Por Roberto Cunha*
Nosso quinto dia no Festival de Cannes 2014 foi um verdadeira salada de gêneros, começando pelo faroeste, passando por um drama com uma pegada esotérica e fechando com um crítica social pra lá de ácida. Confira como foi!
The Homesman (idem, 2014)
Muito bom =D
Escrito, dirigido, produzido e estrelado pelo astro Tommy Lee Jones, The Homesman tem no curioso título um “trocadilho” revelador de um detalhe importante de um dos personagens. Sua exibição foi bem recebida e ao fim da sessão foi possível ouvir comentários positivos sobre a obra.
Mulheres de uma pequena cidade no oeste americano começam a apresentar distúrbios mentais, por razões diferentes, e a orientação do padre é que as três sejam levadas para a cidade grande, aos cuidados de um pastor de lá. Sem candidatos para a árdua missão, cabe à bem sucedida, solitária e determinada fazendeira Mary Bee (Hilary Swank) seguir viagem. Quis o destino que ela cruzasse com um malandro (Tommy Lee Jones) à beira da morte por vadiagem, e a salvação dele se tornasse então um compromisso de ajudá-la na jornada com as insanas passageiras. Mas esse caminho reserva muitas surpresas e elas podem não ser nada agradáveis.
Cheio de cenas muito bem construídas do ponto de vista visual, explorando a aridez e também a neve, esse road movie poeirento tem elementos de sobra para conquistar os saudosos do bom e velho faroeste, e com o diferencial de apresentar uma trama sólida, dura (baseada no premiado romance de Glendon Swarthout) e, ao mesmo tempo, sensível e imprevisível. Com boa música do premiado Marco Beltrami e um elenco mais do que zeloso no cumprimento do dever (mesmo que pequeno), destacam-se participações simbólicas (John Lithgow, James Spader e Meryl Streep) e, obviamente, os protagonistas Tommy Lee Jones e Hilary Swank. Ela, por sinal, em uma brilhante atuação à altura de Menina de Ouro, que lhe valeu o Oscar em 2005.
http://www.youtube.com/watch?v=kCFaTffMMeE
El Ardor (idem, 2014)
Ruim :(
Coprodução entre Argentina, Brasil, França e Estados Unidos, El Ardor entrou nos 47 do segundo tempo na Seleção Oficial (em mostra não competitiva) e traz no elenco o mexicano Gael Garcia Bernal e os brasileiros Alice Braga e Chico Diaz, esse em pequena participação. Sua primeira exibição teve sala cheia, na tarde de domingo, 18, mas a recepção foi apática com algumas pessoas, inclusive, saindo antes do fim.
Na história, em uma região da Amazônia, um misterioso homem (Bernal) visita um fazendeiro (Diaz) que está sendo pressionado para entregar suas terras. Obrigado por capangas a assinar uma falsa escritura, dando a posse para um explorador implacável dos recursos naturais, ele acaba sendo morto e a filha sequestrada (Braga). É quando o visitante resolve salvar a jovem das garras dos criminosos, usando toda a sua experiência na mata.
O longa foi escrito e dirigido pelo premiado cineasta argentino Pablo Fendrik e procura explorar uma pegada esotérica na figura do tal herói. E isso fica claro logo no início, quando um texto na tela fala de uma lenda, coisa e tal. A questão é que o roteiro não tem força para sustentar essa proposta, apelando para soluções fáceis para avançar com a trama. Assim, vai perdendo consistência e, sem dúvida, fica apenas na intenção. Entre os pontos fortes, o som, a maquiagem, algumas belas imagens e uma trilha que é boa, mas sua repetição nos momentos-chave a torna cansativa.
Maps to the Stars (idem, 2014)
Regular :/
Essa coisa de explorar os bastidores do mundo do cinema não é novidade para os cinéfilos de carteirinha, que se esbaldaram (e ainda se esbaldam) com filmes como Crepúsculo dos Deuses (1950) e, mais recentemente, para aqueles que tiveram a oportunidade de se encantar com O Artista (2011). Map to the Stars poderia ter estreado nas salas escuras cerca de duas décadas atrás, mas somente agora o escritor e motorista de limusine Bruce Wagner liberou “a cria” para o público, sobre a batuta de David Cronenberg. A espera acabou, o momento chegou, mas ele pode conter algumas doses de decepção.
Na história, diferentes personagens de uma mesma família são movidos pela fama que já possuem, possuíram ou almejam ter. É a mãe histérica (Julianne Moore), obcecada por um papel que a projete novamente, é o adolescente superstar (Evan Bird) totalmente sem noção ou a jovem (Mia Wasikowska) que sonha tornar-se roteirista. Na periferia, o pai separado (John Cusack) ataca de guru, revelando pérolas de auto-ajuda, precioso adorno das personalidades “inteligentes”.
Embora baseado em fatos reais, o excesso de acidez na crítica do texto derruba qualquer dose de realismo. Lotado de diálogos vazios, típicos do “mundinho”, e de situações bizarras, como mortes desnecessárias ou doses razoáveis de escatologia, o que se vê é um tremendo balaio de gatos. Ainda assim, a plateia respondeu bem às inúmeras piadas e tiradas sacanas do roteiro, mas fica a dúvida se a obra como um todo é tão convincente, quiçá contundente, como outras do cineasta a exemplo de Gêmeos: Mórbida Semelhança (1988) ou Senhores do Crime (2007), para citar uma mais próxima.
*Enviado especial do Papo de Cinema ao Festival de Cannes
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