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Paulo Vilela, Ricky Mastro e Soia Lira, jurados da Mostra Diversidade

Pelo terceiro ano consecutivo o Curta Taquary – Festival Internacional de Curta-Metragem de Taquaritinga do Norte (PE) organiza uma mostra paralela dedicada exclusivamente aos filmes de temática LGBT. Com curadoria dos próprios organizadores do evento, a iniciativa se revelou, em 2014, como uma moeda de dois lados: se por um lado oferece um espaço de exibição e discussão desse cinema de gênero, por outro aponta para uma situação que precisa ser revista. Afinal, os títulos aqui selecionados se inscreveram para a Mostra Competitiva Nacional e como não foram escolhidos ganharam aqui uma segunda chance. A abertura de uma nova oportunidade para que sejam vistos é indiscutivelmente válida, ainda que reste o gosto amargo de saber, de antemão, que tais filmes não foram considerados “bons” o suficiente pelo júri de seleção para disputarem a mostra principal. Esse mesmo sentimento é reforçado quando se percebe que dois curtas que poderiam ser incluídos aqui – O Coração do Príncipe (2014), de Caio Ryuichi Yossimi, e O Clube (2014), de Allan Ribeiro – foram exibidos apenas na seletiva nacional. A solução, portanto, seria abrir espaço para inscrições próprias para essa mostra, ou torná-la mais ampla, abrangendo todos os títulos que compartilhassem dessa temática, sem exceções. O júri oficial da Mostra Diversidade foi presidido pelo cineasta Ricky Mastro e formado ainda pelo ator Paulo Vilela e pela atriz Soia Lira.

 

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Casa Forte (11 minutos, PE), de Rodrigo Almeida
O curta que abriu a programação da Mostra Diversidade é, provavelmente, o mais ‘inocente’ desta seleção. A estrutura documental apresenta depoimentos de homens a respeito do que é ser gay na Recife de hoje e como lidam com a questão da sexualidade no seu dia-a-dia. Quais tipos mais lhe atraem, como se comportar perante os amigos e como o Carnaval e outras situações similares podem influenciar no comportamento dos casais. Aos poucos, no entanto, vamos percebendo se tratar apenas de um casal, formado por um rapaz branco e outro negro. E se o terço final da narrativa é composta por imagens aleatórias dos dois juntos, até este ponto são exibidas apenas fachadas de prédios comerciais e residenciais da capital recifense cujos nomes remetem ao passado escravagista, fazendo uso de expressões como ‘senzala’, ‘colônia’ e ‘zumbi’. O conjunto estimula à reflexão, ainda que careça de um arremate mais objetivo.

 

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Dentro (15 minutos, SP), de Bruno Autran
Dois homens se encontram em uma plataforma sob a água. A câmera está estática, ao longe. Os diálogos revelam uma separação ruidosa de anos atrás e a tentativa de um de se aproximar do outro, reatando laços que pareciam perdidos. A dúvida permanece por quase toda a narrativa: quem foram, o que são e o que podem vir a ser aqueles dois? Um casal? Amantes? Ou um nível de proximidade muito mais intenso? A manifestação do desejo, quando acontece, provoca ruptura e choque, compartilhando com o espectador uma conclusão nunca fácil. Uma história que possibilita muitas leituras, e talvez esse seja o seu maior mérito.

 

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Eu, Travesti? (4 minutos, BA), de Leandro Rodrigues
Esse exercício estético e narrativo de teor universitário se apresenta mais como uma vinheta do que como um projeto de narrativa cinematográfica. Impossível de ser classificado entre ficção ou documentário, expõe a nudez do único personagem como atrativo para um discurso de teor muito pessoal, a respeito de um jovem indeciso quanto a sua própria identidade. “Caminhe como homem”, dizem os irmãos, ao mesmo tempo em que ele próprio não consegue encontrar uma definição para essa mensagem. Afinal, o que é ser homem, mulher ou travesti? As possibilidades são muitas, mas infelizmente esse filme não aponta para nenhuma satisfatória.

 

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Flerte (15 minutos, RJ), de Hsu Chien
A violência sexual se manifesta neste que é o mais tradicional dos trabalhos apresentados. Dois homens se encontram na balada. O desejo sexual se manifesta ao primeiro toque. Os corpos se aproximam e é impossível qualquer separação. Da festa para as ruas, do caminho até em casa para a cama, tudo o que querem é explorar um ao outro. A transa é sexy e erótica, porém um pouco desconexa com o que vem a seguir. Afinal, se até aquele momento era só prazer, como o pós-coito pode alterar uma personalidade com tamanha força e rapidez a ponto de transtornar aquela relação embrionária? Nada é gradual, e ao propor uma mudança tão radical perde-se a cumplicidade do espectador. O que era promessa vira descartável, e é quando a barbárie toma conta. Mas aquele que bate é o que mais sofre – até porque o outro não mais existe – e até que ponto esse círculo vicioso prosseguirá? Bem filmado e com atores entregues aos personagens, é um filme que, no entanto, incomoda por abordar características que levam a audiência ao repúdio, como a homofobia e a impunidade. Destaque, no final, para a participação do crítico de cinema Rodrigo Fonseca (O Globo, RJ) como ator.

 

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Ocaso (21 minutos, RJ), de Bruno Roger
O mais interessante de todos os títulos apresentados é uma história de amor às avessas. Composta por diversas elipses e sem concessões, temos dois garotos de vidas opostas, mas com identidades próximas. Um se masturba para se satisfazer e navega na internet atrás de mais prazer. Vive bem, é estudante universitário e tem poucas preocupações. O outro goza quando pode, divide moradia com outros em situação similar e trabalha como operário em uma construção. Eles se encontram no fim do dia para dividirem um baseado, e o sexo surge como consequência da proximidade. As imagens explícitas revelam o desejo gráfico que um homem pode sentir por outro, na rua ou em casa. A dissolução dos papéis de ativo e passivo amplia as possibilidades entre eles, ainda que soe um tanto artificial. Mesmo assim, o filme não evita o confronto – nem todos estão prontos para aceitar esse tipo de casal, principalmente numa sociedade homofóbica como a nossa. Mas o tom assumido pelo diretor impõe a sua história um final, se não feliz, ao menos esperançoso.

 

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Sem Títulos (3 minutos, BA), de Leticia Ribeiro e Ronne Portela
Quem somos nós, o que queremos e como os outros podem nos definir se nem nós mesmos conseguimos executar tal tarefa à contento? É mais ou menos isso que esse filme, composto de forma rápida ao estilo de sequências publicitárias, propõe. Um homem que gosta de homens deve ir ao banheiro masculino ou feminino? E no caso das lésbicas, como fazer? A situação se complica ainda mais quando falamos de travestis. Onde eles se encaixam? A dificuldade da sociedade em lidar com as exceções merece ser discutida, porém não de modo frívolo e descartável como visto aqui.

(O Papo de Cinema é um veículo convidado oficial do 7º Curta Taquary)

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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