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Favor desligar o seu celular, ou colocá-lo em modo silencioso”. “É proibido filmar ou fotografar dentro do cinema”. “O infrator pode ser punido de acordo com as penas previstas em lei”. Com tantos anúncios, qualquer um sabe que é proibido filmar e fotografar dentro da sala de cinema, e também sabe que a luzinha atrapalha durante a sessão, por uma característica física simples: dentro de uma sala escura, nossos olhos são diretamente atraídos pelo único foco de luz existente – que deveria ser a tela do cinema. Quando se acende um segundo foco luminoso, a atenção se dispersa para o celular do vizinho. As pessoas sabem disso, e mesmo assim, se tornou quase impossível assistir a uma sessão completa sem ver as luzinhas individuais acenderem aqui e ali ao longo do filme. O que haveria de tão importante para não se poder esperar uma hora e meia?

Gosto de pensar nos piores casos possíveis – e, portanto, os mais justificáveis. Certamente aquele homem ligando o celular está esperando a resposta de um parente que acaba de passar por uma cirurgia delicada, e quer saber se sobreviveu. Talvez esteja à espera da notícia sobre a esposa grávida, cuja bolsa pode se romper a qualquer momento. Enquanto isso, ele não vai deixar de ir ao cinema, certo? A vida continua. Talvez aquela mulher esteja esperando a resposta de uma oportunidade de emprego valiosíssima, que pode chegar a qualquer momento, e o cinema funcione para acalmá-la um pouco. Aquele adolescente estaria esperando pela resposta do namorado ou namorada com quem brigou, e com quem torce para fazer as pazes. Existem coisas importantes acontecendo fora do cinema, e a possibilidade de comunicação instantânea dos celulares se tornou irresistível. O celular tocou, logo, alguém deseja falar comigo, alguém talvez tenha publicado uma mensagem ou um post de meu interesse. Preciso ver.

 

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Como as luzes chamam a atenção, passei a observar com certo interesse (antropológico, digamos) as telas pessoais dos espectadores dispersos. Para a minha surpresa, nada me parecia muito urgente. Algumas conversas sobre planos para o jantar, sobre passar na escola para pegar as crianças. Uma adolescente comentava o filme enquanto o via – ou não via. Dizia se tratar de um filme péssimo. Durante uma sessão para a imprensa, uma jornalista folheava o aplicativo de uma rede de fast food em busca das promoções do dia. Certo, as projeções para jornalistas acontecem perto da hora do almoço, mas era difícil imaginar como um hambúrguer poderia ser mais chamativo que a narrativa sobre o holocausto na tela grande. Os impertinentes nem se escondem mais: a tela tem luminosidade máxima, como um farolete. Não foram apenas os reacionários que saíram do armário nos últimos sete anos: foram também os grosseiros, aqueles que apenas não se importam com os demais. O cinema se torna menos uma experiência coletiva do que uma somatória conflituosa de experiências individuais.

Pior ainda são as pessoas filmando as telas. Um dos imperativos mais graves das redes sociais consiste na ingênua ideia da prova pela imagem: é preciso mostrar aos seguidores o que se está fazendo, pensando, comendo. “Galera, estou no cinema vendo o filme tal”. A pessoa poderia dizer/publicar a mesma coisa depois da sessão, mas talvez o fato já seja velho e, afinal, o pós-sessão será o momento de tuitar a janta ou a volta para casa. Assim, filma-se uma cena mais empolgante ou os créditos, para provar que, de fato, estamos dentro de uma sala de cinema. Tem muita fake news por aí, mas acredite em mim, eu vi o filme de verdade. Estava aqui, diante da tela – exceto pelos momentos quando não estava olhando na tela, porque olhava o telefone celular. A prova de que se viu um filme se transforma, ironicamente, na prova de que se não viu o filme. Assim como os turistas posando diante de quadros num museu, de costas para os mesmos e sem contemplar a obra, os flashes dentro do cinema compravam o estar cinematográfico ao invés da apreciação cinematográfica. A experiência estética, em si, desaparece. Vive-se para ter algo a publicar nas redes sociais, ao invés de as redes sociais se tornarem uma consequência da vivência.

A mania irresistível de filmar telas de cinema chegou àqueles que mais deveriam respeitar a sala escura enquanto espaço sagrado de apreciação artística. Não é raro ver críticos de cinema publicarem fotos das telas em seus Stories, ou mesmo distribuidores de cinema mostrarem aos colegas os filmes a que estão assistindo – de preferência, de outra empresa, para não serem repreendidos por suas próprias. Durante a 23ª Mostra de Tiradentes, um dos filmes mais populares foi quase inteiramente filmado e postado ao vivo por sua atriz principal. Sentado atrás dela, eu a via gravar o tempo máximo que o aplicativo permitia, publicar com alguma legenda e depois gravar novamente. Os fãs terão visto o filme quase inteiro, em qualidade péssima. Já a atriz, diante da primeira exibição pública, não assistiu à própria obra em que trabalhou.

 

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É tentador resumir o fenômeno à impaciência pós-moderna. Precisamos ser entretidos o tempo todo, e mais do que isso, precisamos provar aos outros o nosso entretenimento. A experiência do cinema não se completa apenas nos olhos do público, e sim nos olhos dos seguidores do público. Cada pessoa se tornou uma influenciadora digital em particular, mais ou menos sucedida na empreitada de produzir um modelo de vida invejável aos demais. Por isso, é preciso que os vídeos interessem desde os primeiros segundos, senão o espectador clicará em outra opção. É preciso que o filme interesse o tempo inteiro, senão outras telas disponíveis (a nossa, do celular dentro do bolso) se tornará mais importante, e o público não pode se entediar – afinal, ele não pagou para isso. A diversão contemporânea está atrelada à noção de rentabilidade: pagamos caro para viver uma experiência incrível, excepcional, a melhor de todos os tempos, e não apenas um momento razoável. Redes sociais nos levam ao tempo dos superlativos: os filmes precisam ser os melhores da década ou as piores porcarias da história, senão não valem nada. Como se publica no Instagram a experiência de uma obra razoável?

O cinema pop e o ritmo das redes sociais funcionam como paliativos à contemplação, à perturbação e, portanto, à reflexão. O espectador precisaria se dedicar a algum tema durante certo tempo para se aprofundar nele, para aquele conflito imprimir uma marca duradoura. Senão, somos condenados ao ritmo das linhas do tempo, deslizando entre centenas de conteúdo sem nos aprofundar em nenhum deles. Quem ainda se lembra de tudo o que viu na timeline do Facebook ou Twitter hoje? O cinema comercial busca se adaptar a esta linguagem, fragmentando a montagem, colocando grandes explosões e tiros desde o começo. Já o cinema autoral, independente ou “de arte”, como se quiser chamar, redescobre no silêncio e na contemplação uma grande ousadia que, até pouco tempo atrás, não constituía uma ousadia para ninguém. A experiência do tempo dilatado foi provocadora nas obras longuíssimas de Andy Warhol, por exemplo, mas longe de experimentos conceituais, quem se incomodava de fato com a dilatação temporal de Antonioni ou Bergman? Hoje, até o extremamente ágil O Irlandês (2019), dirigido por Martin Scorsese, desperta incômodo. “Poderia ser uma série”, argumentaram alguns, ou mesmo algumas centenas de vídeos consecutivos do Facebook. Scorsese realmente não se adaptou aos novos tempos.

O fato é que os telefones celulares parecem oferecer um entretenimento alternativo e perene, sempre à disposição, além de altamente personalizado. Se este filme “não é para mim”, não me agrada, vou instantaneamente procurar algo que me agrade – um meme de cachorro ou uma foto de bebê, que seja. Nós perdemos a capacidade de nos confrontar à diferença, ao incômodo, ao tédio. O espectador atual, assim como o cidadão contemporâneo, se tornou um sujeito mimado, com a taxa de concentração de uma criança: há tantas opções ao redor que eu jamais desejo me confrontar ao que não corresponda à minha visão de mundo. Se quero acreditar que a Terra é plana, vou encontrar vídeos que corroborem a minha tese. Se quiser assistir a vídeos divertidos, vou fazê-lo, e da maneira que eu quiser, quando quiser. Se utilizamos o celular no banheiro, no trabalho, nos encontros com os amigos e jantares de família, por que não o faríamos no cinema?

 

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Ora, se o filme fornece um discurso para todo mundo, as redes sociais providenciam um conteúdo só para mim: ninguém possui o mesmo feed do que eu, embora os amigos possuam uma quantidade de informações e memes um tanto semelhante. O celular, de certo modo, fornece uma falsa sensação de atividade, de informação e participação no mundo: nossa voz é ouvida, nossa opinião é publicada, você pode chegar diretamente ao crítico/jornalista/celebridade e dizer o que pensa sobre ele, sem sofrer consequências por isso. Os covardes se afirmam em palavras brutas que dificilmente lançariam ao vivo, os tímidos compram brigas que não comprariam, os impopulares se descobrem divertidos pelas figurinhas compartilhadas. Existe uma sensação ilusória e viciante de autoimportância nos celulares. Talvez este seja o grande tema das redes sociais: seu potencial enquanto vício, ainda pouco considerado pelos estudos sociológicos e psicológicos. Estamos viciados na imagem que construímos para nós mesmos.

O cinema, ironicamente, vai de encontro a esta configuração: a tela de princípio democrático (exceto pela distribuição de salas e pelo preço dos ingressos, é claro) revela o mesmo filme a todos, ao mesmo tempo. A minha experiência será a mesma de dezenas de outras pessoas ao redor, ainda que tenhamos sensações diferentes a partir de um material idêntico. A tela nos revela mundos alternativos, países distintos, novas formas de pensar. O cinema – e a arte, por extensão – funciona como veículo de tensão e de conhecimento, de catarse e de descoberta. O bom cinema provoca necessariamente um incômodo, a sensação de se gostar de algo que não sabia existir, ou ser possível. No entanto, estar aberto à diferença parece impossível na época de prazeres velozes e personalizados – melhor voltar para a bolha do conforto, onde todos concordam comigo, e todas as ideias vão de encontro com a minha. Então as luzes se acendem dentro da sala de cinema, os amigos combinam a balada pós-filme, a crítica de cinema monta seu menu para o almoço. Os filmes continuam cumprindo a sua função; somos nós que nem sempre os escutamos.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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