Perguntado sobre a importância de receber o Kikito de Cristal, prêmio concedido aos expoentes do cinema latino-americano, Juan José Campanella, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro por O Segredo dos seus Olhos (2009), afirmou tratar-se de um momento único, especialmente vindo do mais importante festival da América Latina. Este é o Festival de Cinema de Gramado.
O mesmo evento que, três meses antes, envolto pelos boatos de dívidas inconciliáveis e com as contas sob a intervenção do Ministério Público, parecia encaminhar-se para a primeira interrupção desde o seu início. Sem poder captar recursos, esta seria uma parada – ou o fim – ironicamente trágica para um evento cultural que resistiu bravamente aos momentos mais delicados da ditadura, mas que se prostraria pelo despreparo dos gestores públicos justamente na edição comemorativa de seus quarenta anos. Por vezes, a história supera a realidade. A vontade dos organizadores e dos amantes de cinema ultrapassou a inviabilidade fria dos números e o festival aconteceu, mas não sem uma remodelagem. Feito às pressas, com menos dinheiro e tateando quanto a algumas decisões, a organização buscou as melhores soluções dentro do possível.
O tapete vermelho, espaço tradicional para o desfile de incontáveis artistas, teve de se acostumar a outros passos, menos glamourosos, sem dúvida, mas mais interessados na sala escura. A reforma na estrutura interna do Palácio e o preço acessível dos ingressos incentivaram o público a comparecer. Não há prestígio maior para um cineasta do que ver as poltronas lotadas. Quanto a isso, o Festival precisa definir urgentemente o seu foco. Se for às ruas conversar com as pessoas, moradores ou turistas, terá a sensação de que o evento acontece desconectado da vida local. Todos percebem a movimentação na rua coberta, mas poucos sabem quais são os filmes em competição ou, ao menos, até quando dura o evento. A sensação é de que há um estranho respeitado perambulando entre os cidadãos. Talvez seja a ocasião de aproveitar o momento de vacas magras e pensar em um Festival que envolva a comunidade, para que o “de” seja uma preposição de posse e não apenas de procedência.
A curadoria do Festival, composta de José Wilker, Rubens Ewald Filho e Marcos Santuário, surpreendeu ao articular-se de forma competente, apesar do pouco tempo disponível. Com cinco títulos, duas ficções e três documentários, a seleção latina se mostrou irregular e problemática. Por um lado, poderia ter contemplado um número maior de cinematografias e diretores expressivos. Por outro, a concentração no gênero documental prejudicou a premiação, como na decisão de júri de não apontar Melhor atriz pela falta de candidata. Depois de muitos anos, a competição de longas nacionais superou a latina em qualidade. Os oito filmes exibidos no Palácio dos Festivais abrangeram temas e linguagens variadas: do documentário musical Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now ao drama lírico O Que Se Move, passando pela aventura de Colegas. O alto nível da disputa levou a indefinição dos vencedores de cada categoria até o último momento.
Após o resultado final, algumas ressalvas. O Som ao Redor deveria ter saído como vencedor, pois é o filme mais sofisticado e completo. Colegas, porém, de longe o preferido do público, não faz feio ao levar o prêmio principal. Algo está muito errado quando o Prêmio da Crítica e o Prêmio do Júri Popular coincidem. No caso de Gramado já se sabe: o júri popular não é popular, mas formado por uma comissão de cinéfilos dos veículos de imprensa de todo o país. Ainda excessiva foi a premiação de Jorge Mautner: O Filho do Holocausto. O documentário apenas competente levou os prêmios de montagem, fotografia e – de forma absurda – o de roteiro.
No longa brasileiro Super Nada, o personagem de Jair Rodrigues traz à tela o bordão “não tá fácil pra ninguém”. Despido do traço cômico, a expressão poderia servir como mote para a epopeia de ressuscitar um gigante adormecido e transformá-lo, com êxito, na 40ª edição do Festival de Cinema de Gramado.
Longas-metragens latino-americanos
Melhor filme: Artigas: La Redota, de Cesar Charlone (Uruguai)
Melhor direção: Cesar Charlone, por Artigas: La Redota (Uruguai)
Melhor ator: Jorge Esmoris, por Artigas: La Redota (Uruguai)
Melhor atriz: não foi entregue pelo júri
Prêmio da crítica: Artigas: La Redota, de Cesar Charlone (Uruguai)
Prêmio do júri popular: Artigas: La Redota, de Cesar Charlone (Uruguai)
Melhor roteiro: Vinci, de Eduardo del Llano Rodríguez (Cuba)
Melhor fotografia: Leontina, de Boris Peters (Chile)
Menções honrosas: direção de arte de Artigas: La Redota, trilha sonora de Artigas: La Redota e trilha sonora de Vinci
Longas-metragens brasileiros
Melhor filme: Colegas, de Marcelo Galvão
Melhor direção: Kleber Mendonça Filho, por O Som ao Redor
Melhor ator: Marat Descartes, por Super Nada, de Rubens Rewald
Melhor atriz: Fernanda Vianna, por O que se move, de Caetano Gotardo
Prêmio especial do júri: Ariel Goldenberg, Breno Viola e Rita Pokk, protagonistas de Colegas, de Marcelo Galvão
Prêmio da crítica: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho
Prêmio do júri popular: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho
Melhor roteiro: Jorge Mautner: O Filho do Holocausto, de Heitor D’Alincourt e Pedro Bial
Melhor fotografia: Jorge Mautner: O Filho do Holocausto, de Heitor D’Alincourt e Pedro Bial
Melhor montagem: Jorge Mautner: O Filho do Holocausto, de Heitor D’Alincourt e Pedro Bial
Melhor direção de arte: Colegas, de Marcelo Galvão
Melhor som: O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho
Melhor trilha sonora: Futuro do Pretérito: Tropicalismo Now, de Ninho Moraes e Francisco César Filho
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