O mestre Sidney Lumet é mais um dos tantos exemplos de como pode ser injusta a festa da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Como pode um diretor que assinou filmes como 12 Homens e uma Sentença (1957), Um Dia de Cão (1975), Rede de Intrigas (1976) e O Veredicto (1983) – só para citar alguns – nunca ter vencido o Oscar por estas obras-primas? A indicação veio por estes filmes, mas nunca a estatueta. O cineasta norte-americano, nascido em 25 de junho de 1924, recebeu o cobiçado troféu em 2005, mas como uma homenagem ao conjunto da obra – um mea culpa da Academia. Felizmente, ele recebeu essa honraria em vida, tendo prestado serviços irreparáveis para a história do cinema por mais de 60 anos.
Tendo trabalhado com grandes astros como Henry Fonda, Al Pacino, Paul Newman, Sean Connery, Ingrid Bergman, Marlon Brando, Katharine Hepburn, Sophia Loren, Michael Caine, Philip Seymour Hoffman, entre tantos outros, o diretor era um dos nomes mais respeitados da indústria, trazendo sua visão um tanto irônica, um tanto naturalista a respeito de seus personagens, retratando de forma muito próxima a nossa sociedade. Falecido em 09 de abril de 2011, Sidney Lumet deixou um legado cinematográfico incontestável e, relembrando o grande cineasta, o Papo de Cinema separou cinco obras imperdíveis de sua carreira – e mais uma, que costuma não ser muito lembrada pelo grande público. Confira!
12 Homens e uma Sentença (12 Angry Men, 1957)
Uma sala. Doze pessoas. Um roteiro baseado no diálogo dos personagens. Com toda sua experiência teatral, Sidney Lumet conseguiu realizar um filme que se passa em apenas um ambiente e torná-lo não apenas interessante, mas um dos grandes da história. A sinopse não poderia ser mais simples: doze jurados precisam decidir se um jovem suspeito de assassinar o pai é culpado ou não. Onze querem condená-lo. Apenas um deles, o número 8 (Henry Fonda, excepcional) não tem tanta certeza assim e começa a questionar a possível inocência do réu. E a partir disso, os outros personagens começam a argumentar e se perguntar, revelando como as próprias experiências tornam pessoal (e até banal) uma decisão tão importante. Lumet faz aqui um retrato da natureza humana sem artifícios, buscando revelar através das palavras de seus personagens o quanto vivemos com ideais hipócritas de moral e ética distorcidos. Aquela sala poderia muito se transformar nas redes sociais de hoje, onde tanto pipocam condenações sobre o outro sem ao menos tentar entender ou sequer saber do que se está falando. É justamente por esta simplicidade na ideia inicial – e que acaba se tornando tão profunda ao seu desenrolar – que o longa do diretor se tornou atemporal e um dos melhores da cinematografia mundial. Essencial. – por Matheus Bonez
Sérpico (Serpico, 1973)
Inspirado em uma história real, adaptada do livro de Peter Maas, o filme conta a trajetória de Paco, o oficial Frank Serpico, um cadete recém formado na academia da polícia. Distanciando-se da imagem tradicional de durão e rabugento, o personagem, construído com talento por Al Pacino, apaixona-se por uma bailarina, gosta de ópera e cultiva a jardinagem. Ao comportamento excêntrico soma-se um rígido conjunto de valores. A postura moral, intocada durante o combate diário nas violentas ruas de Nova York, implode justamente a partir do momento em que Paco recebe um envelope contendo dinheiro. Como uma instituição indigna pode garantir a dignidade das pessoas? Na tentativa de desmascarar a sujeira por trás da polícia norte-americana Sérpico percebe aos poucos não se tratar de uma questão pontual, mas de uma luta de Davi contra Golias. “O sistema todo é corrupto”, esbraveja ao perceber o ódio e o risco despertados pela sua causa. Vencedor do Globo de Ouro de melhor filme e indicado a dois Oscar – um pela atuação irretocável de Pacino – Sérpico tornou-se um clássico indiscutível. Thriller obrigatório para os amantes do mundo policial. – por Willian Silveira
Um Dia de Cão (Dog Day Afternoon, 1975)
Depois de Sérpico (1973), Sidney Lumet e Al Pacino refizeram a parceria neste longa indicado a 6 Oscars que se tornou um dos mais emblemáticos do cinema norte-americano da década de 1970. A história, baseada em fatos, acompanha uma tentativa de assalto a banco que, após diversos contratempos, acaba se transformando em um verdadeiro espetáculo midiático, com os ladrões, Sonny (Pacino) e Sal (John Cazale), cercados pela polícia e mantendo reféns por horas dentro da agência. Filmando com a urgência que marcou a era da Nova Hollywood, em tom quase documental e repleto de improviso, Lumet cria uma obra extremamente complexa que explora diversos temas que vão da Guerra do Vietnã ao poder da mídia. O cineasta também desafia tabus ao tratar de um amor gay, já que o motivo do assalto é conseguir dinheiro para a operação de mudança de sexo de Leon (Chris Sarandon), amante de Sonny. Mesclando com primazia o humor, o drama e a tensão, e contando com o talento de seu magnífico elenco, Lumet entrega momentos antológicos, como o delicado diálogo ao telefone entre Sonny e Leon ou a famosa cena em que Pacino incita a população com o grito de “Attica! Attica!”. Uma obra fundamental. – por Leonardo Ribeiro
Rede de Intrigas (Network, 1978)
É no mínimo curioso que este filme tenha sido lançado (e competido no Oscar) no mesmo ano de Todos os Homens do Presidente. Pois se Alan J. Pakula fez da história da cobertura do caso Watergate um filme icônico sobre o papel político do jornalismo na contemporaneidade, Sidney Lumet e o roteirista Paddy Chayefsky seguiram caminho inverso, apresentando o lado mais podre dessa profissão. O que a investigação dos repórteres do Washington Post em Todos os Homens do Presidente tem de apaixonante, as ações dos personagens de Rede de Intrigas têm de cínicas. O que um filme constrói, o outro destrói impiedosamente. Mas o que mais impressiona nessa terceira obra-prima seguida dirigida por Lumet nos anos 70 (após Sérpico e Um Dia de Cão) é o equilíbrio entre o exagero satírico de sua narrativa e o desenvolvimento crível dos dramas dos personagens de William Holden e Peter Finch. Partindo do riso anárquico, Lumet e Chayefsky conseguem chegar à tragédia, representada aqui pela influência midiática nos destinos individuais e coletivos. – por Wallace Andrioli
O Veredicto (The Verdict, 1982)
Na longa lista de bons filmes de tribunal, geralmente o que mais chama a atenção é a história narrada, o caso julgado. Porém, este filme não segue a regra. Sidney Lumet filma magistralmente o roteiro de David Mamet, baseado no livro de Barry Reed sobre o erro médico que compromete a vida de uma paciente. Negligência na medicina é sempre um tema importante, porém aqui a concepção artística apresentada pelo tratamento fílmico se destaca largamente. Lumet e equipe organizam a decupagem e a montagem do belo material captado conforme um harmônico trabalho de direção de arte e fotografia. Um bom exemplo é a abertura, quando é apresentado Frank (Paul Newman), um advogado falido em busca de sobrevivência. Outros são os cenários e a cenografia, que variam entre o elegante e o decadente, dialogando com personagens igualmente polares cujas trajetórias se alternam entre sucesso e derrota. Planos, cenas, sequências e movimentações de câmera, bem como a cor do filme e o estudo de luz e sombra são especiais. Com ritmo narrativo bem mais lento do que o hiperfluxo dos atuais filmes de júri, O Veredicto possibilita uma experiência cinematográfica só possível quando estamos frente a grandes obras. – por Danilo Fantinel
+1
O Homem do Prego (The Pawnbroker, 1965)
Baseado no romance de Edward Lewis Wallant, o filme acompanha um morto ambulante. Sobrevivente do holocausto, o judeu Sol Nazerman (Rod Steiger) empurra sua vida com a barriga enquanto espera o dia em que deixará este mundo. Dono de uma casa de penhores, Sol sente falta da mulher e dos filhos e carrega cicatrizes profundas da época da Segunda Guerra Mundial. Seu ajudante na loja, o mexicano Jesus Ortiz (Jaime Sanchez), tem uma grande admiração pelo chefe. Um dia, no entanto, em uma explosão de fúria de Nazerman, Jesus encontra a desculpa perfeita para trair a sua confiança e arranjar um golpe para roubar seu dinheiro. Filmado em preto e branco e em locação, O Homem do Prego utiliza algumas das características da Nouvelle Vague francesa para construir sua narrativa. As câmeras passeiam pelas ruas de Nova York, em planos longos, capturando seus habitantes. Outro dado estilístico afim é a montagem. Transgressoramente picotada, a edição ganha características expressionistas, mostrando o que passa na mente de Sol Nazerman enquanto vive seus tediosos dias. É um olhar existencialista sobre um personagem que viveu um dos piores horrores da nossa história e que não consegue apagar o seu sofrimento e de seus entes queridos. – por Rodrigo de Oliveira
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