesmente Complicado, 2009) e ainda humanizar a temida Margaret Thatcher (A Dama de Ferro, 2011) – papel que, por sinal, lhe rendeu sua terceira – e mais do que merecida – estatueta dourada.
No dia 22 de junho é dia de festa para Meryl. E para celebrar o aniversário de uma das melhores atrizes vivas de Hollywood, a equipe do Papo de Cinema escolheu seus cinco melhores filmes – e mais aquele que merece ser redescoberto. Tarefa que não foi fácil, como se pode imaginar.
Existe aquele ditado: “Em alguns momentos precisamos fazer algo ruim, mas que nos impede de fazer algo pior”, e em Kramer vs. Kramer a personagem de Meryl Streep, Joanna, faz uso da frase. Insatisfeita e sufocada pelo ambiente familiar, ela decide de uma vez por todas dar um fim a isso e iniciar um novo caminho em sua vida. Abandona o filho e o marido para se tornar a mulher independente e articulada que tanto queria. Apesar de não ser focado na personagem de Streep, o filme de Robert Benton é um lindo retrato sobre gênero e a mulher que dita seu espaço. Sem dúvida, Meryl, apesar de bem jovem na época, confere maturidade e força para todos os assuntos de expansão feminina e a cobrança própria de sua personagem. Uma das suas três estatuetas do Oscar é por esta performance, uma das mais dolorosas e também sutis de sua carreira.
Dona de dezenove indicações ao Oscar – recordista absoluta em toda a história da premiação – e vencedora de três estatuetas – a única atriz viva dona deste feito – Meryl Streep poderia definir toda sua carreira em A Escolha de Sofia. Mais do que um filme, esta obra se tornou uma expressão, um jargão usado popularmente – por muitos, inclusive, que nem a viram, mas entendem a que se refere. E a despeito do bom trabalho dos coadjuvantes – Peter MacNicol, como o observador, e Kevin Kline, ainda um jovem rebelde em sua estreia cinematográfica – e da direção segura – porém nada ousada – de Alan J. Pakula, a força deste trabalho está no roteiro bem elaborado (que rendeu uma indicação ao Oscar para o mesmo Pakula) e, acima de tudo, ao soberbo trabalho de Streep, que aqui aparece como a mãe polonesa responsável pela decisão mais difícil já levada às telas. Ao mesmo tempo em que não é fácil se imaginar no lugar dela, qualquer um consegue se identificar com aquela dor e desespero enfrentado. Mérito da atriz, que passa o filme inteiro no limiar entre a razão e a loucura, buscando forças sei lá de onde para seguir adiante. Tantos outros trabalhos memoráveis Meryl entregou depois, mas nenhum capaz de eclipsar esta verdadeira aula de interpretação.
Logo após seu primeiro Oscar pelo desafiador A Escolha de Sofia (1982), Meryl Streep protagonizou o igualmente difícil Silkwood: O Retrato de uma Coragem, de Mike Nichols. O drama biográfico apresenta a história de uma mulher comum, dedicada em sua profissão como metalúrgica numa usina de plutônio, que promove a ira de seus superiores quando expõe as constantes violações de segurança da fábrica. Como Karen Silkwood, Streep corrobora com as intenções de Nichols ao transformar o filme numa história humana e complexa, longe do que seria apenas outro suspense sobre uma conspiração. Roteirizado por Nora Ephron e Alice Arlen, que compreenderam a delicadeza temática do material que tinham em mãos, cada momento de Silkwood é pautado numa tensão crescente. Assim como Cher e Kurt Russell, Meryl Streep entrega uma interpretação singular, passível de modificar o papel tradicional do espectador para o de uma testemunha. Especialista em retratar personalidades fortes e preencher suas personificações com múltiplas nuances, Streep fez escola e influenciou outras atrizes com este papel, como Julia Roberts em Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento (2000) e Charlize Theron em Terra Fria (2005). Ainda que o filme pareça um pouco datado nos dias de hoje, vale uma revisita para conferir a atriz em outro excepcional momento.
Dirigido por Hector Babenco, Ironweed é a adaptação às telas do romance homônimo que rendeu o Prêmio Pulitzer ao escritor William Kennedy em 1984. Estamos nos EUA da desilusão, onde dois alcoólatras, Francis Phelan e Helen Archer, vivem entre reminiscências, delírios e crua rotina dos desvalidos. O amor (afeição, carinho) entre ambos está ancorado no desespero, como se agarrados sofressem menos e conseguissem potencializar fantasias que diminuem a dor de viver quase exclusivamente de bar em bar. Ele tenta reagir, se reconstruindo aos poucos para dar alento a ela, cuja esquizofrenia já não parece oferecer escapatória. Jack Nicholson desempenha papel formidável, mas como o assunto aqui é Meryl Streep, atriz de carreira brilhante para além de suas expressivas 17 nominações ao prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, dá para cravar sem medo: Helen é uma de suas personagens mais profundas e interessantes.
A sensibilidade dramática, expressa mais por silêncios, olhares e expressões faciais do que propriamente por texto, é a chave da interpretação de Meryl Streep nesta comédia dramática de Spike Jonze. Vivendo a escritora Susan Orlean, Meryl representa uma jornalista da revista New Yorker casada, bem-sucedida, dona de vários bens, mas sem brilho e sem emoção. Porém, ao desenvolver uma pauta sobre John Laroche (Chris Cooper), um fornecedor ilegal de orquídeas raras, Susan redescobre a paixão e a beleza que tinha e que estava hermeticamente internalizada há muito tempo, a ponto de não mais ser encontrada. Adaptação tem como pilar principal a metalinguagem. É um filme sobre a crise criativa do roteirista do próprio longa, Charlie Kaufman (Nicolas Cage), que precisa adaptar para o cinema o romance The Orchid Thief, livro de Susan que, por sua vez, teve como ponto de partida a reportagem para a revista nova-iorquina. Charlie, autor de Quero Ser John Malkovich (1999), quer fugir de roteiros óbvios, mas sem conseguir desenvolver algo original recorre justamente à ajuda de seu irmão, o simplório aspirante a roteirista Donald, e ao guru de Hollywood Robert Mckee. Em atuação paralela, Meryl e Cage dão show de interpretação
+ 1
De tantos grandes papéis, personagens magistrais e performances dignas de louros, escolher um filme entre tantos de Meryl Streep sempre será tarefa ingrata. Portanto, resolvi escolher um low profile, um trabalho que não esteja sempre na cabeça de todos e, portanto, mereceria uma atenção especial dos cinéfilos. E este filme é Um Visto para o Céu. A produção dirigida e estrelada por Albert Brooks é uma comédia deliciosa e emocionante sobre Daniel, um sujeito que morre em um acidente de carro e parte desta para uma melhor. Ou quase. No “purgatório”, onde é julgado por suas ações, descobre que o que o separa de um pós-vida satisfatório são os medos que carrega do seu tempo na Terra. Eis que surge em cena a bela Julia, vivida por Streep. Seu jeito de ser, sua aparente falta de medos e sua doçura acabam por conquistar Daniel – e a todos nós, espectadores. A Julia de Meryl Streep é a figura que transforma o protagonista e o desfecho emocionante envolvendo dois trens que se moviam em caminhos opostos fecha com beleza sobrenatural esta bela comédia, infelizmente pouco vista. Descubra Um Visto para o Céu e acredite no amor após a morte.