Cine Jardim 2024 :: A necessidade de ocupar espaços com arte e cultura (Balanço)

Publicado por
Marcelo Müller

A oitava edição do Cine Jardim: Festival Latino-americano de Cinema de Belo Jardim aconteceu de 14 a 19 de outubro na cidade de Belo Jardim, no agreste pernambucano. A programação foi realizada onde não há salas comerciais de cinema, assim sendo, onde a população não tem a possibilidade de se habituar a conferir os seus filmes favoritos e as estreias da semana numa telona apropriada. Num momento como o que vivemos atualmente, no qual as crises da Sétima Arte são anunciadas a cada semana, é de suma importância que as pessoas tenham um contato com o cinema, não simplesmente com os filmes. É isso ou as salas de exibição estarão fadadas a ser objetos de culto restritas aos saudosistas. Ao exibir para os moradores locais 69 filmes, entre curtas e longas-metragens, e ainda proporcionar oficinas de formação a essa coletividade cinematograficamente desassistida, o Cine Jardim cumpriu uma função nobre pelo oitavo ano: criar conexões entre os espectadores carentes de telonas numa estrutura digna das metrópoles.

Mais um Dia, Zona Norte

Pense só no privilégio, por exemplo, dos habitantes de Belo Jardim e redondezas que puderam assistir ao grande vencedor do Festival de Brasília 2023, Mais um Dia, Zona Norte (2023) e ainda conferir a exibição de Centro Ilusão (2024), longa-metragem cearense que há pouco havia sido premiado no Festival do Rio, um dos mais importantes do país. Pense só em como é de suma importância um evento como Cine Jardim 2024: Festival Latino-americano de Cinema de Belo Jardim dar visibilidade a alguns dos curtas-metragens mais relevantes da temporada. E façamos o mea culpa: quando falamos de cinema brasileiro nem sempre incluímos os curtas nesse todo. Aliás, tivemos programas muito instigantes nessa seara. Filmes ótimos que falaram da morte, das dificuldades para correlacionar passado, presente e futuro, além de críticas sociais e algumas radiografias sociais urgentes – note como os filmes selecionados pelos curadores discutiram muito a questão do machismo como uma doença entranhada que corrói a carne da sociedade. O cinema não tem nenhuma obrigação educacional, mas acabamos aprendendo com os filmes.

Outra coisa a ser destacada é a preocupação do evento com o aspecto formativo. Não é somente urgente oferecer filmes a uma população cinematograficamente carente, mas garantir que ela os percebam com senso crítico aguçado. Nesse sentido, a oitava edição teve como destaque as oficinas de Documentário (Marlom Meirelles), Crítica de Cinema (Diego Benevides) e Interpretação (Tuca Andrada). Todas muito bem-sucedidas, algumas com frutos quase imediatos. Mas, o Cine Jardim 2024: Festival Latino-americano de Cinema de Belo Jardim não é admirável somente para os afortunados moradores da região, pois também se consolida ano após ano como janela relevante à produção brasileira. Num panorama como o nosso, em que o cinema nacional encontra inúmeras barreiras para chegar a um público mais amplo – isso sem contar os inúmeros preconceitos que ainda circulam por aí –, ter as telas privilegiadas do Cine Jardim é a certeza de que os filmes continuam circulando e atingindo públicos diversos em vários rincões.

Portanto, vida longa ao Cine Jardim: Festival Latino-americano de Cinema de Belo Jardim, evento que está caminhando a passos largos para completar uma década de serviços prestados, tanto ao cinema brasileiro, na condição de janela de exibição e espaço para pensar a nossa atividade audiovisual, quanto aos moradores de Belo Jardim e cercanias, que têm no evento um porto seguro, uma possibilidade de ir além da mera apreciação de filmes, pois cinema é ritual.

SIGA O PAPO NAS REDES
Tik Tok | Instagram | Facebook
YouTube | Letterboxd | Threads | BlueSky

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.