O holandês Paul Verhoeven não é um cineasta afeito a prêmios e reconhecimentos. Ao menos, é o que indica sua filmografia recheada de produções com forte conteúdo sexual e violento. Algo que não causa a maior simpatia entre quem trabalha na indústria de premiações. Porém, isto não desmerece o diretor, muito pelo contrário. É difícil encontrar autores que saiba unir temas polêmicos de forma inteligente como Verhoeven faz, criando obras que vão da ficção de RoboCop: O Policial do Futuro (1987) ao drama histórico de A Espiã (2006).
Sem filmar por bons anos, o holandês retornou aos cinemas em 2012 com o média-metragem Steekspel (sem título em português) e se prepara para filmar Oh!, baseado num best-seller do escritor francês Philippe Djian. Para comemorar o aniversário do diretor no dia 18 de julho, a equipe do Papo de Cinema resolveu eleger seus cinco melhores trabalhos – e mais um que causou controvérsia na época, mas merece uma segunda chance. Confira!
Por Eduardo Dorneles
Quando Paul Verhoeven desembarcou nos EUA, trazia consigo a estigma de um realizador sexista e violento. Depois de uma estreia não tão badalada em terras norte-americanas, sua segunda empreitada lhe caiu como uma luva. RobocCop, a história de um policial mutilado por criminosos que é transformado em um ciborgue, parecia fugaz, ao ponto de, a princípio, refutá-la. Entretanto, uma sugestão da esposa fez com que mudasse de ideia. Deus seja louvado por isso! Afinal, essa decisão de Verhoeven nos proporcionou um dos melhores filmes de ação da história do cinema. Sim, as características do diretor são preservadas. Há muita violência. há muito sangue. Porém, o filme não se restringe a um entretenimento barato. Sua história e subtexto transcendem o corriqueiro e alcançam uma metalinguagem única. Como o homem submetido aos avanços tecnológicos pode preservar sua liberdade? Esta é apenas a interpretação rasteira. Ao inverter o processo de autodescobrimento, fazendo com que o personagem título tenha lembranças embaraçadas antes de interagir com o meio que possa fazê-lo recordar de seu passado como pai de família, Verhoeven cria uma instigante fábula sobre a eternidade da alma.
Por Thomás Boeira
Baseado em um conto de Philip K. Dick, O Vingador do Futuro, à primeira vista, pode parecer apenas mais um veículo de ação para que o astro Arnold Schwarzenegger possa aparecer quebrando tudo. A verdade é que o filme consegue ser mais do que isso. Aqui, Schwarzenegger interpreta Douglas Quaid, um operário que tem um sonho recorrente envolvendo Marte. Sem poder ir até lá, ele vai a uma empresa especializada em implantar memórias artificiais, mas algo dá errado no processo e ele se lembra de seu passado como agente secreto, que envolvia uma luta contra aqueles que controlam o planeta vermelho. A partir disso, Paul Verhoeven faz uma ficção científica com muita ação e gore, mas sem se esquecer de desenvolver com inteligência a ótima história que tem em mãos. O Vingador do Futuro foi um grande sucesso de público e crítica, e é um blockbuster que dificilmente seria feito hoje em dia da mesma maneira. Prova disso é o remake lançado em 2012 e estrelado por Colin Farrell, que até diverte, mas não consegue ser tão interessante e impactante quanto seu original.
Por Rodrigo de Oliveira
Ainda que Instinto Selvagem seja lembrado principalmente pela cruzada de pernas da estonteante Sharon Stone, o longa-metragem dirigido por Paul Verhoeven sempre foi muito mais do que apenas isso. Um thriller competente, com uma trama que envolve o espectador da mesma forma que Michael Douglas se vê preso na teia daquela viúva negra. Verhoeven foi inteligente ao unir o sex appeal marcante de sua estrela em ascensão com uma história cheia de reviravoltas. Na trama, o detetive casca-grossa Nick Curran (Douglas) é escalado para investigar o brutal assassinato de um músico e acaba se envolvendo com a principal suspeita do crime, a escritora Catherine Tramell (Stone). Exemplar de uma produção neo noir com todos os elementos no lugar – a mulher fatal, o detetive linha dura, o suspense à flor da pele – Instinto Selvagem foi objeto de polêmica quando lançado, em 1992, pelas cenas com teor fortemente sexual e a violência. O filme continua tendo impacto até hoje, ainda que o tempo tenha feito algumas temáticas serem menos tabu. Em 2006, o longa-metragem ganhou uma continuação completamente esquecível, com apenas Sharon Stone voltando como a protagonista, sem qualquer envolvimento de Verhoeven. Uma sábia decisão do cineasta.
Por Yuri Correa
Os humanos estão em guerra com seres alienígenas que se assemelham muito a insetos gigantescos. Alados, rastejantes e donos de poderosas pinças afiadas, os inimigos também se encontram em um número assustadoramente maior. É deste plot que parte a trama de Tropas Estelares, talvez um dos filmes mais gore de Paul Verhoeven, que não poupa seu espectador de takes com corpos dilacerados e mutilações. Não que o diretor tenha sido um tanto mais sutil no passado – seja em que sentido for – e seus RoboCop (1987) e O Vingador do Futuro (1990) estão ai para provar o caso. Porém, uma tecnologia mais avançada aqui, que lhe permitiu usar amplamente a computação gráfica, libertou de vez o lado sanguinário do cineasta que, propositalmente ou não, ainda fez uma horrorosa escalação de atores principais, todos péssimos. O que surpreendentemente favorece o longa-metragem dando-lhe este tom trash de produção B de ficção científica. É, no mínimo, divertido de se assistir. E se a crítica política existe, ela está bem enterrada entre os corpos de insetos e humanos que, com suas mortes, vão provocar algumas gargalhadas em quem se aventurar com o filme.
Por Matheus Bonez
Paul Verhoeven não é um cineasta que se interessa apenas por sexo e cenas de ação explosivas. Um bom exemplo de como o holandês sabe conduzir uma boa narrativa de conteúdo histórico como pano de fundo é A Espiã, filmado em sua terra natal. Parece que, decepcionado com suas últimas incursões em Hollywood, o diretor precisou voltar às origens de seu país após duas décadas para mostrar o dom que tem com a câmera. O drama ambientado na Segunda Guerra Mundial conta a história de Rachel (Carice van Houten), uma ex-cantora de cabaré judia que se esconde do nazismo junto a uma família holandesa. Após ser descoberta e conseguir fugir, acaba encontrando um grupo de resistência e se torna agente dupla com outro nome, Ellis. É neste jogo de aparências que Verhoeven mostra sua marca, tanto nos já citados sexo e violência, mas também na capacidade de não precisar aprofundar muito a história da guerra e assim conseguir focar em seus personagens. Há muita ação no filme, mas Rachel/Ellis também é dissecada em sua personalidade dupla. E vale ressaltar que o desempenho fenomenal de sua intérprete ajuda ainda mais na excelência do filme.
+1
Por Renato Cabral
Existem aqueles filmes que são péssimos e exagerados em sua concepção que acabam se tornando cultuados. Isso é o que acontece com Showgirls. Tido como um dos piores filmes de todos os tempos, esta realização de Verhoeven está bem longe de segurar o título. Um excelente trabalho que merece ser revisitado, a produção está imersa em uma estética kitsch. Na história, somos apresentados à Nomi (Elizabeth Berkley) que foge de seu trabalho à beira de uma estrada para se aventurar pela terra de poder e ganância que é Las Vegas. Dançarina, ela se fixa em um pequeno clube até fazer um teste para um grande espetáculo. É lá que encontra Cristal Connors, a diva do momento que exala sensualidade. Logo, é instaurada uma guerra silenciosa entre veterana e novata. Verhoeven está longe de conduzir a trama como um Joseph L. Mankiewicz em A Malvada (1950), mas entrega um filme tão over que se torna inesquecível e épico, digno do que se tornou: cult.