Predestinada. Talvez seja a alcunha de mais fácil aplicação para dizer quem é Vanessa Redgrave. Afinal, seu pai já havia dito em seu nascimento “hoje uma grande atriz nasceu“. Isto no palco, onde Michael Redgrave interpretava Hamlet exatamente na data de nascimento da filha. Criada no meio artístico, a inglesa não conseguiu fugir da sina da família e logo cedo começou a participar de produções das mais variadas. Desde então, sua carreira se estendeu dos palcos para o cinema, passando por inúmeros trabalhos também na televisão. Sempre com alta qualidade, vale ressaltar. Ao mesmo tempo, a atriz é conhecida por suas polêmicas opiniões esquerdistas na política. Não apenas protestou contra a Guerra do Vietnã como participou de uma invasão à embaixada norte-americana. Além disso, já foi até presa por conta de sua militância. Não à toa muitos de seus papeis refletem esta personalidade forte que domina as telas até hoje. Vencedora de 66 prêmios e indicada a outros 40 em quase 60 anos de carreira, Redgrave é a nossa homenageada da vez com seu aniversário no dia 30 de janeiro. E a gente comemora, é claro, com aquela nossa escolha de cinco dos seus melhores trabalhos (que não são poucos) e mais um em que, mesmo numa pequena participação, ela toma conta da cena. Confira!
Tendo como cenário a Londres dos anos 60, com toda a sua efervescência cultural, o cineasta Michelangelo Antonioni realizou um de seus trabalhos mais emblemáticos, o primeiro fora da Itália. A trama acompanha o fotógrafo de moda Thomas (David Hemmings) que, mesmo desfrutando dos prazeres da Swinging London, parece entediado com todos os aspectos de sua vida. Certo dia, ao passar por um parque, Thomas fotografa um casal enamorado e é descoberto pela mulher fotografada (Vanessa Redgrave), que lhe pede os negativos. Thomas se recusa a entregar o filme e volta ao seu estúdio para revelá-lo. Durante o processo, o fotógrafo percebe detalhes ocultos nas imagens e começa a acreditar que talvez tenha registrado um assassinato. Antonioni utiliza esta atmosfera de suspense para realizar um intrincado jogo metafórico que trata da incomunicabilidade, da artificialidade e de nossa noção de realidade. Dentro deste universo essencialmente visual e de poucos diálogos, Redgrave surge como a figura misteriosa e sedutora, que intriga o personagem principal pela angústia em não querer que suas fotos – e talvez seu segredo – sejam reveladas. Com uma beleza simétrica e notável presença em cena, a atriz deixa sua marca em uma participação pequena, porém fundamental para o longa.- por Leonardo Ribeiro
Mesmo com os evidentes problemas causados pelo corte da Universal no tempo original do filme (de três horas passou para pouco mais de duas), Isadora permanece como uma das cinebiografias mais interessantes já produzidas sobre a história de um artista. No caso, Isadora Duncan, revolucionária dançarina que morreu precocemente em 1927, ano em que também lançou a autobiografia onde o filme é inspirado. Em cena, uma maravilhosa Vanessa Redgrave que, com 31 anos, passa da jovialidade à maturidade expondo com lucidez e verdade a personalidade desta figura mítica. Duncan era feminista, acreditava no amor livre, não tinha medo de expor seu corpo nu perante os olhos de todos. Uma alma libertária que ganhou sua devida homenagem na pele de uma atriz que, ainda em início de carreira, já se mostrava totalmente apta para papeis densos. Ainda mais alguém com quem sua mente se identifica tanto. Vanessa Redgrave ganhou o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cannes e perdeu a estatueta do Oscar no clássico empate entre Katharine Hepburn e Barbra Streisand, mas sua excepcional performance ainda é lembrada quando seu nome surge nos holofotes. – por Matheus Bonez
O principal nome nos créditos é o de Jane Fonda. O filme concorreu a onze Oscar, incluindo Melhor Filme. Foi considerada uma das mais belas adaptações de uma obra literária – no caso, Pentimento, as memórias da escritora Lillian Hellman. No entanto, nem todos os predicados chegam perto da contagiante atuação de Vanessa Redgrave neste longa que mistura fatos históricos, fascismo em ascensão e uma bela história de amizade como fio condutor. Julia (Redgrave) é a melhor amiga de Lillian (Fonda) desde a infância. A primeira é uma estudante com tendências esquerdistas que a levam a ser uma furiosa militante em Viena. A segunda é uma artista da Broadway que está com a carreira decolando. O reencontro após anos ocorre na Europa, onde Julia pede para que a amiga transporte dinheiro clandestinamente. Pois logo quando Lillian retorna aos EUA acaba sabendo do assassinato de Julia e, além de tentar descobrir o que realmente aconteceu com ela, precisa descobrir o paradeiro de Lilly, a filha de Julia a quem prometeu criar caso algo acontecesse à ela. Se Fonda é a estrela, seu brilho só é ofuscado quando Redgrave surge em cena. Não à toa, ganhou seu (até então) único Oscar, o de Melhor Atriz Coadjuvante. Apenas uma lembrança do quão marcante é sua presença perante uma câmera. – por Matheus Bonez
Dona de seis indicações ao Oscar – e uma vitória – e ainda na ativa às vésperas de completar 80 anos, a grande Vanessa Redgrave teve sua última lembrança na festa da Academia (ao menos até então) como a matriarca da família Wilcox, últimos dos representantes de uma estrutura social fadada à extinção. Ciente de sua relevância e condição, deixa como herança a grande casa de campo que possui não para os filhos ou marido, mas sim para uma conhecida, representante de uma nova geração que estava começando a surgir e determinar os novos rumos para a Inglaterra – e para o mundo. Redgrave pode ter participação limitada, mas ainda assim é tão marcante e de tamanha importância – afinal, tudo o que acontece no fundo é resultado de uma iniciativa sua – que é impossível pensar em outra atriz que pudesse transmitir tamanha altivez e determinação com o pouco que lhe é oferecido. Uma amostra do seu gigantesco talento, aqui abrindo espaço para veteranos como ela (Anthony Hopkins, em grande momento) e novatas determinadas a conquistar um espaço de destaque (Emma Thompson, que ganhou o Oscar de Melhor Atriz por este trabalho). Afinal, talento também é composto por generosidade, como Redgrave deixou aqui claro. – por Robledo Milani
Vanessa Redgrave já havia ganho um Oscar, um Globo de Ouro e prêmios nos festivais de Cannes e de Veneza, entre tantos outros reconhecimentos, quando aceitou mais esse desafio em sua carreira: levar às telas a icônica personagem criada por Virginia Woolf. Na Londres de 1923, a Sra. Dalloway tem preocupações que poderiam ser consideradas banais – organizar uma festa, por exemplo – mas suficientes para delimitar seu caráter e a forma de encarar o passado e se preparar para o futuro. A história elaborada por Woolf diz muito com o pouco que tem ao seu dispor, e Redgrave dá conta dessa tarefa trabalhando de forma interna, a partir de olhares e pequenos gestos, para oferecer ao seu público o drama enfrentado nos bastidores dessa personalidade em conflito. Filme feminino por excelência, acabou no entanto sendo eclipsado pelo excepcional As Horas (2002), que parte do mesmo romance para criar não uma nova adaptação, mas uma releitura em três momentos históricos distintos – e com três mulheres completamente diferentes entre si. Mas é importante reverenciar o básico, e perceber que um não existiria sem o outro. Vanessa foi a atriz ideal para mostrar o quão sólida era a origem desse novo clássico. – por Robledo Milani
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James Gray é apontado por muitos como um dos nomes mais importantes da geração de diretores norte-americanos que ganhou as telas nos anos 1990. Herdeiro de certa vertente do cinema estadunidense, que coloca a família no centro de discussões de diversas ordens, ele estreou nos longas-metragens com este excelente filme no qual Tim Roth interpreta um assassino que volta a ter contato com os seus depois de muito tempo banido do bairro onde cresceu. Ele reencontra o pai que outrora o deserdou, o irmão ressentido de sua falta, e a mãe em estado terminal. Esta matriarca interpretada pela grande Vanessa Redgrave personifica a tragédia familiar que se avizinha, pois prostrada em virtude de uma conjuntura da qual tem pouca escapatória. Ao mesmo tempo, ela é o pilar que ainda sustenta tudo antes do esfacelamento, ou seja, sua morte iminente provavelmente representará a falência da instituição erigida pelos laços sanguíneos que se adensam e ganham novas formas com o tempo. É um grande trabalho de interpretação, mesmo contra todas as restrições que sua personagem enfrenta por conta da enfermidade. O olhar tenaz e fraterno dessa mulher luta contra a finitude para tentar nem que seja o mínimo restauro da harmonia aos que ainda permanecerão. – por Marcelo Müller