Ator, roteirista, diretor, produtor. Selton Mello atua em todas as frentes no ramo audiovisual. Talento que não vem de hoje. Mineiro da cidade de Passos, ainda pequeno se mudou com a família para São Paulo. Começou a carreira bem cedo, aos sete anos, ainda na televisão, na novela Dona Santa (1979). Sua estreia como intérprete nos cinemas viria apena 11 anos depois, mas neste ínterim, também ficou famoso por suas diversas dublagens. Após sucessos consecutivos na telinha, assumiu de ver sua porção cinematográfica engatando uma produção atrás da outra, mesclando trabalhos de grande apelo popular até os mais autorais. Da junção destes extremos também realizou um dos grandes sucessos de bilheteria do cinema brasileiro dos últimos, O Palhaço (2011), trabalho que também lhe rendeu diversos prêmios a escolha do Brasil para representar o Oscar naquela época. Com 39 prêmios no currículo e outras 27 indicações, Mello já provou seu talento várias vezes. Não que precise mais. Por conta de seu aniversário no dia 30 de dezembro, a equipe do Papo de Cinema selecionou cinco dos seus melhores trabalhos e mais um que recebe menção especial. Confira!
– por Robledo Milani
Se o Brasil já reconhecia Selton Mello como uma criança prodígio da televisão e comediante bem sucedido em projetos como O Auto da Compadecida (2000), foi somente com esse drama singular dirigido por Luiz Fernando Carvalho (até hoje sua única experiência no cinema) que foi possível perceber seu incrível potencial dramático. Como o filho rebelde do severo pai interpretado por um enérgico Raul Cortez, Mello se situa no meio de uma família de relações conturbadas, entre a irmã desesperada para fugir da submissão masculina e dos irmãos que, em conjunto, representam as diversas facetas do homem em formação. Temas nada fáceis, como incesto e tirania, são expostos em diálogos difíceis e em verdadeiros embates interpretativos, em que cada um em cena precisou se esforçar ao máximo para estar à altura do texto adaptado do clássico de Raduan Nassar. E se o elenco todo prima pela excelência, foi justamente nos ombros de Selton Mello que recaiu a maior responsabilidade, tarefa que executou com muita competência, rendendo-lhe indicações ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e ao Guarani , além de troféus nos festivais de Brasília, Havana e Lima, entre outros. A partir daí, o rapaz estava pronto para voos muito maiores.
– por Matheus Bonez
Guel Arraes é um diretor que sabe olhar o nordeste brasileiro com bom humor, indo na contramão de muitos detratores do cinema brasileiro que acredita que a parte “de cima” do país é só fome, miséria e, talvez, eventos festivos. Pois após a versão cinematográfica da série televisiva O Auto da Compadecida (2000), com este exemplar o cineasta realizou sua primeira produção efetiva para as telonas. E seu protagonista não poderia ser outro se não o nosso homenageado, com quem o cineasta já havia trabalhado anteriormente na televisão. Aqui Selton Mello vive o divertido trambiqueiro Leléu, um homem que muda de profissão e personalidade a cada parada do seu caminhão em uma cidade diferente. O mulherengo só quer saber de festa, dinheiro e moças bonitas, mas enquanto foge de um marido enfurecido (Marco Nanini), acaba se apaixonado por Lisbela (Débora Falabella), filha do tenente da polícia e que está de casamento marcado. Ou seja, confusão é o que não falta na vida deste (quase) mocinho. A atuação de Mello, natural por si só, ganha ainda mais reforços com seu timing cômico que casa perfeitamente com as tiradas do roteiro e as estripulias causadas pelo seu personagem. Rir com inteligência faz bem, algo que ator coloca à prova aqui e passa muito acima da média no teste.
– por Marcelo Müller
Nesta comédia de humor negro, adaptada do romance homônimo de Lourenço Mutarelli, Selton Mello interpreta o dono de uma loja que compra e vende objetos usados. Sempre buscando tirar vantagem, esse homem não se importa em humilhar pessoas com sérias dificuldades financeiras, regozijando-se em meio ao jogo perverso que estabelece com o desespero alheio. O personagem, a priori desprezível, que espezinha gente claramente necessitada, só ganha nossa simpatia por conta da maneira com que Selton Mello o constrói, tornando-o uma figura humana repleta de contradições e complexidades, muito distante da vilania unidimensional ou algo que a valha. Perturbado pelo crescente cheiro podre que o ralo do escritório exala, ele é confrontado pelos clientes, ao passo em que se sente cada vez mais fragilizado, sobretudo em virtude da paixão avassaladora sentida pela bunda da atendente de onde ele costumeiramente faz as refeições. Dirigido por Heitor Dhalia, neste que vem a ser o segundo longa-metragem do diretor, Selton mostra outra faceta que atesta sua versatilidade, a da criação de um tipo que beira a caricatura, contudo sem nunca perder a humanidade e, tampouco, o elo com a realidade.
– por Robledo Milani
Selton Mello já era um astro consagrado quando aceitou interpretar o protagonista deste drama inspirado em fatos reais. Havia estreado recentemente como diretor (Feliz Natal, 2008), estrelado sucessos de bilheteria (Lisbela e o Prisioneiro, 2003) e atuado em dramas premiados (Meu Nome Não é Johnny, 2008). Nada mais havia a provar, nem sua versatilidade, muito menos seu talento enquanto artista. Então, o que deve ter lhe atraído nessa história? Muito provavelmente tenha sido o oposto destes elementos, ou seja, a absurda simplicidade de um homem que sonhava mais e pagou um alto preço por isso, pelo simples fato de estar no lugar e no momento errados. Jean Charles de Menezes era um jovem mineiro que foi para Londres em busca de mais sorte na vida. Longe de ser santo, acabou sendo confundido com um terrorista muçulmano, e por isso acabou morto, em um erro crasso da polícia inglesa. O episódio alcançou repercussão internacional, mas Mello é inteligente o suficiente para buscar o ser humano por trás de toda essa polêmica, oferecendo ao público uma composição sutil e bastante delicada. E, com menos, ele mostrou novamente ser capaz de muito mais!
– por Leonardo Ribeiro
Depois de estrear como diretor de longas com Feliz Natal (2008), Selton Mello retornou à função neste trabalho que se difere bastante do anterior em quase todos os aspectos, do gênero à estética. A história acompanha Benjamim (Mello) que forma a dupla de palhaços Pangaré & Puro Sangue com seu pai, Valdemar (o grande Paulo José), dono do Circo Esperança. Cansado da rotina e incerto sobre sua vocação para o picadeiro, Benjamim irá transformar a turnê com sua trupe em uma jornada de autodescoberta. Partindo do arquétipo do palhaço que proporciona o riso, mas não consegue sorrir, Mello constrói uma fábula bastante sensível e sincera, que se transforma em uma grande homenagem ao ofício do humorista, e do artista de modo geral. A fotografia e a direção de arte cuidadosas ajudam Mello na criação deste universo com toques fellinianos e chaplinianos, ao mesmo tempo bem-humorado e comovente, em que a escolha do elenco é outro ponto alto, com participações especiais de nomes como Jorge Loredo, Moacyr Franco e Ferrugem. No papel principal, Mello apresenta uma atuação contida, mas marcante, que realça a melancolia de Benjamin de maneira bastante singela e emotiva, ditando o tom de seu trabalho seguro na direção.
– por Rodrigo de Oliveira
A estreia de Selton Mello como diretor de cinema é tão interessante quanto inusitada. Inspirado no cinema independente norte-americano dos anos 70 – mais exatamente no trabalho do também ator/diretor John Cassavetes – o então novato cineasta traz uma história fria, pessimista e, por que não dizer, muito real. Caio é dono de um ferro velho e está morando no interior. Na véspera do Natal, ele decide visitar seus parentes na cidade. Ao chegar lá, encontra uma família em ruínas, cheia de ressentimentos. Um fato no seu passado pode ser o motivo de toda esta infelicidade. Mas existe um motivo estanque para uma família ruir? O roteiro assinado por Selton Mello e Marcelo Vindicatto é interessante por não dar respostas fáceis para o público. Mostrando ser um bom diretor de atores, Mello consegue extrair ótimas performances de um elenco não tão acostumado a trabalhar textos dramáticos. É o caso de Graziela Moretto e, principalmente, Lúcio Mauro, que está excelente como o triste homem de terceira idade que possui uma relação hostil com seu filho. Feliz Natal é uma inspirada estreia do ator como cineasta. Mostra talento e coragem ao começar uma nova carreira com um filme amargo, longe do que estávamos acostumados a conferir vindo do artista.