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Paulo Autran foi um monstro da atuação. Tendo participado de mais de 80 peças de teatro entre as décadas de 1940 e 2000, com personagens memoráveis na televisão, como nas novelas Guerra dos Sexos (1983) e Sassaricando (1987), e com uma performance magistral no cinema em Terra em Transe (1967), filme do mestre Glauber Rocha, Autran é um dos nomes mais memoráveis das nossas artes dramáticas. Carioca, nascido em 7 de setembro de 1922, ele não pensava em seguir a carreira artística. Mudou-se para São Paulo ainda muito jovem e estudou para ser advogado, talvez pendendo para uma carreira como diplomata. A profissão no Direito não lhe agradou e, depois de começar a atuar em algumas peças amadoras, abriu seus olhos para a profissão de ator. Foi nos palcos em que se encontrou. Autran pode não ter tido uma carreira tão destacada no cinema, mas desempenhou papéis interessantes em produções como O País dos Tenentes (1987), que acabou lhe valendo o candango de Melhor Ator no Festival de Brasília, e Oriundi (2000), no qual dividiu a tela com o grande Anthony Quinn. Falecido em 2007, aos 85 anos, o ator parecia estar descobrindo os prazeres do cinema, tendo participado de mais filmes nos seus últimos anos de vida. No dia de seu nascimento, a equipe do Papo de Cinema compilou uma lista dos filmes mais memoráveis do grande Paulo Autran. Confira e relembre conosco esses belos trabalhos.

 

terra_em_transe_cartazTerra em Transe (1967)
Homem muito mais de teatro, com marcantes passagens também pela televisão, Paulo Autran não possuiu uma carreira cinematográfica condizente com sua envergadura artística. Apenas nesta colaboração icônica com Glauber Rocha o ator carioca teve um papel à sua altura, abraçando a oportunidade para criar uma figura imprescindível para entender, inclusive, o ideário do cineasta baiano. Porfírio Diaz é um tecnocrata anticomunista, político favorável ao domínio imperialista do capital norte-americano. Eleito senador, ele é um representante confesso dos interesses escusos que então regiam a política brasileira – triste constatar que, mesmo decorridos quase 40 anos, as coisas não mudaram muito. Sua maneira delirante de falar, os discursos inflamados por uma noção de mundo baseada na supressão dos direitos do pobre em detrimento do enriquecimento de quem já é rico, Diaz é o retrato pintado com tintas berrantes de uma classe há muito desacredita em nosso país, pior, um fascista defensor da família e da Igreja. Em meio a opositores, a homens da palavra que ora o apoiam, ora fazem severas restrições a seus métodos, ele ganha notoriedade, ascendendo até finalmente candidatar-se à presidência da fictícia República de Eldorado, uma metáfora arrebatadora do Brasil. Porfírio Diaz é um dos maiores personagens do cinema brasileiro. Méritos do grande Paulo Autran. – por Marcelo Müller

 

POSTER-O-Pais-dos-TenentesO País dos Tenentes (1987)
Depois de viver o icônico Porfírio Diaz em Terra em Transe (1967), um político fascista que estava se lixando para as mazelas do povo da fictícia Eldorado, Paulo Autran novamente desempenhou no cinema um papel diretamente ligado às convulsões político-sociais decorrentes da ditadura militar, só que numa chave menos alegórica. Neste filme dirigido pelo mineiro João Batista de Andrade, o ator interpreta um general da reserva que, em meio à campanha pelas Diretas Já, é homenageado por seu trabalho à frente de uma multinacional alemã. Um repórter questiona sua participação no evento conhecido como Revolta dos 18 do Forte de Copacabana e nas Revoluções Tenentistas, ambas passagens históricas relevantes. O acesso ao recôndito da memória provoca no militar uma profunda crise pessoal, ocasionando seu isolamento numa propriedade campestre, em que ele passa a limpo a sua participação em mais de 60 anos da vida política brasileira. Autran carrega no semblante aquela austeridade dos monarcas, dos líderes de Estado, mas deixa transparecer no gestual e nos olhares a fragilidade escondida sob a fina cama de invencibilidade. Atributos mais que condizentes com o personagem, pelo qual venceu o prêmio de Melhor Ator no Festival de Brasília de 1987, além de outras láureas. – por Marcelo Müller

 

oriundi-poster-papo-de-cinemaOriundi (2000)
O encontro de dois mestres. Assim pode ser descrito este drama filmado em Curitiba e cujo maior mérito é trazer o hollywoodiano – vencedor de dois Oscars, aliás – Anthony Quinn ao lado de um dos maiores atores brasileiros, Paulo Autran. Aliás, Autran mesmo chegou a afirmar, na época de lançamento do longa, que só havia aceitado o convite do diretor Ricardo Bravo (em seu primeiro e único trabalho até hoje) pela oportunidade de atuar em parceria com o astro de clássicos como A Estrada da Vida (1954) e Zorba O Grego (1964). Quinn é o patriarca de uma tradicional família italiana que se vê encantado por uma jovem (interpretada por Letícia Spiller) que parece ser, ou não, a reencarnação de um dos maiores amores de sua juventude. Sua saúde debilitada e a confusão romântica que se vê envolvido motivam o chamado do Dr. Enzo, papel que Paulo Autran defende com magnitude e respeito. A participação pode até ser coadjuvante e sem maiores envolvimentos com os demais personagens, mas Autran lhe confere importância justamente por sua presença, justificando não só a curiosidade pelo projeto, mas também sua própria existência. – por Robledo Milani

 

a-maquina-poster-papo-de-cinemaA Máquina (2005)
Já com mais de 80 anos, Paulo Autran recebeu do diretor João Falcão um dos maiores presentes de sua carreira na tela grande: a versão envelhecida do protagonista desta adaptação de um dos maiores sucessos teatrais brasileiros, idealizado pelo próprio realizador. Antônio, vivido na juventude por Gustavo Falcão, encontra ressonância em um Autran cansado, porém não combalido, vívido em suas memórias e disposto a revivê-las com tamanha emoção que se tornarão reais também para os espectadores, convidados a acompanhá-las no seu desenvolvimento original. É por causa dos olhos luminosos e da entrega sem ressalvas de Autran que partimos juntos em suas lembranças, acreditando mais uma vez que o amor de verdade nunca morre. Ainda que Lázaro Ramos (indicado ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro) e Wagner Moura (indicado ao Prêmio Qualidade) tenham também sido lembrados, foi Paulo Autran que acabou se consagrando com o Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro de Melhor Ator Coadjuvante do ano, um reconhecimento à altura da excelência desta inesquecível performance. – por Robledo Milani

 

o-passado-poster-papo-de-cinemaO Passado (2007)
No mesmo mês do seu falecimento (ocorrido em 12 de outubro), Paulo Autran chegou pela última vez às telas (no dia 26 de outubro) como o guru intelectual do personagem vivido por Gael Garcia Bernal neste drama dirigido pelo argentino, naturalizado brasileiro, Hector Babenco. Ou seja, como se percebe pelos créditos envolvidos, foi uma despedida de peso. Após doze anos juntos, um jovem tradutor (Bernal) decide se separar da esposa, ao mesmo tempo em que reencontra um antigo amor e vive uma nova paixão. Entre estas três mulheres, ele irá encontrar alento nos sábios conselhos, emoldurados pela voz da experiência, do Professor Pousièrre, participação pequena, porém marcante, de Paulo Autran. Sua entrada na trama se dá de forma pontual, mais como um guia ao drama vivido pelo protagonista, mas com tamanha força que segue ressoando junto ao espectador mesmo após o término da sessão. Ainda que essa adaptação do romance literário de Alan Pauls tenha um resultado um tanto pálido diante dos maiores feitos de Babenco (Pixote: A Lei do Mais Fraco, 1981, ou O Beijo da Mulher Aranha, 1985), há méritos evidentes envolvidos, sendo um deles a inegavelmente valiosa contribuição de Autran, aqui em seu derradeiro e saudoso registro. – por Robledo Milani

 

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O-Ano-Em-Que-Meus-Pais-Saíram-de-Férias-PosterO Ano em que Meus Pais Saíram de Férias (2006)
Depois de ter dado vida ao fantástico Castelo Rá-Tim-Bum: O Filme (1999), o cineasta Cao Hamburger continuou voltando sua câmera para o olhar infantil, mas nesta produção lançada em 2006, com um viés mais próximo da realidade. Na trama, ambientada durante a Ditadura Militar, o garoto Mauro (Michel Joelsas) é deixado pelos pais com seu avô, Mótel (Paulo Autran), até que eles possam voltar ao Brasil – o ano de férias é, na verdade, um exílio. O problema é que Mótel, um senhor de idade avançada, morre e deixa Mauro sem ninguém. Por sorte, um vizinho rabugento chamado Shlomo (Germano Haiut) acaba o ajudando, à sua maneira. O papel de Paulo Autran é bem pequeno, mas seu peso como ator indubitavelmente colocou o filme no mapa. Falecido em 2007, esse foi um dos últimos papéis defendidos pelo magistral intérprete, que ainda teve tempo para ver o longa-metragem ser escolhido pelo Brasil para defender o país na categoria Melhor Filme Estrangeiro. Embora não tenha sido indicado pela Academia, foi um dos que mais chegou perto nos últimos tempos, tendo figurado em uma pré-lista com outros 8 filmes. – por Rodrigo de Oliveira

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