Resultado de “uma teimosia e de muita garra”. Assim sintetizou a produtora Lucy Barreto, aqui em Berlim, durante a coletiva de imprensa organizada pelo festival e que não contava com mais de 15 jornalistas. O filme em questão era o inédito Floras Raras, que foi exibido na mostra paralela Panorama, tradicionalmente reduto do cinema brasileiro e a segunda janela de exibição mais importante da Berlinale.
O longa conta com Miranda Otto e Glória Pires nos papéis principais e relata a história do encontro da escritora americana Elisabeth Bishop com a carioca Lota Macedo de Soares, que entre tantos feitos foi responsável pelo planejamento do Aterro do Flamengo, durante o governo de Carlos Lacerda.
Elisabeth vive uma vida previsível e sem atropelos na Nova Iorque dos anos 50. A sua crônica falta de inspiração acaba a levando de navio para o Rio de Janeiro, onde reside Mary, sua amiga de colégio e companheira de Lota. O momento da chegada, os primeiros dias de estadia em “Samambaia”, casa construída por Lota, mostra uma Elisabeth arredia e por vezes acuada com a personalidade descolada dos brasileiros. Essa situação ganha o ápice no governador Carlos Lacerda, vivido por Marcelo Airoldi, que esbanja intelectualidade, recitando os versos da escritora. Quando, em certo momento, lhe faltam os últimos versos, ele mesmo pede para Elisabeth concluir, o que a deixa completamente desconsertada, gerando um mal estar para todos.
Já a personagem de Lota, magistralmente vivido por Gloria Pires, de início é descolada, do tipo que sobe no caminhão dos operários da obra para com eles fumar um cigarrinho. A mulher independente, decidida, sem papas na língua e – até então – com um plano para qualquer situação começa a mostrar fragilidade quando descobre estar apaixonada por Elisabeth, o que resulta em um triângulo amoroso, que, como quase todo o resto, é resolvido de forma bem pragmática por Lota. A priori. Quem viu Gloria Pires nos filmes da série Se eu fosse você (2006-2009) vai encontrar várias semelhanças entre o papel dela na pele de Helena/Cláudio e a sua Lota. Na coletiva de imprensa, questionado sobre a similaridade entre as duas personagens, o diretor Bruno Barreto brincou: “Quando liguei pra Glória (Pires), disse: O papel está pronto!“.
Com exceção das cenas na banheira, o roteiro assinado por Carolina Kotscho e Matthew Chapman mostra de forma muito sensível o processo, a corda bamba entre o monstruoso e o sublime do ganho e da perda de um grande amor. Servindo de metáfora para a viagem interior das duas protagonistas, o drama tem como cenário Nova Iorque, Ouro Preto, Petrópolis e o deslumbrante Rio de Janeiro. A nota política, ratificada pela constante presença do vaidoso Carlos Lacerda nos encontros e banquetes, é mantida de forma muito superficial, se fazendo totalmente dispensável.
Flores Raras mostra bem a influência da estética de Hollywood no trabalho de Bruno Barreto. Uma cinematografia luxuosa, imagens exuberantes da cidade maravilhosa com fotografia assinada por Mauro Pinheiro. Um colírio à parte são os figurinos deslumbrantes concebidos por Marcelo Pires. O roteiro, por sua vez, não é desprovido de falhas, como cenas redundantes. Já a questão da nacionalidade tupiniquim de Lota é muito bem resolvida. Em um diálogo curto, Elisabeth pergunta: “Onde você aprendeu a falar tão bem o inglês?” e Lota responde: “Lendo os seus poemas, darling“.
Flores Raras está em perfeita sintonia com a programação do Festival de Berlim desse ano. Um festival das mulheres, em todas as faixas etárias e classes sociais à procura da tal felicidade. Que bom que Lucy Barreto pensou em Glória Pires assim que teve o roteiro nas mãos. Quem acompanhou as encrencas de Maria de Fátima na novela Vale Tudo (1988) ou a excelência da interpretação de Norma na também televisiva Insensato Coração (2011), com o dia a dia do acerto de contas com o Leonardo (Gabriel Braga Nunes), verá neste novo filme que não poderia haver melhor atriz para este papel.
De certo, a questão da homossexualidade será motivo de polêmica em sua estreia, prevista para o circuito nacional no dia 24 de maio. Enquanto o discurso sobre o beijo gay em novelas preenche pautas de programas noturnos, Gloria Pires – que já se posicionou sobre o assunto no programa “Na Moral“, apresentado por Pedro Bial, mergulha fundo na personagem.
Depois de vários notas divergentes concernentes ao título que o filme deveria ter, agora é pra valer. A produtora Paula Barreto assegurou em Berlim que o nome será mesmo Flores Raras, ao contrário de Você nunca disse eu te amo, que chegou a ser divulgado. Além disso, a coordenação de imprensa para entrevistas em Berlim deixou muito a desejar. Duas pessoas servindo de contato acabou gerando imprevistos desnecessários no agendamento de horários para a imprensa brasileira.
Miranda Otto, que vive Elisabeth e estava presente na capital alemã, declarou na coletiva ter ficado tão arrebatada com o roteiro que achou que seu agente havia enviado para a pessoa errada. Flores Raras ressalta as diferenças culturais, ao mesmo tempo em que ratifica que é, sim, possível viver, amar e sofrer com elas. Por elas.
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