Num festival sem perfil e com a mostra competitiva praticamente isenta de estreias mundiais, a presença do filme Hélio Oiticica (2012), de Cesar Oiticica Filho, na Berlinale literalmente saltou aos olhos do público e da crítica. Resultado de um trabalho de dez anos de pesquisa, incluindo odisseias e labirintos concernentes às leis de incentivo cultural, o filme de Oiticica Filho – sobrinho do artista – é um documento da história brasileira em perfeita harmonia com o zeitgeist, num momento em que produções nacionais (Gonzaga: De Pai pra Filho, de Breno Silveira, e Xingu, de Cao Hamburger, ambos de 2012, são apenas alguns dos exemplos mais recentes) resgatam o passado nacional, num país sem a tradição de memória.
Em Berlim, Hélio Oiticica foi exibido na Mostra Fórum, dedicada às novas linguagens estilísticas e efeitos visuais. Este espaço sempre foi considerado endereço certeiro para aventuras e descobertas cinematográficas. Nas primeiras três exibições aqui na capital alemã a sala esteve lotada. Mesmo a infinita lista de créditos no final da projeção não foi suficiente para desencorajar o público, voraz em tudo que é relacionado com o Brasil, que esperou por longos minutos até o início da discussão. O bate-papo que aconteceu com o público e os realizadores foi muito bem alinhavado, conduzido pelo moderadora do festival em inglês perfeito (o que raramente acontece, diga-se de passagem).
Hélio Oiticica tem uma linguagem rápida, uma edição instigante e rápida, que exige do espectador total atenção. Um dos destaques são os depoimentos arrebatados e impacientes de Glauber Rocha, que no final da conversa a respeito do que é Tropicália, joga essa: “Ah, sei lá, eu também não quero saber disso não!“. Com as imagens e entrevistas com Gilberto Gil e Caetano Veloso, arredondadas por conversas com o próprio Oiticica, o filme revela a deliciosa e corajosa subversão das gerações dos anos 1970. Com isso, esclarece e faz entender o caminho tomado pelo Brasil, resultando no que ele é hoje. Apesar de origens culturais muito diferentes, Andy Warhol e Hélio Oticicia foram magistrais em perceber o solo fértil para experiências artísticas que a Nova Iorque daquela época oferecia.
Cenas de passeatas pelas ruas da Big Apple e no centro do Rio de Janeiro são embaladas por uma trilha sonora instigante, assinada por Daniel Ayres e Bruno Buarque de Gusmão. Enquanto adeptos do parangolé rolam no chão com suas indumentárias, depoimentos “secretos” de Hélio Oticica em fitas-cassete mostram o artista nu e cru. Gilberto Gil canta Jimi Hendrix como quem está fazendo uma oração, enquanto que do outro lado temos um Caetano Veloso usando pantalonas largas e um cabelo blackpower como sinal de protesto. “Viva Mariaaa, Viva Bahiaaaaaaa…” fazem querer levantar da cadeira do cinema e sair comemorando o sentimento de brasilidade, hoje tão natural e outrora tão perigoso.
Hélio Oiticica arrematou os dois principais reconhecimentos que a Mostra Fórum pode conceder: o Prêmio Caligari e o da Crítica Internacional (FIPRESCI), além de ter sido apontado como Melhor Documentário do Festival do Rio em 2012. Segundo Cesar Oiticica Filho, em entrevista exclusiva depois da última exibição em Berlim, a estreia no circuito brasileiro está prestes a ser acertada com a Ancine. Depois do sucesso estrondoso na Berlinale, não deverá ser difícil conseguir uma distribuidora. Hélio Oiticica resgata a história desses subversivos adoráveis, e não é “só” um colírio para os olhos de todo cinéfilo, mas também um pouco da história de todos nós.
Confira abaixo entrevista exclusiva com o diretor Cesar Oiticica Junior, direto de Berlim:
httpvhd://www.youtube.com/watch?v=2y6KcR6pEPw
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