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As várias faces do Homem de Aço

Publicado por
Robledo Milani

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Que nos desculpem George Reeves, Dean Cain e Tom Welling, os principais intérpretes do Homem de Aço na televisão, mas aqui estamos falando de Cinema, e é na tela grande onde se constroem os maiores mitos do universo pop. E quando falamos no maior herói de todos os tempos, são os rostos destes jovens corajosos que ousaram dar vida ao personagem criado por Jerry Siegel e Joe Shuster nos anos 1930 que surgem imediatamente em nossas mentes. Christopher Reeve é o maior de todos – e foi, até o dia da sua morte, em 2004, lembrado por isso. Brandon Routh foi por demais reverencial, tendo sido logo descartado. É neste ponto em que se encontra agora Henry Cavill, o atual Superman que chega agora às telas em O Homem de Aço (2013), com a missão de não apenas respeitar o que de melhor foi feito antes, como também recriá-lo na medida exata para a atual geração. Tarefa essa, felizmente, cumprida à altura!

 

Christopher Reeve
O nova-iorquino Christopher Reeve era um absoluto desconhecido (tinha participado apenas de alguns seriados na televisão) quando foi escolhido por Richard Donner (em alta após o sucesso do aterrorizante A Profecia, 1976) para ser o protagonista de uma das maiores apostas de público de 1978: Superman: O Filme, o longa que finalmente levaria para o cinema a popular criação que há quatro décadas encantava leitores de quadrinhos e telespectadores em casa. A produção foi tão cheia de cuidados – só o roteiro, para se ter uma ideia, era de Mario Puzo, recém duplamente oscarizado por O Poderoso Chefão (1972) e por O Poderoso Chefão II (1974) – que marcou época e por mais de dez anos manteve o posto de adaptação de um super-herói mais bem sucedida de todos os tempos (foi superada apenas pelo colega Batman, de Tim Burton, em 1989). Além disso, tínhamos um naipe de coadjuvantes de luxo, liderados por Marlon Brando, Gene Hackman e Glenn Ford, capaz de deixar qualquer um impressionado!
Mas de nada isso tudo adiantaria se não fosse a competência, humildade e visual perfeito de Christopher Reeve, a encarnação clássica do Superman, talvez a mais próxima da imaginada pelos próprios idealizadores. Reeve, ao longo de quatro longas (o último foi lançado em 1987), não só entendeu o personagem como poucos como praticamente se fundiu a ele, tornando criador e criatura numa só coisa. Os fãs só o identificavam desse jeito, e mesmo a relativa superação após o trágico acidente que o deixou paraplégico em 1995 era creditada como digna de um “super-herói”. Reeve chegou a atuar em outros filmes de respeito, como o romântico Em Algum Lugar do Passado (1980) ou o drama Vestígios do Dia (1993), mas será para sempre lembrado não como o talentoso ator que de fato era, mas como o verdadeiro filho de Krypton!

 

Brandon Routh
O americano Brandon James Routh não havia nem nascido (ele é de 1979) quando Christopher Reeve interpretou o Superman no cinema pela primeira vez. As semelhanças entre os dois, no entanto, estão muito além do icônico personagem. Assim como Reeve, Routh também só havia feito alguns poucos trabalhos na televisão quando foi escalado pelo diretor Bryan Singer (em alta após os dois primeiros longas dos mutantes X-Men, em 2000 e 2003) para ser o protagonista de Superman – O Retorno (2006), o primeiro longa para o cinema do super-herói em quase vinte anos. Só que, ao invés de recomeçar do zero, Singer decidiu permanecer fiel ao universo desenhado por Donner lá em 1978, realizando uma sequência direta de Superman II (1980), ignorando apenas os cômicos e desastrados Superman III (1983) e Superman IV (1987). Porém, com um intervalo tão grande como esse para ser preenchido, muitos fãs acabaram se perdendo, decepcionados com tão pouca ousadia, numa homenagem que não cumpre seus intentos.
É curioso perceber, por outro lado, que o maior prejudicado em toda esta história foi o próprio Routh, que do pó veio e ao pó retornou. Após O Retorno ser reconhecido publicamente para um passo em falso da DC Comics no cinema, cada um dos notórios envolvidos – como o oscarizado Kevin Spacey ou os badalados James Marsden, Kate Bosworth e Parker Posey – decidiu trilhar um caminho diferente, reconstruindo suas carreiras e esquecendo tal envolvimento. Essa opção, no entanto, não estava disponível para Brandon Routh, pois ele era a “cara” de Superman – O Retorno, um ator fisicamente parecido – de forma até assustadora – com Christopher Reeve, mas com visíveis limitações no seu talento criativo. Aparentemente sem saída e preso a um personagem que não o recebeu de braços abertos, o ator até hoje tenta voltar à cena, distanciando-se dessa glória passageira, que poderia ter lhe dado tanto, mas que acabou lhe deixando sem nada.

 

Henry Cavill
O britânico Henry William Dalgliesh Cavill é, literalmente, o homem da vez. Nem tão desconhecido assim – além do personagem de sucesso no seriado The Tudors (2007), já fora protagonista das aventuras Imortais (2011) e Fuga Implacável (2012) – assume a capa do Superman em O Homem de Aço com pose e atitude, desligando-se por completo do visual bom-moço eternizado por Christopher Reeve – e seguido por Brandon Routh – e recriando o maior herói do universo de acordo com o seu potencial. O que vemos é um ser em conflito, indeciso entre a herança kryptoniana e suas raízes terráqueas, tendo que lutar por um lugar no mundo ao mesmo tempo em que tudo ao seu redor está sendo descoberto: os poderes, o amor, a família, a responsabilidade, a ordem, a justiça.
O Homem de Aço é, provavelmente, a mais impressionante adaptação de um legítimo super-herói para a tela grande. Descartando a magnífica trilogia do Cavaleiro das Trevas – afinal, Batman é um homem sem superpoderes – o Superman que agora vemos consegue ir além do empolgante – e exagerado – Os Vingadores (2012) justamente por sua seriedade, seu senso de urgência e sua constante dimensão de perigo. Kal-El só pode ser comparado em termos fantásticos ao mitológico Thor (da concorrente Marvel), e se formos tentar equiparar esse filme com o longa de 2011, o deus de Asgard perderá feio, seja pelo tom fantasioso ou pelas limitações auto-impostas pelo conceito no qual foi concebido. Zack Snyder, que já havia nos transmitido uma percepção das suas capacidades nos cartunescos 300 (2006) e Watchmen (2009), realiza um verdadeiro épico, em que tudo pode acontecer – e, de fato, acontece.
Novamente, tamanho sucesso só foi possível graças ao comprometimento, determinação e entrega com que Henry Cavill assumiu o personagem. Em suas mãos, Clark Kent não é só um homem, Kal-El é mais do que um alienígena desgarrado, e Superman é, mais do que nunca, o homem mais poderoso do universo. Temos aqui uma ameaça plausível e um elenco de apoio formado quase que exclusivamente por vencedores (Russell Crowe, Kevin Costner) ou por indicados (Diane Lane, Amy Adams, Michael Shannon, Laurence Fishburne) ao Oscar! Os padrões da indústria foram, definitivamente, alterados com O Homem de Aço, e daqui pra frente não bastarão mais bons efeitos especiais e algumas piadas divertidas para garantir a atenção do público. Serão necessários heróis de verdade, na estampa e no conteúdo. E pra quem tiver alguma dúvida, aí está Henry Cavill como o melhor exemplo possível!

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

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