Considerado um dos maiores cineastas da história, Stanley Kubrick deixou sua marca em obras inesquecíveis que analisavam o comportamento do ser humano, seja através do drama, da comédia, do suspense. Assim como Alfred Hitchcock, entre outros “grandões” da sétima arte, foi um dos eternos injustiçados pelo Oscar. Só recebeu o prêmio uma vez, na categoria de Efeitos Especiais, por 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968).
Falecido em 7 de março de 1999, o garoto do Bronx completaria 86 anos no dia 26 de julho de 2014. E claro que para homenageá-lo, a equipe do Papo de Cinema resolveu eleger seus cinco melhores filmes – e mais um que merece ser lembrado. Como é de praxe falar aqui no 5+1 quando nosso eleito é alguém tão importante e cheio de obras inesquecíveis, não estranhe se produções como Spartacus (1960) ou Nascido para Matar (1987) não estiverem na lista. Kubrick mereceria um Top 10, no mínimo.
Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb, 1964)
Por Matheus Bonez
Mestre da narrativa, Stanley Kubrick já era figura carimbada em Hollywood por dramas densos, épicos históricos e suspenses psicológicos. Porém, foi com Dr. Fantástico que o cineasta provou ser também sua excelência na comédia. É claro, ao modo Kubrick de ser. E, na década de 1960, o que melhor para se tirar sarro do que a Guerra Fria? Com o mundo polarizado no embate silencioso entre os EUA e a então União Soviética, o diretor apostou num roteiro que satirizava a questão a partir do lançamento da “Máquina do Juízo Final”, que cobriria toda a Terra com uma nuvem radioativa durante 93 anos. O filme se passa em três ambientes: a sala de guerra onde ocorre a discussão se os EUA devem atacar a URSS; a base militar onde se encontra um general ensandecido e o avião militar que carrega a bomba. Com um humor negro que lembra muito Charles Chaplin e seu O Grande Ditador (1940), Kubrick reforça a comédia com a presença do genial e divertido Peter Sellers em três papéis diferentes: o Capitão Mandrake, o Presidente Muffly e o Dr. Strangelove do título original. Não à toa sua atuação foi indicada a vários prêmios, inclusive ao Oscar de Melhor Ator. A produção ainda foi lembrada a Melhor Filme, Melhor Direção e Melhor Roteiro Adaptado. Detalhes que se tornam até pequenos mediante a grandiosidade de um longa tão recheado de ironias quanto este.
2001: Uma Odisséia no Espaço (2001: A Space Odyssey, 1968)
Por Dimas Tadeu
Pouca gente consegue aglutinar cinema e filosofia como Kubrick. E 2001: Uma Odisséia no Espaço, considerado por muitos sua obra-prima, é a prova concreta disso. Em termos de cinema, o filme lança um pilar que sustenta grande parte do imaginário da ficção científica até os dias de hoje. Inacreditavelmente concebido em 1968, suas cores, sua trilha sonora, os ambientes estéreis, a direção “sem gravidade” e os temas abordados são recorrentes em filmes atuais do gênero. Em termos de filosofia, o cineasta eleva sua profissão a um novo patamar ao resumir milhões de anos de evolução humana em um corte seco que transforma um osso em uma nave espacial e a imagem em veículo do pensamento. Ao fim do filme, Kubrick dará a esta mesma evolução um aspecto cíclico, indo de Nietzsche às filosofias orientais (e o uso do poema sinfônico “Assim falou Zaratustra“, de Richard Strauss, como trilha, não é por acaso) e provando que o cinema, mais do que entretenimento, pode ser arte plena.
Laranja Mecânica (A Clockwork Orange, 1971)
Por Conrado Heoli
A obra de Stanley Kubrick é repleta de cenas antológicas, daquelas que permeiam não apenas a cinematografia do diretor, mas toda a história da sétima arte. O osso que se transforma em nave espacial na elipse de 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968) ou o psicótico Jack Torrance destruindo uma porta de madeira em O Iluminado (1980) são inesquecíveis, porém Laranja Mecânica (1971) é provavelmente o filme de Kubrick que possui as sequências de maior permanência no imaginário do cinéfilo; segmentos impressionantes e esteticamente irretocáveis. Baseado no icônico romance de Anthony Burgess, Laranja Mecânica é uma reflexão violenta sobre a violência. Uma sátira pungente e profética, que se debruça sobre questões como o crime e a punição, a redenção e o livre-arbítrio. Ainda mal compreendido por críticos, que condenam seu conteúdo explícito e impiedoso, Laranja Mecânica supervaloriza a fotografia magistral de John Alcott e permanece como um dos trabalhos mais influentes e socialmente significantes do realizador. Destaques para o Korova Milk Bar, inspirado em obras do escultor Allen Jones, e pelo uso sonoro de Beethoven e “Singin‘ in the Rain” – canção que nunca mais reencontrou o significado delicado apresentado em Cantando na Chuva (1952).
O Iluminado (The Shining, 1980)
Por Renato Cabral
Não é por nada que Stanley Kubrick é considerado um dos mestres da sétima arte. O diretor americano caminha por diversos gêneros cinematográficos durante sua carreira. Passa pelo noir, épico, comédia, filme de guerra, filme histórico, e ainda experimenta o terror e o suspense psicológico em O Iluminado, adaptação para as telas do best-seller de Stephen King. Estrelado por Jack Nicholson e Shelley Duvall, a produção é considerada uma das mais assustadoras da história do cinema e apresenta a história de um aspirante a escritor que consegue um emprego de vigia em um hotel, que entra em férias coletivas, completamente afastado da cidade. Com a chegada de uma nevasca e isolado com a família, o filho do casal começa a ter visões e um quarto misterioso é aberto, desencadeando uma série de eventos sobrenaturais. Além de um dos mais excepcionais trabalhos de Kubrick, O Iluminado apresenta a capacidade do diretor em criar materiais que rendem e trabalham em diversas camadas e códigos. Afinal, do filme nascem diversas teorias. Uma delas, e uma das mais curiosas, é que se você assistir o filme de trás para frente encontrará a mesma história. Sem falar as outras teorias da conspiração que sempre rondam o diretor. Um filme obrigatório para qualquer cinéfilo e apreciador de um terror que vai além do usual.
De Olhos Bem Fechados (Eyes Wide Shut, 1999)
Por Willian Silveira
Bill e Alice Harford (Tom Cruise e Nicole Kidman) formam um belo e bem-sucedido casal. A estabilidade de nove anos de casamento e a amável filha Helena propiciam o mais perseguido dos desejos modernos: ostentar a felicidade. Ao som aristocrático da suíte de Shostakovich, o médico e a curadora de arte se preparam para uma festa. Tudo é dourado na aparência. As cenas iniciais de De Olhos Bem Fechados, derradeira obra-prima de Stanley Kubrick, esculpem a matéria a ser atacada no restante do filme. Casamento, fidelidade, confiança – desconfiança. O dinheiro esbarra no limite do sensível. Só o visível acontece. Quando Bill reencontra o ex-colega de faculdade Nick (Todd Field), se depara com a bifurcação da própria vida. Nick é o caminho não seguido, the road not taken. Emerge daí um mundo desconhecido, perigosamente interessante. E é por este caminho obscuro que a trama psicossexual de Kubrick levará o protagonista ao abismo.
+1
O Grande Golpe (The Killing, 1956)
Por Pedro Henrique Gomes
O plano de Johnny Clay (Sterling Hayden) é bastante ousado: ele e outros parceiros pretendem roubar dois milhões de dólares de um hipódromo, em pleno movimento diário das corridas mais disputadas. Numa história amarrada com precisão por Kubrick, O Grande Golpe é um filme ainda jovem (apesar de seus quase sessenta anos), pulsante, cheio de nuances narrativas dignas de uma engenharia de texto rigorosa e de uma montagem que faz exatamente o jogo da ação: tensão crescente, cenas rápidas e calculadas para servirem ao nervosismo que vai explodindo do rosto dos personagens. No final, a cena definidora dos rumos do assalto é toda uma construção dramática até hoje impressionante por sua capacidade de aniquilamento: do espectador, das expectativas, dos personagens, do clímax. Um filme que rivaliza com fôlego diante de outras obras-primas do mesmo diretor (2001: Uma Odisséia no Espaço, 1968, ou Laranja Mecânica, 1971, por exemplo).
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