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No início deste mês de novembro, entre os dias 04 e 11, ocorreu na cidade de Bonito, interior do Mato Grosso do Sul, a primeira edição do Bonito CineSur: Festival de Cinema Sul-Americano. A iniciativa chega em hora certa: em uma das regiões mais paradisíacas do Brasil, e em condição geográfica privilegiada pela proximidade fronteiriça, surge um evento que busca não apenas promover a cultura cinematográfica longe dos grandes centros, mas também se aproximar do que de melhor nossos países vizinhos tem a oferecer nesse assunto. O resultado desse passo inicial foi auspicioso: filmes da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela foram exibidos em grande estilo, ao lado de produções faladas em português. Isso, numa localidade que nem mesmo possui uma sala de cinema comercial, é um feito e tanto. Que merece ser celebrado, mas não só isso. É também o início de uma longa jornada, para que se aprenda com essa experiência visando um futuro ainda mais promissor.

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Dira Paes, mestre de cerimônia da sessão de abertura do Bonito CineSur 2023 / Foto Alex Gonçalves

A programação foi dividida em cinco mostras principais (Longa Sul-Americano, Curta Sul-Americano, Filmes Sul-Mato-Grossenses, Ambiental e AnimaSur), além de duas exibições especiais: na Abertura, com o clássico recuperado Alma do Brasil, média de 1932 dirigido por Líbero Luxardo e curiosamente filmado na região, e Memória Bonito CineSur, com o drama romântico Inocência (1983), de Walter Lima Jr, homenageado em razão dos quarenta anos do seu lançamento (e cuja trama se passa no sertão de Mato Grosso – atual Mato Grosso do Sul). Estes dois momentos apontaram para um cuidado primoroso da direção do evento em privilegiar essa ligação do estado com a cultura cinematográfica do país. O Mato Grosso do Sul pode se mostrar, hoje, carente de maiores investimentos e ofertas que apontem para uma diversidade artística sempre muito bem-vinda, mas sua história registra mais de um exemplo da força da região enquanto polo criativo. Algo que merece não apenas ser comemorado, mas, principalmente, resgatado e incentivado.

Há pontos, no entanto, que não podem ser ignorados. Por mais que tenham contado com a orientação e a participação de três dos organizadores – Nilson Rodrigues (diretor), Andréa Freire (coordenadora) e Claudia Teixeira (produtora executiva) – as curadorias de cada uma das mostras foram assinadas individualmente por um profissional apenas. O decano da crítica cinematográfica brasileira, José Geraldo Couto, um dos nomes mais respeitados nesse meio em todo o Brasil, ficou responsável pelos longas e curtas sul-americanos. Enquanto que a jornalista Elis Regina respondeu pela seleção da mostra Ambiental e a produtora Luciana Druzina cuidou dos filmes exibidos no AnimaSur. Por mais que sejam especialistas em suas áreas, a impressão de terem levado a cargo tais tarefas de modo solitário, e não coletivo, provocou reflexão e questionamentos entre os espectadores: não teria sido melhor uma curadoria múltipla e diversa, com dois ou três nomes de diferentes origens e visões, para cada seleção? É algo a ser revisto para os anos vindouros.

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O cineasta Walter Lima Jr foi um dos convidados dessa primeira edição | Foto Alex Gonçalves

Na mostra de maior visibilidade, a de Longas Sul-Americanos, a irregularidade de propostas e no nível de suas realizações também foi marcante. O escolhido como melhor do ano pelo júri oficial, a coprodução entre Bolívia e Uruguai El Visitante (2022), de Martin Boulocq, era, de fato, o mais bem-sucedido do certame, e fez jus ao reconhecimento. Os outros dois títulos premiados – o peruano La Pampa (2022), de Dorian Fernández Moris, escolhido pelo Júri Popular, e o brasileiro Mais Pesado é o Céu (2023), de Petrus Cariry, apontado com uma menção honrosa pela imprensa presente – possuem em comum com o grande vencedor algo que se destaca: a fácil comunicação com o público. São obras redondas, que permitem diálogo com o espectador, ao mesmo tempo em que não se perdem em caminhos herméticos e estruturas vazias, que privilegiam mais a forma do que o conteúdo. São filmes que encontraram respaldo com a audiência, seja ela formada por profissionais ou mesmo curiosos. Em um festival que busca não apenas enaltecer o debate, mas também a formação de público, obras capazes de estabelecer esse tipo de conexão não são apenas bem-vindas, mas, acima de tudo, necessárias.

Os outros três títulos, além de terem sido ignorados pelos jurados, também falharam em ir além de uma estranheza inicial. Enquanto o paraguaio Lucette (2022), de Mburucuya Fleitas e Oscar Ayala Paciello, parece ter sido selecionado apenas por ter sido filmado em localidades próximas – o nível de amadorismo visto em cena chegou a ser constrangedor – os dois restantes perderam-se em discursos voltados apenas aos iniciados (ou mais transgressores). O chileno Green Grass (2022), de Ignacio Ruiz, propõe uma inusitada ponte com o Japão em uma busca pelo que existe entre a vida e a morte, enquanto que o argentino La Bruja de Hitler (2022), de Virna Molina e Ernesto Ardito, apesar do enredo provocador, perde muito de sua força por meio de uma narrativa redundante e exigente, que na maior parte das vezes não entrega na mesma altura de suas demandas. Este mesmo desequilíbrio, aliás, pode ser percebido entre os curtas sul-americanos, que alternaram entre o envolvente e o incômodo, passando pelo irrelevante e o conformado.

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Nilson Rodrigues, diretor do Bonito CineSur, em conversa com o público presente | Foto Alex Gonçalves

Bonito CineSur é um festival em formação, que nasce com grandes expectativas, mas tem tempo suficiente para se mostrar preparado para o que dele se espera. O cenário encantador merece ser saudado – eis um Brasil que os brasileiros (e os sul-americanos) pouco conhecem, e há aqui mais um motivo para se investigar o muito que essa terra tem a oferecer – e é instigante saber que há mais do que uma natureza exuberante esperando por cinéfilos e turistas de todo o continente. Há de se levar o cinema para as ruas e praças, se aproximar dos moradores locais ao mesmo tempo em que mantém um olho nos visitantes, aumentar o intercâmbio de olhares e propor novas trocas e interações. Muito disso já foi feito – com oficinas, debates, seminários e apresentações musicais – e agora espera-se apenas que esta vontade cresça e se multiplique. A direção está no caminho certo. E que o tempo nos mostre tudo que ainda há de ser conquistado!

O Papo de Cinema esteve presente no Bonito CineSur 2023 a convite do festival

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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