20180226 neil jordan

Vencedor de um Oscar e de dois Baftas, além de troféus nos festivais de Berlim e de Veneza, Neil Jordan é um dos mais consagrados cineastas irlandeses da atualidade. Realizador múltiplo, possui mais de vinte títulos na filmografia como diretor, sendo que em quase todos assumiu também a função de roteirista e produtor. Na atividade desde o início dos anos 1980, já entregou ao seu público de fãs e admiradores comédias, dramas, suspenses, fantasias, histórias de vampiros, lobisomens e até de sereias, jornadas de heróis da vida real e da literatura, com elencos estelares ou trabalhando praticamente com desconhecidos. E dentro uma coleção tão diversificada, a equipe aqui do Papo de Cinema aproveitou o aniversário do cineasta neste 25 de fevereiro e resolveu organizar essa homenagem, escolhendo seus cinco filmes mais significativos, além de apontar mais um, não tão famoso ou aplaudido, mas que merece, de igual forma, ser descoberto. Confira!

 

20170225 mona lisa papo de cinemaMona Lisa (1986)
Neil Jordan já havia chamado a atenção dos cinéfilos com sua releitura gótica de Chapeuzinho Vermelho, A Companhia dos Lobos (1984), mas foi mesmo com este trabalho – indicado a diversos prêmios, como o Globo de Ouro e o BAFTA – que o cineasta se firmou entre as maiores revelações dos anos 80. A trama acompanha George (Bob Hoskins) um criminoso que acaba de sair da prisão e é contratado pelo mafioso Mortwell (Michael Caine) como motorista particular de Simone (Cathy Tyson), uma prostituta de luxo. A relação inicialmente conturbada entre os dois se torna cada vez mais íntima, especialmente quando ele aceita ajudá-la a encontrar uma amiga desaparecida. Misturando a clássica atmosfera do universo dos gângsteres britânicos com toques de romance, subvertendo os clichês dos contos de fadas, Jordan realiza um longa carregado de mistério e melancolia, capaz de causar encantamento e choque com seu retrato da sordidez do submundo noturno à la Taxi Driver (1976). Outro grande destaque está no impecável elenco: a presença enigmática e sofisticada de Tyson, a crueldade ameaçadora de Caine e, principalmente, a atuação grandiosa de Hoskins, que lhe valeu o prêmio de ator em Cannes, onde o filme concorreu à Palma de Ouro, e a indicação ao Oscar. – por Leonardo Ribeiro

 

20170225 traidos pelo desejo papo de cinemaTraídos pelo Desejo (The Crying Game, 1992)
Este vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Original realmente faz jus ao reconhecimento que lhe foi concedido pela Academia. O texto, escrito pelo próprio diretor e nosso homenageado aqui, parte de um lugar que dificilmente denuncia o ponto em que vai parar quase duas horas depois. Tudo começa, afinal, quando um soldado britânico (Forest Whitaker) é sequestrado pelo IRA e feito refém para ser negociado. Quando as coisas saem um pouco errado nesse plano, um dos radicais, Fergus (Stephen Rea), se sente na obrigação de compensar a amada de Jody. Porém, os dois acabam se envolvendo, com ele escondendo dela o seu real envolvimento no trágico destino do seu namorado. E isso já é contar demais, pois a linha de eventos ainda se desdobra em mais reviravoltas curiosas que, assim como o resto da estrutura do roteiro, são hábeis em manter o espectador constantemente magnetizado pelas surpreendentes curvas da trama. Com uma condução delicada de Jordan, o longa mantém presente que não está lidando propriamente com um suspense (ainda que sua concepção possa levar a essa conclusão) e consegue com sucesso converter seus plot twists em novas dimensões para personagens que até já saíram de tela. – por Yuri Correa

 

20170225 entrevista com o vampiro papo de cinemaEntrevista com o Vampiro (Interview with the Vampire, 1994)
Neil Jordan parecia o nome ideal para transformar o bem-sucedido livro de estreia de Anne Rice neste longa-metragem badalado, lançado em 1994. Depois de ter feito o bombástico Traídos pelo Desejo (1992), o cineasta irlandês se embrenhou em outra história na qual o desejo, o ódio e a paixão andam muito juntas. Desta vez, no entanto, com uma pegada sobrenatural. Tom Cruise e Brad Pitt estrelam o longa-metragem com tonalidades homoeróticas mal mascaradas (algo que fugia totalmente do padrão nos anos de 1990) vivendo os vampiros Lestat e Louis. Os dois divergiam totalmente na questão do respeito à vida humana, com o primeiro matando com prazer, enquanto o segundo se martirizava, preferindo sobreviver do sangue de animais. Quando uma criança (interpretada pela revelação Kirsten Dunst) é transformada em vampiro, a dinâmica daquele par é modificada totalmente. Com participações pontuais de Antonio Banderas, Thandie Newton e Christian Slater, foi um sucesso de bilheteria, conquistando duas indicações ao Oscar e servindo como prova de que Cruise, quando saía de sua zona de conforto, conseguia atuações muito acima da média. Mérito disso, claro, é da direção certeira de Neil Jordan, que nos entregou um belo (e pouco convencional) thriller. – por Rodrigo de Oliveira

 

20170225 fim de caso papo de cinemaFim de Caso (The End of the Affair, 1999)
Com esse belíssimo romance em tempos de guerra, adaptado de um livro de Graham Greene, Neil Jordan realizou o que talvez seja seu melhor filme. Tendo Julianne Moore e Ralph Fiennes inspiradíssimos nos papeis principais, o diretor e roteirista conseguiu realizar uma obra que, coerente com a literatura de Greene, mergulha fundo numa lógica de transformação da realidade dura pela fé cristã (mais especificamente, católica), sem que para isso recorra a qualquer tipo de pieguice ou maniqueísmo. Pelo contrário, aliás: o filme é dotado de grande sofisticação narrativa e visual, sendo alicerçado sobre duas linhas temporais que, conforme avançam, ressignificam a forma como tanto o espectador quanto o personagem de Fiennes enxergam Sarah Miles (Moore). E como é brilhante a direção de Jordan na sequência chave da narrativa, que, se repetindo duas vezes sob diferentes pontos de vista, funciona como um belo “efeito Rashomon (1950)”. Lançado num grande ano para o cinema norte-americano, esse pequeno, mas poderoso, drama britânico chegou a receber uma merecida indicação ao Globo de Ouro de melhor filme, mas acabou, injustamente, esquecido na categoria principal do Oscar. Ao menos Julianne Moore, num dos melhores papeis de sua carreira, foi devidamente indicada como melhor atriz. – por Wallace Andrioli

 

20170225 cafe da manha em plutao papo de cinemaCafé da Manhã em Plutão (Breakfast on Pluto, 2005)
O título extravagante chama a atenção e combina com a caracterização do protagonista interpretado por Cillian Murphy. Patrick “Pussy” Braden é fruto do amor proibido entre uma doméstica e o padre de uma cidade do interior da Inglaterra. Criado por uma mulher que não suportava seu jeito afeminado, ele resolve, na companhia de amigos, partir em busca da mãe verdadeira, por quem fora abandonado ainda muito pequeno. Murphy foi bastante elogiado pela concepção desse personagem à procura da conexão com suas raízes. O diretor Neil Jordan volta com este filme a abordar uma temática homossexual, depois do sucesso de Traídos Pelo Desejo (1992). Ele cria uma narrativa que alterna momentos de muita luz e brilho com instantes delicados, nos quais os dramas que afligem Patrick sobressaem às cores, plumas e paetês de suas apresentações. A fábula multicolorida de Jordan mostra um menino criado sob o jugo do catolicismo, do qual é literalmente filho, buscando no mundo exterior a ligação com sua origem em meio à efervescência da capital convulsionada, inclusive, por conflitos político-sociais. Realmente um filme que evidencia toda a capacidade de Neil Jordan para abordar temas espinhosos de maneira, ao mesmo tempo, contundente e terna. – por Marcelo Müller

 

+1

 

20170225 no na garganta papo de cinemaNó na Garganta (The Butcher Boy, 1997)
É difícil classificar este longa: seria um drama trágico que é apenas contado em tom de piada ou uma comédia de humor negro que se aventura em temas extremamente sombrios? O fato é que esta adaptação do romance homônimo de Patrick McCabe tem uma maneira muito peculiar de tratar de assuntos delicados, deixando que o protagonista, o pequeno Francie Brady (Eamonn Owens) conte a própria história à sua maneira, servindo como um narrador nada confiável. Situado na Irlanda dos anos sessenta, o longa acompanha o menino que, com apenas doze anos, vai gradativamente perdendo a conexão com a realidade devido a uma série de traumas. Descrito frequentemente como uma espécie de Alex DeLarge mirim, Francie toma uma série de atitudes reprováveis já no início da narrativa, mostrando-se cruel e possessivo, mas a performance poderosa do estreante Owens rapidamente faz do espectador um cúmplice do pequeno sociopata. Assim como o garoto mascara sua dor fugindo da realidade e narrando o enredo despreocupadamente, esta obra esconde muita profundidade por baixo da camada de comédia, principalmente graças à direção precisa de Neil Jordan e às atuações excelentes, tanto dos veteranos (como Fiona Shaw e Brendan Gleeson) quanto do elenco infantil. – por Marina Paulista

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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