T.E. Lawrence, Ramsés, Marcel Proust, Charles Dickens, e Jesus Cristo. Heathcliff, Hades, Alfred Pennyworth, Coriolanus, Spider, M e Lord Voldemort. O paciente inglês, o dragão vermelho, o jardineiro fiel e o leitor. O rol de personagens marcantes da filmografia de Ralph – se lê “Reif” – Fiennes é impressionante! E isso que nem falamos do general nazista Amon Goeth, o verídico Charles Van Doren, o concierge Gustave ou o diretor da era de ouro de Hollywood Laurence Laurentz. De dramas a comédias, de adaptações literárias a filmes de super-heróis, de aventuras fantásticas a contos infantis: será que tem algo que o irmão mais velho – e mais talentoso – de Joseph Fiennes não seja capaz de fazer? Indicado duas vezes ao Oscar, cinco vezes ao Globo de Ouro, dono de um Bafta e de diversos prêmios da crítica norte-americana, já foi apontado como um dos cem maiores astros de todos os tempos, e também como um dos mais sexies. Primo distante do Príncipe Charles, estrelou três longas vencedores do Oscar de Melhor Filme – além de ter aparecido em outros três indicados ao prêmio máximo do cinema mundial. Como se percebe, não é só talento que Ralph Fiennes tem de sobra, mas também um gosto afiado ao escolher cada um dos seus projetos. É por isso que, em comemoração ao seu aniversário nesse 22 de dezembro, apontar apenas seus cinco papéis mais marcantes foi uma tarefa difícil. Tanto que acabou sobrando mais um extra, que merece ser (re)descoberto. Confira!
A Lista de Schindler (Schindler’s List, 1993)
– por Rodrigo de Oliveira
Diferente de seus longas-metragens anteriores, nos quais Steven Spielberg buscava o abraço da plateia, desta vez o diretor não se importou em afagar o público. Muito pelo contrário. Em tom documental, aqui apresenta sequências que chocam, que causam náuseas, que nos deixam boquiabertos pela falta de humanidade em um capítulo dos mais vergonhosos da nossa história, o holocausto. No elenco, temos duas performances definidoras de carreira. E é curioso que Spielberg tenha escolhido atores visualmente tão parecidos para interpretar Oskar Schindler e Amon Goeth, quase como se fossem faces diferentes de uma mesma moeda. Liam Neeson e Ralph Fiennes foram indicados ao Oscar por suas performances e entregam atuações memoráveis. Ambos passam por jornadas de metamorfose. Ralph Fiennes, que vive um ser insensível e incontestavelmente sanguinário, tem tarefa mais difícil que seu parceiro de elenco. Influenciado por Schindler e por alguma deturpada afeição por sua empregada judia, Goeth tem momentos de dúvida sobre seu papel naquele episódio. Ele não busca ser mais humano. Pelo contrário. Seu objetivo é ser divino, e Schindler observa muito bem isso, alimentando o ego do pretenso amigo. Mas qualquer transformação ali seria dificílima, senão impossível. Grande atuação, merecidamente lembrada pela Academia.
O Paciente Inglês (The English Patient, 1996)
– por Conrado Heoli
Temos aqui um daqueles filmes feitos na medida para arrebatar prêmios: drama histórico ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, apresenta um romance trágico protagonizado por grandes atores europeus a partir de um roteiro desenvolvido ao longo de quase três horas de duração e baseado em um best-seller. O personagem-título é representado numa soberba performance de Ralph Fiennes, ainda no início de sua carreira nos cinemas, mas já reconhecido como o excepcional ator que é. Ele pode ter saído de mãos vazias do Oscar, mas o longa-metragem delicadamente dirigido por Anthony Minguella recebeu outras nove estatuetas, incluindo a de Melhor Filme. Adaptação do romance de Michael Ondaatje, o filme ainda conta com Juliette Binoche e Kristin Scott Thomas numa rica, complexa e envolvente trama que se divide entre um conto de amor e uma aventura de suspense, em que temas como honra, guerra, traição, nacionalidade, identidade e perdão ecoam em proporções épicas. Em um filme que depende tanto das nuances de seu elenco quanto de outros atributos estéticos e narrativos, Fiennes imprime verdade em uma atuação minimalista, repleta de não ditos e olhares; seu talento inclina o longa para um estudo deste personagem, seu romance e sua vida.
Fim de Caso (The End of the Affair, 1999)
– por Marcelo Müller
Ralph Fiennes sempre confere certa austeridade a seus personagens, atributo que faz deles praticamente imperturbáveis, quando o contexto assim determina, ou ainda mais sensíveis, em virtude do contraste que então se desenha conforme a ocasião. Neste longa-metragem dirigido pelo irlandês Neil Jordan, Fiennes vive um escritor que se apaixona pela esposa de um funcionário público. Ambientado durante a Segunda Guerra Mundial, este melodrama de tintas carregadas, cujas emoções são dosadas milimetricamente pela condução de um cineasta que realmente sabe explorar as potencialidades dramáticas do amor e da tragédia, possui momentos de grande intensidade. Fiennes interpreta o protagonista, ressaltando a sua obsessão pela mulher desejada, algo ampliado quando reencontra o ex-rival. Numa trama marcada por idas e vindas, centrada num relacionamento interditado, inclusive pela religiosidade da personagem de Julianne Moore, Fiennes transita por momentos distintos, quando não completamente díspares. A determinação, característica reforçada após a conquista, gradativamente dá lugar à insegurança em meio a uma paixão complicada, embora tórrida. Apenas um ator com a envergadura artística de Fiennes poderia dar vida com tantas nuances a esse homem atormentado pelos desígnios de um amor alheio às regras sociais, porém, infelizmente, subordinado a elas, como todos os demais relacionamentos.
Spider: Desafie sua Mente (Spider, 2002)
– por Matheus Bonez
Que David Cronenberg tem um gosto peculiar pela psique humana, isso é chover no molhado. Se todas suas obras falam disso, não seria diferente com este título, por menos experimental que ele seja em relação a outros filmes do diretor. Assim, acompanhamos as perturbações de Dennis (Ralph Fiennes), um homem que ficou 20 anos em uma instituição para deficientes mentais e agora retorna ao bairro onde passou a infância. É lá que ele começa a revisitar suas memórias um tanto desconexas do passado trágico que envolve o pai (Gabriel Byrne), a mãe e a madrasta, uma prostituta (com Miranda Richardson na pele de ambas). O nosso homenageado dá mais um show de atuação num de seus papéis favoritos, o de alguém introspectivo. Mas aqui, consegue ir muito além graças à esquizofrenia de seu personagem, que tinha como hobby formar fios de teia (não à toa o apelido que dá título à obra). É um rompante melhor que o outro. Todos críveis, ainda por cima, chegando a pensar que o próprio ator sofre do problema, de tão realista que a atuação chega ao espectador. O ator pode não ter sido lembrado em muitas premiações por esta atuação, mas pode ter certeza: é um dos papéis definitivos de sua carreira.
O Grande Hotel Budapeste (The Grand Budapest Hotel, 2014)
– por Leonardo Ribeiro
Com uma trajetória majoritariamente marcada por personagens de forte carga dramática, Ralph Fiennes sempre soube aproveitar ao máximo as esporádicas oportunidades de trabalhar sua veia cômica. Um dos melhores exemplos de sua outra faceta pode ser encontrado neste longa do diretor Wes Anderson, onde ele interpreta M. Gustave, o lendário concierge do hotel do título e protagonista da trama. Através das lembranças de um escritor (vivido em épocas distintas por Tom Wilkinson e Jude Law), Anderson apresenta as aventuras de Gustave às voltas com as peculiares figuras que habitavam o estabelecimento localizado na fictícia República de Zubrowka. Com seu traço estilístico inconfundível, o diretor cria um universo único, que encanta tanto pela exuberância estética quanto pela composição de personagens. Capitaneando um numeroso e renomado elenco (Bill Murray, Edward Norton, Tilda Swinton, Adrien Brody, Saoirse Ronan etc.), Fiennes domina cada uma de suas cenas, desenvolvendo um tipo cínico, metódico, hedonista e de comportamento muitas vezes questionável – vide os romances com hóspedes milionárias e octogenárias -, mas ainda dono de nobreza em seu espírito, como deixa clara a afetuosa relação mentor/aprendiz que desenvolve com o jovem mensageiro Zero (Tony Revolori). Uma atuação impecável e hilária, que lhe valeu uma indicação ao Globo de Ouro.
+1
Na Mira do Chefe (In Bruges, 2008)
– por Marina Paulista
Depois matar alguém por engano, o assassino de aluguel irlandês Ray (Colin Farrell) viaja, a mando de Harry, seu chefe (Ralph Fiennes), à bela cidade de Bruges, na Bélgica. Acompanhado pelo veterano Ken (Brendan Gleeson), que aprecia as pequenas férias numa cidade histórica cheia de pontos turísticos, Ray vê Bruges como uma espécie de inferno particular. Lidando com temas sombrios como a morte de uma criança, suicídio e o ambiente violento em que se inserem os personagens, o longa do diretor/roteirista Martin McDonagh é uma excelente comédia de humor negro; os diálogos e a violência exagerada servem como artifícios cômicos muitas vezes, mas a audiência se mantém interessada especialmente pela empatia inspirada por Ray, um personagem profundamente deprimido. Embora Fiennes não tenha tanto tempo em cena quanto Farrell ou Gleeson, a figura de Harry paira por toda a narrativa (como sugere o título em português), fazendo dele uma espécie de vilão num filme protagonizado também por bandidos. Capaz de proferir o que parecem ser centenas de palavrões numa mesma frase, Harry é um personagem hilário, um chefe implacável e, principalmente, alguém que tem uma fidelidade inacreditável a seus princípios.
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