A mesma personagem, duas visões. Recentemente assisti duas versões fílmicas da história de Cleópatra: a dirigida por Joseph L. Mankiewicz nos idos anos sessenta, e a levada a cabo pelo brasileiro Julio Bressane em 2007. A audiência das variantes ajuda a ilustrar o aspecto da criação, pois, dentre outras coisas, evidencia que ambas estão impregnadas das inquietações pessoais e ideários artísticos de seus criadores. São bastante distintas, mesmo que versem sobre o mesmo período histórico e personagens.
Mankiewicz elege a riqueza
Cleópatra é uma personagem histórica, um mito. O diretor Joseph L. Mankiewicz, no início dos anos sessenta, convenceu a Fox a produzir o, então, filme mais caro da história, buscando construir uma narrativa épica sobre a rainha do Egito, principalmente no que dizia respeito ao seu envolvimento com o império romano. O filme ficou mais famoso por seu fracasso retumbante do que propriamente por alguns de seus inegáveis méritos, algo até natural, pois, mesmo inserido num tempo em que o público era mais carinhoso com as grandes obras, mais de quatro horas de projeção nunca foi sinônimo de “atração comercial”. Pena, injustiça com o filme que, embora irregular, está longe se representar artisticamente o insucesso que teve na arrecadação.
Com elenco estelar, capitaneado por Elizabeth Taylor, Richard Burton e Rex Harrison, Cleópatra é uma produção que evidencia constantemente o aporte financeiro que lhe permitiu existir tal e qual. Cenários majestosos, milhares de extras, figurinos meticulosos, tudo alerta para o luxo que, a bem da verdade, combina com a mitologia que se criou ao longo dos tempos em torno da personagem central. O filme é dividido em dois momentos: no primeiro há o envolvimento da rainha com Júlio César, e no segundo seu caso intempestivo com Marco Antônio. A primeira parte é rica, mistura engenhosamente tramas políticas e amorosas, e conta ainda com o desenvolvimento da ambigüidade de Cleópatra. A segunda metade, que marca uma virada em Roma e o protagonismo de Marco Antônio, se atém deveras às implicações passionais, ao passo que gradativamente vai diluindo qualquer força política, e banalizando a bruma que envolve as reais intenções da Rainha do Nilo. Um filme irregular, repito, mas que passa ao largo do banal ou do meramente ostentoso.
Bressane elege a paixão e a artificialidade
Por trás de todo viés histórico existem os catalisadores, aqueles que moveram engrenagens, não raro tornando suas causas pessoais motivos para grande feitos ou batalhas inúteis. Cleópatra, de Julio Bressane, um dos mais contestadores cineastas brasileiros, é filme que se volta justamente aos personagens, que busca na sensualidade passional da Rainha do Nilo, no deslumbre quase hipnótico de Júlio César e na tentativa de nobreza do soldado Marco Antônio, as causas para a relação antropofágica entre o Império Romano e o Egito. O sexo também desempenha papel fundamental, e não seria exagero dizer que Bressane, por exemplo, é muito mais feliz utilizando-o para caracterizar Cleópatra do que Mankiewicz, este em seu tempo preso aos códigos de conduta dos estúdios e à moralidade esvaziada da sociedade americana.
Infelizmente, a narrativa que se mostra engenhosa de início, muito pelo uso eficaz de elipses que abreviam a trajetória fabular do filme e pela criatividade na construção das ambiências, gradativamente se rende ao anti-naturalismo, a uma incômoda teatralidade literal deflagrada pela impostação do texto que refuta qualquer coloquialismo ou ainda pelos planos que remetem às cenas estruturadas e iluminadas tal qual num palco italiano. A negação do progresso dramatúrgico dominante é elemento poderoso e enriquecedor, mas da forma como utilizada por Bressane em Cleópatra, serve apenas como tentativa ébria de contraponto a todo o resto que soa calculado, principalmente o kistch dos figurinos e os textos empolados proferidos pelos personagens.
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