Categorias: Artigos

Cinema falado

Publicado por
Robledo Milani

quase um tango debate 37 festival de gramado papo de cinema

Festival de cinema não é espaço apenas de exibição, mas também de discussão. E o momento propício para isso são os debates oficiais, que acontecem pela manhã, às 11h30, na Expogramado. É quando o público se reúne com artistas e realizadores para comentarem, elogiarem e também apontarem suas opiniões – muitas vezes não muito amistosas – sobre os longas em competição exibidos na noite anterior. Na segunda feira o bate-papo foi em torno da produção gaúcha Quase um Tango…, de Sérgio Silva (acima). A produtora Gisele Hiltl achou válidas muitas das observações levantadas, mas reclamou também do “esvaziamento intelectual” em alguns momentos da conversa, que segundo ela foi intercalada por opiniões dignas de ‘público da Sessão da Tarde’.

Muitas vezes os melhores filmes do festival passam despercebidos, sem que o grande público tome conhecimento deles. São as exibições paralelas, que acontecem à tarde no Palácio dos Festivais. Na segunda-feira dois documentários ocuparam esse espaço nobre: Em Quadro – A História de 4 Negros nas Telas, de Luiz Antonio Pilar, e Geração 65 – Aquela Coisa Toda, de Luci Alcântara. O primeiro discute a presença dos atores negros no cinema brasileiro, numa conversa franca e muito reveladora com os consagrados Zezé Motta, Ruth de Souza, Léa Garcia e Milton Gonçalves (todos muito significativos para Gramado – Zezé e Milton já ganharam, em anos anteriores, o Troféu Oscarito, enquanto que Ruth, Léa e Milton encabeçavam o elenco de Filhas do Vento, um dos grandes vencedores da mostra de 2005). Já Geração 65 reconstrói a trajetória do movimento literário pernambucano dos anos 60. Um pouco didático demais, mas ainda assim interessante.

A mostra oficial competitiva de filmes latinos teve início na segunda-feira, às 19h, com a projeção do argentino La Próxima Estación (acima), do mestre Fernando Solanas. A sinopse não é das mais empolgantes – um retrato do esvaziamento do sistema ferroviário argentino – mas o público saiu bastante satisfeito da sala de exibição. Se o brasileiro não tem como hábito conferir os documentários nacionais na tela grande, imagina só o estranhamento que produções estrangeiras do gênero devem provocar! Mas, além da curiosidade, há ainda a relevância do tema, pois reflete algo de interesse de todo o continente latino-americano – inclusive no Brasil. Temos já um favorito aos kikitos?

As homenagens promovidas pelo 37º Festival de Cinema de Gramado continuaram na segunda noite lembrando o talento de dois importantes nomes do cinema gaúcho. Foram reconhecidos, com placas comemorativas no hall do Palácio dos Festivais, o exibidor, distribuidor e produtor de filmes Itacyr Rossi, que trabalhou em documentários, cine-jornais, mais de 200 curtas e até em uma produção estrelada por Teixeirinha, o sucesso popular Motorista sem Limites; e o diretor de fotografia Ivo Czamanski, pelos seus 50 anos de dedicação ao cinema, que inclui títulos que vão de Coração de Luto, com Teixeirinha, ainda nos anos 60, até Netto e o Domador de Cavalos (2008), de Tabajara Ruas, exibido no festival de 2008. Parabéns aos dois, certamente estas distinções são mais do que merecidas!

A curadoria do 37º Festival de Cinema de Gramado divulgou que neste ano mais de 80 longas-metragens se inscreveram para participar da competição. É de se perguntar, portanto, como que um filme como Canção de Baal, o segundo da mostra competitiva a ser exibido, pode ser selecionado? Dirigido por Helena Ignez (acima), musa do Cinema Novo e ex-mulher do reverenciados Glauber Rocha e Rogério Sganzerla, ela mostra nesta sua estreia como realizadora um total desinteresse com o grande público, entregando uma produção hermética e voltada exclusivamente para o próprio umbigo. Uma história sem pé nem cabeça, que parece mais preocupada em chocar – a profusão de nus masculinos e femininos é intensa – do que em provocar reflexão. Nem nomes de destaque no elenco, como Simone Spoladore e Beth Goulart, conseguem provocar maior empatia. Um equívoco que, pelo seu pseudo-intelectualismo, tem tudo para cair nas graças da crítica especializada, mas que dificilmente encontrará um público disposto a se conectar.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.

Últimos artigos deRobledo Milani (Ver Tudo)