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Ao passar por 18 cidades brasileiras em 2023, a 10ª edição da 8 ½ Festa do Cinema Italiano reforçou os seus compromissos com o público brasileiro. Mais do que trazer ao nosso país o que de melhor tem sido feito na Itália em termos cinematográficos, o evento compartilhou conosco as inquietações dos artistas desse país com o qual o Brasil possui tantas conexões. Diante de um filme como a inventiva animação Interdito a Cães e Italianos (2022), por exemplo, qualquer descendente de italiano vai reconhecer aspectos essenciais de suas raízes – como o autor deste texto. E tal reconhecimento é muito importante. Especialmente numa realidade em que as pessoas são instigadas a pensar cada vez mais individualmente, reconhecer-se no outro é uma forma de gerar empatia e compreender as dores alheias. Esse retorno ao passado para compreendermos melhor o presente, além de moldarmos com menos turbulências o futuro, foi uma das principais tônicas da seleção 2023 da programação. Tanto que um título super badalado como Nostalgia (2023) traz justamente uma viagem de resgate das memórias como modo de recuperar a essência, de se aterrar de novo e ser conforme a terra. O protagonista deste longa-metragem anteriormente exibido no Festival de Cannes tem tudo pela frente, mas é tragado pelo redemoinho feito pelas coisas de sua juventude, não conseguindo escapar a essa herança.

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Quando pensamos em cinema italiano, logo nos vêm à mente os grandes mestres que ajudaram a transformar em referência mundial o país europeu cuja geografia se assemelha a uma bota. Afinal de contas, foi na Itália que nasceu o Neorrealismo, movimento de vanguarda que atendia aos anseios urgentes de uma geração imediatamente posterior à Segunda Guerra, a que deu o pontapé inicial ao cinema moderno. Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Vittorio De Sica, Luchino Visconti, Ettore Scola, Pier Paolo Pasolini, Susi Cecchi D’amico, Roberto Rossellini, entre tantos outros, são nomes maiúsculos da Sétima Arte, reconhecidos mundialmente Antes disso, ainda quando o cinema local era orientado pela estética fascista vigorante desde a década de 1920, boa parte dos longas-metragens fomentados pelo Estado eram sobre feitos históricos, sobretudo os do Império Romano. Portanto, podemos dizer com tranquilidade que o cinema italiano, assim como a civilização italiana, cultiva o passado não como uma lembrança remota, mas enquanto algo que está presentificado constantemente na sua experiência. E alguns dos filmes da 8 ½ Festa do Cinema Italiano salientaram esse aspecto de reverência ao ontem, e mesmo à História, em registros bastante distintos, como na ficção que referenciou com tintas próprias os episódios essenciais da vida de Luigi Pirandello: A Estranha Comédia da Vida (2022).

Ainda dentro desse aspecto do passado determinando presente/futuro, um dos destaques foi Sergio Leone: O Italiano que Inventou a América (2022), documentário sobre um dos mais importantes realizadores do mundo, cuja contribuição principal foi, vejam só, construir uma mitologia própria a partir de um mito (o faroeste). A estreia na direção de longas-metragens da atriz Jasmine Trinca, Marcel! (2022), também carregou esse sabor familiar e gostoso de uma macarronada de receita tradicional, algo perceptível principalmente nas alusões a Charles Chaplin e Buster Keaton. Enfim, embora o evento tenha por princípio a diversidade (nele havia comédias românticas, dramas, animações, documentários, filmes discutindo problemas muito atuais, etc.), o que sobressaiu na seleção da sua comemorativa 10ª edição foi justamente a volta ao passado em busca de algo que nos ilumine agora em direção ao futuro. Pois, embora a celeridade dos nossos tempos sugira que apenas o porvir interessa, é sempre bom a arte nos conduzir a uma compreensão de que nem tudo é amanhã ou, melhor dizendo, de que mesmo priorizando as novidades, ainda assim seremos cativos (para o bem e para o mal) dos episódios, personalidades, situações e influências do que aconteceu. Aliás, está aí um bom ponto de equilíbrio: pensar o futuro no nosso presente, mas não perder de vista as raízes que nos nutrem.

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Interdito a Cães e Italianos
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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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