Ela é, indiscutivelmente, a mais internacional das estrelas brasileiras. Carmen Miranda pode ter vindo antes – mas como esquecer que ela era, na verdade, portuguesa de nascença? Fernanda Montenegro chegou a ser indicada ao Oscar e premiada em Berlim, enquanto que sua filha, Fernanda Torres, ganhou o cobiçado prêmio do Festival de Cannes, mas nenhuma das duas investiu de verdade em uma carreira em Hollywood. Com Sônia Braga foi – e tem sido – diferente. Desde o sucesso arrebatador dos seus primeiros filmes, ainda no Brasil, o mundo inteiro começou a prestar atenção nessa morena nascida no dia 8 de Junho em Maringá, no interior do Paraná. Dois dos longas que protagonizou por aqui estão entre as maiores bilheterias de todos os tempos do cinema nacional, outro foi indicado ao Oscar de Melhor Filme e ela própria já foi indicada três vezes ao Globo de Ouro, ganhou dois kikitos no Festival de Gramado e concorreu até ao Bafta – o prêmio máximo do cinema inglês. Sem falar de sua vitória inquestionável no Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro como Melhor Atriz do ano por Aquarius (2016) – e ela está concorrendo de novo neste ano, como como coadjuvante por Bacurau (2019). Em homenagem a data do seu aniversário, nós apontamos aqui seus cinco melhores trabalhos, aproveitando ainda para indicar mais um talvez não muito conhecido, mas ainda assim digno de nota. Confira!

 

Dona Flor e seus Dois Maridos (1976)
Adaptação do livro de Jorge Amado, deu à Sônia Braga um de seus papeis mais marcantes. Como Dona Flor, viúva que se casa com o farmacêutico Teodoro (Mauro Mendonça), mas que é pega de surpresa ao se ver na presença do espírito de seu falecido (e cara de pau) ex-marido, Vadinho (José Wilker), a atriz brasileira mostrou carisma e presença em cena admiráveis, além de um sex appeal que contribuía muito para tornar a personagem uma mulher irresistível. Isso em uma história que diverte ao brincar com a moral feminina, colocando a protagonista envolvida com dois homens e mostrando como ela se sente em uma relação como essa, ainda que um deles já esteja morto. O filme recebeu indicações ao Globo de Ouro e ao BAFTA na categoria de Melhor Filme Estrangeiro, mas mais interessante que isso é o fato de ser um dos maiores sucessos comerciais da nossa história, tendo sido por quase 35 anos a produção nacional mais assistida por aqui. Um recorde que só foi superado quando o Capitão Nascimento retornou à ação em Tropa de Elite 2 (2010). – por Thomas Boeira

 

A Dama do Lotação (1978)
Sônia Braga era um furacão de sensualidade na década de 1970. Com papeis de destaque na tevê e com o campeão de bilheteria Dona Flor e seus Dois Maridos no currículo, a atriz se revelou a grande estrela do Brasil da época. O que aconteceria então se o nosso principal sex symbol estrelasse a adaptação de um texto de Nelson Rodrigues, conhecido por suas histórias picantes, comandada por Neville d’Almeida, diretor com gosto por temáticas sensuais? Um grande sucesso, lógico. Tanto que este longa-metragem foi uma das maiores bilheterias do nosso cinema, adaptando a história da esposa violentada pelo marido na noite de núpcias, e que por isso acaba se fechando totalmente para ele. Como válvula de escape, ela passa a ter relações sexuais com homens que conhece no ônibus. Ainda que seja muito lembrado pelas inúmeras cenas de sexo, não é só isso que o espectador encontrará ao buscar por este clássico nacional. Sônia Braga é volúpia no lotação, mas muda completamente o registro ao se encontrar com o marido, interpretado por Nuno Leal Maia. Pelas boas performances e pela adaptação acertada, este título está à altura de um dos textos mais conhecidos de Nelson Rodrigues. – por Rodrigo de Oliveira

 

Gabriela Cravo e Canela (1983)
Sônia Braga já havia interpretado essa mesma personagem, oriunda das páginas de Jorge Amado, na novela exibida com muito sucesso em 1975. Difícil pensar em outra morena tão brejeira quanto ela dando vida à garota simples do sertão baiano que se muda para Ilhéus a fim de fugir da seca. Em 1983, Bruno Barreto, então um jovem que seguia os passos da família no ramo, resolveu transformar Gabriela em figura de cinema. O plano ambicioso contou com ninguém menos do que Marcello Mastroianni, um dos maiores atores do cinema mundial, na pele do turco para quem a protagonista vai trabalhar e com quem acaba se enrabichando. Apesar de ter sido filmado em Paraty, no Rio de Janeiro e em Garopaba, em Santa Catarina, mantém sua ambientação na Bahia. E divergências de produção à parte, entre outras escolhas que podem muito bem ser contestadas, o que importa aqui é celebrar a realização pelo que ela tem de mais acertado, ou seja, a escalação de Sônia Braga para, mais uma vez, viver aquela que ajudou a lhe trazer fama, inclusive internacional, sobretudo por mesclar sensualidade e molecagem, tornando-se, de alguma maneira, sinônimo de mulher genuinamente brasileira. – por Marcelo Müller

 

O Beijo da Mulher Aranha (Kiss of the Spider Woman, 1985)
A adaptação cinematográfica da obra literária de Manuel Puig por Hector Babenco tem um enredo forte por si só ao abordar sexualidade e ditadura com a trajetória dos presos Luis Molina (William Hurt) e Valentin (Raul Julia). O primeiro, homossexual assumido, tem alucinações com a história da tal Mulher Aranha do título (Sônia Braga) e inventa um caso de espionagem com nazistas, ao passo que Valentin é torturado constantemente para entregar seus colegas. O longa compreende um estudo muito interessante sobre metalinguagem e, mesmo com as excelentes atuações da dupla de protagonistas, é na fantasia estrelada pela atriz brasileira que a produção ganha ainda mais o espectador. Excepcional, Sônia Braga se divide entre a Mulher Aranha, Leni, a espiã, e Marta, o amor de Valentin na vida “real”. A intérprete domina quadro por quadro, deixando o público com mais desejo por suas diferentes personagens Afinal, cada uma delas, especialmente a espiã, renderiam belos filmes próprios. A atuação (ou seriam “atuações”?) rendeu sua primeira indicação ao Globo de Ouro como Melhor Atriz Coadjuvante. Não levou o ouro, mas marcou história. – por Matheus Bonez

 

Aquarius (2016)
Quando estava há mais de uma década sem participar de um filme no Brasil – o último havia sido Memórias Póstumas (2001), de André Klotzel – Sonia Braga foi chamada para ser a protagonista absoluta de Aquarius, segundo longa ficcional de Kleber Mendonça Filho, cineasta que havia conquistado a atenção de todos alguns anos antes com O Som ao Redor (2012). A escolha, que num primeiro momento pareceu inusitada, acabou resultando na tela como uma união de almas, funcionando tão bem que acabou se repetindo no projeto seguinte de ambos, o igualmente bem-sucedido Bacurau (2019). No papel de Clara, Braga dá vida a uma mulher livre e independente, que convive tão bem com suas memórias como com seus planos para o futuro. Morando sozinha no edifício Aquarius, na Praia da Boa Viagem, em Recife, ela passa a ser vítima de assédio moral de uma construtora que deseja comprar seu apartamento para derrubar o prédio e construir um edifício de proporções gigantescas em uma posição privilegiada da cidade. Ela, no entanto, não quer apenas manter sua casa: está disposta a lutar pelo seu próprio estilo de vida. Resistência é a palavra de ordem em um trabalho impactante, que foi selecionado para o Festival de Cannes, foi o grande vencedor do Prêmio Guarani (9 vitórias, inclusive Melhor Filme, Direção e Atriz) e rendeu para a protagonista os troféus do Premio Platino (o Oscar ibero-americano) e do Premio Fenix (o Oscar sul-americano), nos festivais de Biarritz, de Lima e de Mar del Plata, e pelas associações de críticos de cinema do Novo México e de San Diego, ambos nos EUA. – por Robledo Milani

 

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Tieta do Agreste (1996)
Tieta (Sônia Braga) acabou de perder o marido bem abastado e volta para sua pequena cidade natal com a enteada, Leonora (Cláudia Abreu), à tiracolo. Cheia da grana e charme, a influente viúva faz de sua chegada um acontecimento e logo volta a despertar a inveja da irmã carola, Perpétua (Marília Pêra, excelente no papel). Movimentando a vida pacata dos habitantes, Tieta logo começa obras num mangue seco perto dali, manda instalar energia elétrica na cidadezinha, se envolve com o próprio sobrinho, que é padre (!), enquanto passa a fazer negócios com o pai e com um coronel casca dura que parece mandar em uma porção de gente. Emprestando a sua sensualidade e irreverência habituais a uma personagem naturalmente expansiva, Sônia Braga é dona de quase todos os melhores momentos deste drama/comédia/romance que representa, em uma reflexão mais apurada, um estilo que só o cinema brasileiro consegue ser capaz de realizar: um que navega entre diversos estilos sem parecer uma miscelânea indecisa de tons, mas, sim, um reflexo da vida do brasileiro comum. O filme de Carlos Diegues baseado no livro de Jorge Amado é divertido e lembra muitas vezes o humor ágil de Ariano Suassuna. – por Yuri Correa

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