Você pode conhecê-lo como o diretor de filmes gore e com humor sombrio dos anos 80 ou como o cineasta que comandou a trilogia mais bem-sucedida do Homem-Aranha nas telonas. Talvez saiba que ele é praticamente um irmão intelectual de Ethan e Joel Coen, um sujeito com paixão por protagonistas humanos e falhos. Ele é Sam Raimi, diretor, produtor e roteirista de mão cheia, um profissional da sétima arte que galgou degrau por degrau sua ascensão em Hollywood. Nascido em 23 de outubro de 1959, em Michigan, nos Estados Unidos, Raimi começou sua carreira logo cedo. Fascinado pelo cinema de horror, ganhou uma câmera do pai e filmava com seus amigos de colégio produções caseiras – dentre esses amigos, Bruce Campbell, que faria o protagonista de seu segundo longa, The Evil Dead: A Morte do Demônio (1981). O filme independente se tornou um clássico cult, rendendo duas sequências, uma série de televisão e uma legião de fãs. Seu namoro com os quadrinhos também se deu em tenra idade e seu sonho era adaptar um desses personagens para o cinema. Sem dinheiro para garantir direitos para tanto, resolveu criar o seu próprio herói. Assim surgiu Darkman: Vingança sem Rosto (1990), um verdadeiro laboratório para o que viria a ser seu maior sucesso, a trilogia Homem-Aranha. Mesmo que o terceiro filme, lançado em 2007, tenha ficado aquém das expectativas, os dois primeiros, lançados em 2002 e 2004, são tidos hoje como exemplares excepcionais de adaptações de quadrinhos. Alguns filmes pé no chão como Rápida e Mortal (1995), Um Plano Simples (1998) e Por Amor (1999) se destacam em sua carreira. Mas o habitat natural de Raimi é realmente o fantástico, com passeios pelo sobrenatural (O Dom da Premonição, 2000; Arraste-me para o Inferno, 2009) e pela fantasia (Oz: Mágico e Poderoso, 2013). Na semana do seu aniversário, o Papo de Cinema se reuniu para eleger os melhores filmes de Sam Raimi – e mais um, que merece ser revisitado. Confira!
Sam Raimi tinha apenas 20 anos quando se juntou a Bruce Campbell, seu amigo de colégio, para filmar o que acabou se transformando em um dos maiores clássicos cult do horror. Com um orçamento baixíssimo, uma produção cheia de contratempos, uma porção de erros de continuidade e efeitos especiais que podem parecer ridículos para o espectador de hoje, este filme exala amadorismo e improviso, mas ajudou a moldar o cinema de horror na década de 80. Este é apenas o segundo longa de Raimi, mas o talento do diretor é visível, especialmente na criatividade com a qual ele conduz o filme; há um evidente cuidado por trás de cada plano, particularmente nas decisões de como e quando posicionar e movimentar sua câmera, o que cria uma atmosfera de terror que funciona muito bem até hoje. Numa combinação certeira de gore exagerado e humor negro, este filme talvez não assuste mais o público acostumado às obras mais recentes do gênero – que Raimi certamente influenciou, direta ou indiretamente –, mas continua proporcionando uma experiência divertida, além de ser simplesmente obrigatório para qualquer fã de filmes de terror. – por Marina Paulista
Na ficção nenhum plano é simples, especialmente quando um crime é envolvido. Então quando o destino apresenta um pequeno avião caído no meio da muita neve de Minnesota, aeronave que abriga uma maleta com 4 milhões de dólares, o fazendeiro Hank (Bill Paxton), seu irmão Jacob (Billy Bob Thornton) e um amigo Lou (Brent Briscoe) sequer deveriam pensar em manter o dinheiro entre eles. Enquanto argumentam sobre como utilizar suas novas fortunas sem levantar a suspeita de amigos e familiares, e desesperadamente desviando dos crimes que antecedem e seguem sua descoberta, eles percebem a carência de algo crucial para o êxito deste plano simples: honestidade. Trabalho injustamente subestimado na filmografia de Sam Raimi, este suspense envolvente conta uma velha história sobre desonra entre ladrões, aqui transformada em uma narrativa fresca, envolvente e muito segura. A ambientação em meio às paisagens de neve e a caracterização dos personagens ambíguos, assim como as reviravoltas da trama, deixam este thriller ainda mais irresistível. Com o rigor de um silogismo filosófico sobre as lutas internas e morais de cada um, eis uma obra imperdível de Raimi, na qual o cineasta reitera todo seu talento na condução magistral e econômica de um roteiro brilhantemente orquestrado. – por Conrado Heoli
Esta produção co-roteirizada pelo ator Billy Bob Thorton, baseada em memórias de sua própria mãe, traz a história de Annie, uma mãe de três crianças e viúva. Sensitiva, certo dia ela prevê a morte de uma jovem (Katie Holmes), porém quando a previsão parece se concretizar e a polícia não encontra o corpo da garota, Annie acaba se tornando a principal peça para encontrar o assassino. Junto disso, ela ainda precisa encarar os olhares da população da pequena cidade que se tornam ainda mais julgadores de suas ações e do seu dom místico e espiritual. Trabalhando com um tom de suspense que em alguns momentos oscila para um viés hitchcockiano, Sam Raimi nos guia por uma história que trata fundamentalmente de relacionamentos abusivos e da violência contra as mulheres, aliado a incríveis performances de grandes nomes como Cate Blanchett, Hilary Swank, Katie Holmes, Giovanni Ribisi e Keanu Reeves. Sem grande sucesso nas bilheterias, lucrou apenas 12 milhões de dólares com um orçamento de 10 milhões, ainda assim é um exemplo de que Sam Raimi consegue conduzir uma trama impactante repleta de nuances psicológicas sutis sem deixar de lado o suspense característico de seus mais emblemáticos filmes. – por Renato Cabral
Sam Raimi retorna ao segundo episódio da franquia do amigão da vizinhança, aparando as arestas do longa anterior e refinando a mescla quase perfeita de humor, romance e aventura. Nessa continuação, Peter Parker (Tobey Maguire) segue dividido entre a vida comum, trabalhando como entregador de pizzas, e o combate ao crime como Homem-Aranha, até que um novo supervilão, Dr. Octopus (Alfred Molina, ótimo), cruza seu caminho. Com o passado do herói já estabelecido, Raimi foca na construção de seu cotidiano, aproximando-o ainda mais do público. O timing certeiro das piadas e a atuação desenvolta de Maguire contribuem para o sucesso do filme, assim como o dilema amoroso envolvendo Mary Jane (Kirsten Dunst) e uma melhor construção do antagonismo com o vilão, que também possui um arco dramático interessante. Além desses aprimoramentos, Raimi mantém seu exímio apuro estético na concepção cartunesca do universo do teioso, com cores vibrantes e planos inusitados. Se aproveitando de um maior orçamento e de efeitos visuais mais bem acabados, o cineasta amplifica o escopo das excepcionais sequências de ação, como a antológica cena do metrô desgovernado, que captura com precisão o espírito das HQs do personagem. Sem dúvidas uma das mais exemplares adaptações de quadrinhos já feitas. – por Leonardo Ribeiro
Depois de anos dedicados à franquia Homem-Aranha, Sam Raimi retornou às suas origens no terror trash com esse projeto, que também funciona como uma bela homenagem ao estilo em que o cineasta construiu a carreira. Ambiciosa funcionária que almeja um cargo mais alto, Christine Brown (Alison Lohman), certo dia, nega uma extensão no prazo de pagamento de uma tal Senhora Ganush (Lorna Raver). Sentindo-se humilhada, a cigana a ataca e a amaldiçoa. A partir de então, Christine começa a ser perseguida por visões de uma entidade demoníaca que, segundo descobre, gosta de atormentar as suas vítimas antes de vir buscar suas almas. Sem poupar o espectador de todo o tipo de bizarrice que o sub-gênero pode prover, Sam Raimi investe em fluídos corporais, pedaços de cadáveres e animais possuídos para construir a atmosfera do horror vivido pela protagonista – que se torna engraçado para o espectador. Tanta nojeira e violência sem muitos pudores, tornam o longa-metragem não só divertido por si só, como também remetem aos primeiros filmes de seu diretor (em especial, Uma Noite Alucinante 2, 1987). E se não por mais nada, essa revisita ao trash vale a pena ao menos pela cena que acompanha uma briga dentro de um carro. – por Yuri Corrêa
Darkman: Vingança sem Rosto (Darkman, 1990)
Muito antes de comandar a primeira trilogia Homem-Aranha, Sam Raimi já havia adentrado no universo de heróis e vilões com essa aventura. Inspirado em personagens como O Sombra e Spirit, o cineasta criou um vigilante desfigurado que busca a desforra contra os homens que arruinaram sua vida. O personagem surgiu da vontade de Raimi em querer adaptar um personagem dos quadrinhos para o cinema. Quando não conseguiu os direitos para tanto, resolveu criar o seu próprio. Curiosamente, Darkman acabou fazendo o caminho contrário. Surgiu no cinema e, depois, devido ao sucesso e do crescente status cult, migrou para os quadrinhos, em séries da Marvel Comics. Quem gosta da obra do início da carreira do diretor, vai encontrar em Darkman aquele mesmo estilo de cinema. Uma propensão para o gore, senso de humor negro, soluções caseiras para efeitos especiais intrincados. É bom lembrar que o longa-metragem em questão foi realizado antes da revolução dos efeitos visuais nos anos 90. Portanto, o que vemos ali são trucagens muito bem realizadas para a época, um tempo onde era necessária a criatividade para conseguir convencer a plateia. Neste quesito, a maquiagem realizada em Liam Neeson é de primeira qualidade, impressionando pela veracidade. – por Rodrigo de Oliveira