O sotaque da fronteira e as vastas regiões dos pampas gaúchos, extensos pedaços de terra desabitados rumo ao Uruguai, estão em nada menos que dois filmes selecionados para a Berlinale. Rifle, de David Pretto, e Mulher do Pai, de Cristiane Oliveira, para além de explorar os cenários longínquos e algo melancólico do sul desconhecido, têm ambos em comum um longo processo de criação, de levantamento de fundos e de produção.
Para já o final tem sido feliz: ambos estreiam fora do Brasil depois de prêmios no país (no Festival de Brasília e no Festival do Rio, respectivamente) e têm estreia comercial prevista para abril. O Papo de Cinema conversou com ambos os diretores e com a atriz Maria Galant sobre esta longa aventura.
Muros e fronteiras
Rifle, com ecos de docudrama, cinema contemplativo e, no cômputo final, um puro registro de arthouse, centra-se em Dione (Dione Ávila de Oliveira)), um rapaz que se recusa a abandonar a região onde vive e resolve ter uma atitude violenta (daí o “rifle” do título) contra tudo o que considera ser uma ameaça à sua terra.
As filmagens ocorreram na região rural de Dom Pedrito – na verdade, a uma hora da cidade, em Vacueicá – a meio caminho entre a cidade gaúcha e o Uruguai. Um lugar perfeito para a história de cerco e fronteira do filme. “É uma região muito grande, chegam a ser 100 km para cada lado sem nada. Quando chegas ao Uruguai não há nada, só um morro”, diz Davi. A segunda parte do filme decorre em Serrilhada – outra “terra de ninguém”, próxima a Bagé.
Desde a primeira ideia, em 2010, até o processo de produção, em 2016, seis anos se passaram à espera dos fundos. Tanto que até Castanha (2013), também exibido em Berlim em 2013 e que viria a ser o primeiro filme efetivamente lançado do diretor, obteve financiamento antes. “O Rio Grande do Sul teve dez anos sem editais”, conta o cineasta. “Estes só vieram depois que o Fundo Setorial do Ancine ficou firmemente estabelecido e aí começou a cooperar com os Estados”.
Outros territórios
Outro projeto moroso veio a ser o de Mulher do Pai, coprodução com o Uruguai que trouxe Marat Descartes a contracenar com a revelação Maria Galant e rendeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante para Verônica Perrotta no Festival do Rio. Também próximo da fronteira com o país vizinho, o enredo dá conta da relação entre um pai (Descartes), deprimido pela cegueira e pela solidão, com a filha adolescente (Maria) que nunca quis ter e com a qual não consegue estabelecer qualquer relação de afeto. A morte da mãe dele os obriga a uma aproximação forçada.
Aqui encontramos outro longo percurso, tendo começado com o prêmio do Santander Cultural em 2009 e, após mais alguns editais, acabou beneficiado com um acordo entre o Ancine e o país vizinho – viabilizando mais facilmente uma coprodução que já estava em curso. “Foram três ou quatro anos para tentar financiar”, diz Cristiane. E então os pampas entraram na história. “Sempre fui interessada nesta região. Lembro que uma vez fizemos uma viagem da escola, uma visita de geografia, e foi muito marcante – as paisagens, as pessoas… Em relação ao Uruguai havia muitos elementos em comum, todo mundo se entendia. A cultura gaúcha está nos dois lados”.
Foram quatro semanas de filmagens, mais algumas de preparação. Os atores ficaram um mês no local, mesmo aquele com papéis menores – algo que se revelou fundamental. “As condições climáticas determinavam o nosso trabalho. Tínhamos que rever o plano todos os dias. Quando chovia, por exemplo, a terra se transformavam numa espécie de argila e tornava-se impossível transitar. Depois corríamos para aproveitar de forma natural o que estava previsto no roteiro – neblina, sol...”
Já a jovem atriz Maria Galant, que no filme tem 16 anos (20 na vida real) aproveita a Berlinale e comemora a enorme sorte para o único projeto profissional que fez. “Acho que é um excelente começo!”, diz.
(Entrevistas feitas em Berlim, Alemanha)
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