Na sua filmografia, constam mais de 60 títulos – um número impressionante para qualquer artista brasileiro. Não por acaso, escolher os cinco trabalhos mais marcantes de Nelson Xavier na tela grande não é das tarefas mais fáceis. Indicado duas vezes ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional – e vencedor de dois Kikitos em Gramado, dois Candangos em Brasília e um Redentor no Festival do Rio, foi reconhecido também no exterior, com troféus conquistados nos festivais de Berlim, Lisboa e Los Angeles, entre outros. Presença marcante no cenário nacional, tendo atuado sob o comando de cineastas como Hector Babenco, Ruy Guerra, Bruno Barreto, Daniel Filho e Sergio Rezende, também dividiu cena com nomes internacionais, como Rooney Mara, Kathy Bates, Richard Dreyfuss e Marcello Mastroianni, apenas para ficarmos com alguns de maior destaque. Nascido no dia 30 de agosto de 1941, Nelson Xavier nos deixou em 9 de maio de 2017, aos 75 anos. Ele estava em Uberlândia, interior de Minas Gerais, acompanhado de familiares e amigos. E aqui prestamos nossa homenagem com o melhor deste grande intérprete, uma perda inestimável ao Cinema, tanto no Brasil como no mundo.
Os Fuzis (1964)
Um dos grandes monumentos do Cinema Novo, este filme de Ruy Guerra traz um grupo de soldados enviados a uma pequena cidade nordestina para impedir moradores e retirantes, então sucumbindo à fome, de saquearem os armazéns repletos de comida. Nelson Xavier interpreta um desses homens encarregados da função espúria, que denuncia o funcionamento perverso do Estado, poder que pretere o povo em função dos empresários, daqueles que poderiam resolver a situação terminal de outrem se diminuíssem um pouco a margem de seus lucros. Nelson Xavier interpreta, entre os soldados, aquele que mais fortemente é influenciado pela situação de velar o patrimônio alheio e, por conseguinte, o sofrimento do povo que padece em virtude da falta do que comer. Ele se envolve com uma moça local (Maria Gladys) e se revolta contra o assassinato de um campesino. Quando Gaúcho (Átila Iório), ex-militar que ainda tenta abrir os olhos dos colegas de outrora ao absurdo do qual são, de certa maneira, coniventes, cai morto após insurgir-se, o personagem de Nelson, novamente, sente o baque e se compadece do sacrifício, abraçando o corpo inerte em sinal de consternação. É uma interpretação inesquecível deste grande ator que parte deixando um forte legado. – por Marcelo Müller
A Falecida (1965)
Ainda no início de sua carreira, Nelson Xavier foi convidado pelo diretor Leon Hirszman para viver Timbira, o galanteador dono de uma funerária que acaba cruzando o caminho da protagonista Zulmira, vivida pela grande Fernanda Montenegro em seu trabalho de estreia no cinema. A personagem-título do filme está obcecada com a própria morte, e quer a garantia de que, após sua partida, tudo o que não teve em vida – respeito, glamour, luxo, beleza – lhe seja concedido por direito. Na sua busca por detalhes, será Timbira que começará a colocar dúvidas em seu caminho: não seria essa vontade por se despedir apenas um reflexo de sua atual condição? Com muito charme e uma lábia afiada, ele faz uso de todo o seu talento para criar um tipo único, que acabaria marcando em grande parte da própria carreira do ator. Tanto que, quase cinquenta anos depois, os dois – Montenegro e Xavier – estariam de volta na improvável continuação A Dama do Estácio (2012), curta-metragem de Eduardo Ades que, por fim, oferecerá um desfecho a estas tristes figuras, que seguem vivas, tanto na vida como na morte. – por Robledo Milani
A Queda (1978)
Nos quase cem trabalhos feitos para o cinema e televisão durante toda a sua carreira, uma das parcerias mais produtivas de Nelson Xavier foi com o cineasta moçambicano – naturalizado brasileiro – Ruy Guerra. E após o impacto inicial de Os Fuzis (1964) e do ambicioso Os Deuses e os Mortos (1970), os dois voltaram a trabalhar juntos neste que é a sequência do trabalho de estreia deles em conjunto. Mário (Xavier) está, quase quinze anos após os eventos mostrados no filme anterior, morando no Rio de Janeiro, e se vê obrigado a lidar com a morte de um colega operário, envolvido na construção do metrô da cidade. Enquanto todos tentam abafar o caso, será ele, com a ajuda de um jornalista e de um advogado, que partirá em busca de justiça, conhecendo, enfim, o lado mais fraco de uma sociedade cada vez mais desigual. Um desempenho forte e contundente, que lhe valeu o Candango de Melhor Ator no Festival de Brasília, além de ter ficado marcado como sua única experiência por trás das câmeras – ele assina como codiretor ao lado de Guerra – tendo resultado na conquista inédita do Urso de Prata no Festival de Berlim, na Alemanha. – por Robledo Milani
Chico Xavier (2010)
Num momento de sua carreira em que parecia mais voltado à televisão, em papeis coadjuvantes ou participações especiais, Nelson Xavier experimentou um renascimento ao ser convidado pelo diretor Daniel Filho para ser um dos três intérpretes do mais famoso médium brasileiro de todos os tempos. Após o jovem Matheus Costa e um intenso Ângelo Antônio, Xavier aparece nos últimos anos de vida de Francisco Candido Xavier, em uma personificação quase, na falta de expressão melhor, mediúnica. A semelhança física entre os dois era gigantesca, mas ainda mais impressionante foi a delicada composição a que se submeteu, que ia de uma estudada maquiagem e figurinos apropriados, até o próprio gestual de um homem acostumado a se comunicar tanto com os vivos como com os mortos. Indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro como Melhor Ator – perdeu para o arrebatador Wagner Moura de Tropa de Elite 2 (2010) – sua figura se tornou tão marcante a ponto de ter sido convidado a reviver o mesmo personagem na continuação informal As Mães de Chico Xavier (2011), lançada no ano seguinte e motivada pelos mais de 3,4 milhões de espectadores do primeiro longa. – por Robledo Milani
A Despedida (2014)
Nelson Xavier ganhou seu segundo Kikito no Festival de Cinema de Gramado vivendo o Almirante, neste sensível filme assinado por Marcelo Galvão. Xavier interpretava um idoso de 92 anos que tem dificuldade em fazer as coisas mais corriqueiras. Numa manhã, ele resolve sair de casa sozinho. Com sérios problemas de locomoção, mas com objetivos traçados, Almirante parte para sua aventura, reencontrando toda uma sorte de pessoas, até partir para seu principal destino, a casa de Fátima (Juliana Paes), uma figura importante de seu passado. Galvão parte para um registro completamente diferente do que havia nos mostrado em Colegas (2012). Ainda que invista no humor em alguns momentos, é no drama de um homem que não é mais dono de sua vida o principal predicado deste filme. Nelson Xavier, em atuação primorosa, comove como um sujeito doce, com sua parcela de malandragem nada esquecida, e com vontade de viver talvez um último dia intensamente. Acompanhamos de forma minuciosa os primeiros momentos daquele senhor, com todas as suas dificuldades, e ficamos felizes junto dele com suas pequenas vitórias. O terceiro ato, com a participação de uma inspirada Juliana Paes, é de sensibilidade e beleza incríveis. – por Rodrigo de Oliveira
+1
O Cangaceiro Trapalhão (1983)
Nem só de dramas pesados viveu Nelson Xavier. E foi nessa união com os populares Os Trapalhões que o ator teve um dos seus maiores sucessos. O encontro foi positivo para ambos os lados. Didi, Dedé, Mussum e Zacarias vinham da incrível recepção de Os Trapalhões na Serra Pelada (1982), que somou mais de 5 milhões de espectadores, enquanto que Xavier acabara de viver na telinha o mítico cangaceiro protagonista de Lampião e Maria Bonita (1982), minissérie da Rede Globo. Assim, acaba fazendo sentido que no primeiro longa da trupe cômica dirigido por Daniel Filho – ele próprio um egresso da televisão – a trama se passe no sertão nordestino, com os quatro amigos tendo suas vidas viradas de cabeça para baixo quando um pastor de cabras (Renato Aragão) acaba salvando, ainda que de forma involuntária, a vida de Lampião (Xavier). A brincadeira é inspirada no clássico O Grande Ditador (1940), de Chaplin, e Nelson Xavier ajuda a elevar o nível geral do elenco com uma atuação que mistura ameaça com graça, buscando o humor tanto nas situações inusitadas que participa como pela sua própria presença, ajudando a consolidar um tipo e um personagem que se tornaria referência na carreira do ator. – por Robledo Milani
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