Nascido no dia 23 de março de 1942 em Munique, Michael Haneke é um dos cineastas alemães de maior repercussão e respeito internacional atualmente. Considerado uma surpresa entre os lembrados pelo Oscar 2013, quando recebeu, pelo intenso Amor (2012), suas primeiras indicações à maior festa do cinema mundial, nas categorias de Direção e de Roteiro Original, Haneke é, no entanto, um habitué em festivais e premiações por todo o mundo – ou seja, surpreendente mesmo foram os Estados Unidos terem demorado tanto para reconhecer sua importância. Premiado na Argentina (Filme Estrangeiro para A Fita Branca, 2009, pela Academia de Cinema Argentino), Noruega (Filme Estrangeiro para A Fita Branca, no Amanda Awards), Inglaterra (Filme em Língua não-inglesa, para Amor, 2012, no BAFTA), França (cinco de seus trabalhos já foram premiados em Cannes, inclusive A Fita Branca e Amor, ambos vencedores da Palma de Ouro), Austrália (Filme Estrangeiro para Caché, 2005, e A Fita Branca, no círculo de críticos de cinema australianos), Espanha (Filme Europeu para A Fita Branca no Gaudí Awards) e Alemanha (Direção e Roteiro por A Fita Branca na associação de críticos alemães), dentre tantos outros lugares, Michael Haneke é, de fato, um dos grandes que seguem em atividade. E é por isso, e também para comemorar seu aniversário, que prestamos aqui nossa homenagem, apontando seus cinco melhores filmes – além de um especial que merece ser conhecido. Confira!
Considerando o incensado corpo de trabalho do cineasta austríaco Michael Haneke e da atriz francesa Isabelle Hupert, apontar determinado filme como o maior de suas carreiras possui grandiosa significação. Ainda assim, pode-se dizer sem muito receio que A Professora de Piano (2001) ocupa tal posto para ambos, dentre outros motivos, por ser responsável pela láurea unânime concedida à atriz no Festival de Cannes e pelo prêmio do júri para Haneke no mesmo festival, que despertou ainda mais interesse para seus intrigantes filmes, dois deles anteriormente já indicados à Palma de Ouro: Violência Gratuita (1997) e Código Desconhecido (2000). A Professora de Piano causa desconforto logo em sua sequência inicial, o que se intensifica em cada ato do filme. Benoît Magimel e Huppert desaparecem em suas personificações e protagonizam cenas de uma crueza singular. Baseado na obra homônima de Elfriede Jelinek, autora vencedora do Nobel de Literatura em 2004, a complexa narrativa de uma pianista frígida ganha contornos bizarros e masoquistas pelas mãos de Haneke, que, aliado à sua formação em filosofia e psicologia, atribui aos seus enquadramentos reveladores uma intimidade pouco comum ao cinema contemporâneo – mesmo o europeu.
A violência está à espreita. Em Violência Gratuita (1997), a brutalidade suspende os planos de uma família; em A Fita Branca (2009), o terror resulta dos hábitos. Caché (2005), o mais introspectivo dos filmes de Michael Haneke, não se furta ao tema. Nele, uma família é gradualmente aterrorizada por gravações desconhecidas. A mensagem indireta causa medo e instabilidade, pois a violência não precisa ser física para agredir. O desenrolar de um passado nebuloso – como é todo passado – sugere uma vingança. Um discurso sociopolítico aguarda nas entrelinhas. Porém Haneke não se limita a isso. A violência que se desdobra em tantas formas igualmente causa e se revela no silêncio.
Uma das características mais marcantes da obra de Michael Haneke é a relação que seu cinema estabelece com o público. Suas opções minimalistas de decupagem, que favorecem planos longos e estáticos, exigem que o espectador observe, julgue, interaja com o filme, produzindo tanto sentido quanto os personagens da trama – uma tradição herdada, principalmente, do neorrealismo italiano. No entanto, Violência Gratuita é uma das poucas vezes em que essa característica é levada a um extremo tão radical. Haneke decide criticar os filmes violentos de uma forma um tanto inusitada: fazendo um. A diferença é que ele coloca o espectador como cúmplice do espetáculo sádico e, quando a coisa começa a ficar divertida, arrebenta a quarta parede e joga no colo do público a responsabilidade por se deliciar com a tragédia alheia. O filme, originalmente rodado em alemão, ganhou uma versão em inglês produzida pela atriz Naomi Watts, que a estrela ao lado de Michael Pitt e Tim Roth. Embora idênticas, a versão americana acaba sendo mais “bonita de ser ver”, já que tem uma fotografia levemente menos “fosca”, devido à luz mais dura. Um delicioso manifesto iconoclasta. E perfeitamente “hanekeano”.
Está lá o papel do narrador. Ao fim e ao cabo, é ele que estabelece os parâmetros do horror – porque todo cinema fundado naquele pedaço de mundo que nós tanto pensamos conhecer sem ter o mínimo de noção de sua estrutura e dos objetos que o constituem é, via de regra, um cinema perigoso e obscuro. Parece que é somente nesse sentido que a obra de Michael Haneke mostra “o lado negro” da espécie: é filmando essa corrente facilmente quebrável das composições sociais e familiares que a violência toma conta da narrativa. A Fita Branca tem claramente uma força mesmo com toda sua deficiência, que é composta por esses planos aterradores que dizem mais sobre o cineasta do que sobre o próprio conteúdo do filme e que pretendem construir uma escatologia dramática épica e ao mesmo tempo supostamente “profunda” e “realista”, quando, a bem dizer, o tema e as condições históricas pediam um filme mais do mundo e menos do “autor” – algo presunçoso. Em síntese, um cinema epistemológico.
Como de costume na filmografia de Michael Haneke, este não é um filme fácil. Ao chegar ao seu final, inclusive, o espectador provavelmente sentirá o peso dos desdobramentos do roteiro como um soco na boca do estômago. Forte, mas nunca apelativo, o mais recente trabalho do cineasta conta uma história que pode acontecer com qualquer casal. Vítima de um derrame, a professora de música Anne (numa atuação estupenda de Emmanuelle Riva, indicada ao Oscar) fica dependente dos cuidados do marido, o atencioso Georges (Jean-Louis Trintignant, não menos brilhante). Com o passar do tempo, a vida do casal se transforma completamente e Haneke aponta sua câmera para esta deterioração da relação. Sem julgar seus personagens, o cineasta cria uma obra difícil e, talvez por isso, inesquecível. Vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e indicado a mais três estatuetas (dentre elas, Melhor Direção) em 2013.
+1
Lançado em 2000 e não muito diferente de outras produções de Haneke, Código Desconhecido foi muito elogiado ao retratar a história de um grupo de pessoas e o resultado de seus atos. Jean (Alexandre Hamidi) quer escapar da vida no campo e chega a Paris à procura de seu irmão, Georges (Thierry Neuvic), mas acaba encontrando somente a namorada dele, Anne (Juliette Binoche), já que o irmão, jornalista, está afastado cobrindo a guerra de Kosovo. Enraivecido, ao passar por uma mendiga, ele joga em seu colo uma saco de pão. Por sua vez, Amadou (Ona Lu Yenke), um franco-americano que assistia à cena, intercepta o garoto que saiu correndo e o força a pedir desculpas à mulher. Policiais presenciam o ocorrido e intervém. Depois desse acontecimento a vida de todos será alterada e é o que Haneke nos mostra ao separar em segmentos intercalados a história das pessoas envolvidas nessa cena. Destaques para a metáfora utilizada em cenas com crianças surdas e, ainda, a sempre excepcional Juliette Binoche, que havia solicitado trabalhar com o diretor. Contam que a atriz enviou uma carta (assim como fez com Abbas Kiarostami) pedindo um papel em qualquer produção futura de Haneke. Na época, ele não tinha nenhum roteiro em mente, até que presenciou a cena do saco jogado na mendiga e sentiu que deveria escrever algo sobre aquele episódio. Binoche ganhava seu papel e o diretor uma nova história. Saiu vitorioso do Festival de Cannes, garantindo ao filme o prêmio do júri ecumênico, concedido somente para produções que possuem relevância ao apresentarem questões humanitárias e de esperança para a sociedade.