Um dos mais completos e admirados artistas brasileiros, Paulo José completa 80 anos neste dia 20 de março de 2017. São oito décadas a serviço da arte e da cultura nacional. Reconhecido como um dos nossos grandes intérpretes, com mais de uma centena de créditos no cinema, teatro e televisão, é também um diretor, produtor e roteirista de mão cheia. Premiado nos festivais de Brasília (possui 3 Candangos de Melhor Ator) e de Gramado (ganhou o Troféu Oscarito, em 2000, pelo conjunto de sua carreira), venceu também o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro – o Oscar da produção nacional – em sua terceira indicação, como Melhor Ator Coadjuvante, por O Palhaço (2011), após ter concorrido na categoria principal por Benjamim (2003) e por Quincas Berro d’Água (2010). Mas sua dedicação à tela grande vai muito além de reconhecimentos como esses, está também nas muitas parcerias desenvolvidas, nas obras realizadas e nos astros, estrelas e cineastas com quem já trabalhou. O melhor disso selecionamos aqui, nessa homenagem na qual apontamos seus cinco filmes imprescindíveis, além de indicar mais um especial. Confira!
A estreia de Paulo José no cinema veio repentinamente, quando o diretor Joaquim Pedro de Andrade o convidou para assumir o papel que originalmente seria do artista plástico Luiz Jasmim – diagnosticado com hepatite às vésperas das filmagens – neste longa inspirado no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade. A trama acompanha um padre (Paulo José) que chega a um vilarejo do interior de Minas Gerais para dar a extrema-unção ao vigário local. Antes de morrer, o moribundo sussurra o nome de Mariana (Helena Ignez), uma bela jovem entregue ainda criança aos cuidados do poderoso Honorato (Mario Lago), e com quem o padre desenvolve uma atração proibida. Em seu primeiro longa ficcional, selecionado pelo Festival de Berlim, Andrade realiza um trabalho influenciado pelo barroco mineiro e envolto numa aura trágica lançada sob os personagens. O conflito entre o desejo e a razão sufoca os protagonistas, particularmente o padre, que ganha vida numa interpretação interiorizada e carregada de angústia de Paulo José, reprimindo seus sentimentos ao ponto exato de explodir e se entregar à paixão – na belíssima sequência em que o padre e Mariana fogem sem rumo pela paisagem desértica. Um marcante cartão de visitas cinematográfico para o ator vindo do teatro. – por Leonardo Ribeiro
Todas as Mulheres do Mundo (1966)
Pouco importa se o longa-metragem de estreia do cineasta Domingos Oliveira encontra espaço neste ou naquele movimento cinematográfico. Premiada no Festival de Brasília, sucesso de público e crítica, esta comédia é um dos grandes filmes brasileiros, e não alcançaria tal olimpo sem a presença magnética de Paulo José, que interpreta um personagem encarregado de condensar o espírito do jovem da classe média carioca dos anos 1960, mas não só. Ele conhece a comprometida Maria Alice (a inesquecível Leila Diniz) numa festa de Natal. Paixão à primeira vista, daquelas que cutucam intermitentemente durante o dia. Paulo faz de tudo para reencontrar a bela jovem que, lá pelas tantas, cede aos seus apelos. Mas, apesar de todo esse esforço, ele sente falta das farras, da dinâmica muito particular da solteirice. Se Domingos faz dessa ciranda cômica permeada por toques dramáticos um verdadeiro painel de um estrato social determinante para entendermos o país, inclusive por sua aparente alienação, é Paulo José quem torna simpáticos e emblemáticos os tipos retratados, ao viver seu homônimo ficcional com uma naturalidade impressionante, como se verdadeiramente acossado pelas questões de ordem cotidiana e afetiva. É um trabalho cujo rigor, paradoxalmente, desemboca na mais absoluta espontaneidade. – por Marcelo Müller
Nessa obra-prima de Joaquim Pedro de Andrade, Paulo José tinha um desafio imenso pela frente: assumir, na segunda metade do filme, o papel desempenhado até aquele momento por Grande Otelo, um dos maiores atores da história do cinema brasileiro que entregava, aqui, talvez a atuação mais memorável de sua carreira. E Paulo José, na ocasião ainda jovem, mas já tendo trabalhado com nomes de peso como Domingos Oliveira, Walter Hugo Khouri – em As Amorosas (1968) – e o próprio Joaquim Pedro, se saiu perfeitamente bem. Sua encarnação do Macunaíma branco é absolutamente divertida e carregada de nuances, da malandragem apaixonante que conquista a guerrilheira Ci (Dina Sfat) à melancolia devastadora do final, passando pelo heroísmo necessário para derrotar o ameaçador vilão Venceslau Pietro Pietra (Jardel Filho). No fim das contas, a imagem de Paulo José como Macunaíma conseguiu se tornar quase tão icônica quanto a de Grande Otelo. Quase – mas querer igualar o ex-astro das chanchadas se deliciando enquanto solta um “Ai, que preguiça” já seria pretensão em excesso. – por Wallace Andrioli
Paulo José sempre foi um ator completo, passeando muito bem pelo drama e pela comédia. E nesta produção, a última dirigida pelo grande Luiz Sérgio Person, ele está completamente à vontade como um Don Juan carioca, se divertindo com a aura de pastiche que o cineasta imprime na produção. Na trama, Cassy Jones (José) é um mulherengo irremediável que se apaixona por uma bela moça que vê na televisão, a estonteante Clara (Sandra Bréa, estreando no cinema). Ele toma para si o desafio de conquistá-la, mas a situação irá se complicar quando ele descobrir que ela tem uma tutora osso duro de roer chamada Frida (Glauce Rocha). Trajando roupas coloridas e curtindo o estilo bon vivant de seu personagem, Paulo José é a peça central deste longa-metragem, dividindo a atenção do espectador apenas quando surge Sandra Bréa. Ela é a única pessoa que parece ser páreo para Cassy Jones e o protagonista entende isso como poucos, embora possa ter feito uma leitura errônea nos primeiros encontros. Produção premiada, foi exibida no primeiro Festival de Cinema de Gramado, de onde saiu com o kikito de Melhor Direção. – por Rodrigo de Oliveira
Tezinho é o malandro amaldiçoado pelo destino, aquele que tentou seguir o caminho certo, mas nele não teve forças para se manter. Filhinho da mamãe que nunca sofreu na vida, quando adulto é apresentado para a sociedade como o partido perfeito: com um bom emprego, de família de nome e bem-apessoado. A paixão logo surgiu, mas a moça tinha um problema – um sopro no coração. Desiludido, decide cair na vida – mas não sem seguir se preocupando em manter a boa imagem para a sociedade. Ou seja, de dia era um, e à noite um outro. Ainda que o personagem tenha sido batizado como Tertuliano, Paulo José o defende com a graça e a desenvoltura de um legítimo Tezinho. O ator foi fundamental para a realização do filme – foi somente após sua concordância que os demais atores decidiram embarcar no projeto. E ainda que não seja um galã tradicional, é fácil entender como sua imensa empatia pelo personagem deixava todas as garotas loucas por ele. As idas e vindas destas fazem de Tezinho um Don Juan à brasileira, aquele que maltrata a tudo e todos, mas, por ser dono de um bom coração, consegue o que quer no final. – por Robledo Milani
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Ainda que apontado como o ponto de virada na carreira de Selton Mello, que deixou de ser um astro global e um cineasta revelação para se mostrar um ator e diretor de talento acima de qualquer suspeita, nada seria do palhaço Pangaré sem o velho Puro Sangue para lhe ensinar umas poucas e boas. Como pai do protagonista, Paulo José aparece como o mestre já cansado da guerra diária de entreter todos aqueles que recorrem ao espetáculo sob a lona em busca de um pouco de diversão e fantasia. Sábio para se aconchegar nos braços certos e hábil para direcionar o filho no caminho apropriado, é ele que serve tanto de guia como de alerta para o futuro do personagem principal, que a ele observa com medo e admiração. A composição de José é sutil, porém certeira, deixando claro que independente da escolha do seu herdeiro, o importante é estar feliz com ela. Afinal, é dele a frase que resume a importância desse filme: “meu filho, na vida a gente tem que fazer aquilo que a gente sabe fazer: o gato bebe leite, o rato come queijo, e eu sou palhaço”. Na vida e na ficção, encantando plateias. – por Robledo Milani