Tudo caminhava para ser mais um Oscar burocrático e previsível, ainda mais nesta era de tantas premiações prévias, até que a estatueta de melhor direção a Bong Joon-Ho trouxe uma inesperada ansiedade ao que estava por vir: Parasita (2019) entrava de vez para a história, como o primeiro longa em língua não-inglesa a vencer na categoria de melhor filme. Mas, como isto aconteceu?
Engana-se quem pensa que seja pura e simplesmente devido à qualidade do filme sul-coreano; no Oscar, sempre há muito mais em jogo! Para melhor compreender o contexto que levou a tal façanha, basta percorrer um pouco a história recente do meio cinematográfico para se chegar a três fortes indícios: #OscarSoWhite, Netflix e pressão popular. Todos, de alguma forma, interligados.
Em 2016, pelo segundo ano consecutivo, todos os 20 indicados nas categorias de atuação eram brancos, explodindo de vez as críticas ao Oscar pela ausência de diversidade. Desde então, a Academia buscou renovar seu quadro de eleitores convidando centenas de integrantes do meio cinematográfico que não necessariamente atuavam em Hollywood, dando especial enfoque também ao equilíbrio entre homens e mulheres. Em quatro anos, tais novatos já formam uma parcela considerável da Academia, que pode não ser decisiva na escolha dos vencedores mas, com certeza, possui uma certa influência. Não por acaso, desde então filmes estrangeiros têm ganho espaço em outras categorias além da agora nomeada filme internacional, vide os suecos Um Homem Chamado Ove (2015) e Border (2018) – indicados a melhor maquiagem e cabelo, em 2017 e 2019 -, o alemão Nunca Deixe de Lembrar (2018) – indicado a melhor fotografia, em 2019 – e o brasileiro Democracia em Vertigem (2019) – indicado a melhor documentário, em 2020. Isso sem falar do mexicano Roma (2018), indicado em 10 categorias no Oscar 2019 e vitorioso em três delas.
O ano de 2016 foi também o primeiro em que a Netflix teve em mãos um forte candidato ao Oscar: Beasts of No Nation (2015), solenemente ignorado pela Academia muito devido à rixa (ainda) existente entre cinema e streaming. Se a partir de então a Netflix passou a investir pesado em filmes mais autorais, em busca de sonhadas estatuetas douradas nas categorias principais do Oscar, a gigante do streaming também apostou em (muitas) produções internacionais, dos mais diversos países, seja nos filmes ou nas séries. O sucesso da espanhola La Casa de Papel (2017) e da alemã Dark (2017), além de outras séries de menor porte, fez com que se quebrasse – um pouco – a barreira da legenda junto ao público norte-americano, mencionada inclusive pelo próprio Bong Joon-Ho ao ganhar o Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro. Ou seja, passou a existir uma parcela que cada vez mais aceitava ver filmes e séries que não fossem falados em sua língua natal. Vale lembrar que a nacional 3% (2016) é mais vista nos Estados Unidos do que no próprio Brasil, algo impensável há poucos anos.
Apesar das medidas adotadas desde a explosão do #OscarSoWhite, o fantasma da falta de diversidade voltou a rondar a Academia em 2020, ano em que apenas um dentre os 20 indicados nas categorias de atuação é negro: Cynthia Erivo, como melhor atriz por Harriet. Pior: Lupita Nyong’o (Nós, 2019), uma das favoritas dos cinéfilos mundo afora, ficou fora da premiação. A Academia até tentou driblar as acusações com uma cerimônia repleta de discursos e mensagens a favor da diversidade e do empoderamento feminino, mas o elefante seguia na sala. Como minimizar tal fato? Premiando um longa estrangeiro, pela primeira vez na história.
Decisões como esta nunca ocorrem de maneira tão simples, sendo decorrentes muito mais do feeling de momento. Em tempos onde mudanças não são apenas esperadas, mas também cobradas, é essencial sob o ponto de vista do marketing demonstrar que o novo já está acontecendo, sob o risco de estender por tempo demais o burburinho negativo. É claro que há ainda um longo caminho a trilhar, e a infame vitória de Green Book: O Guia (2018) no Oscar 2019 ou mesmo a falta de diversidade dentre os indicados a atuação neste ano, são exemplos cristalinos disto. Parasita foi o filme certo inserido em um contexto que lhe era propício, e com isso fez história. Não há demérito algum nisso.
É bom lembrar que, ao longo da história do Oscar, vários foram os filmes premiados e derrotados por interesses muito além de sua qualidade como cinema. Na cerimônia de 2013, a gritaria em torno da não-indicação de Ben Affleck como melhor diretor fez com que Argo (2012) fosse alçado ao posto de favorito absoluto na categoria de melhor filme, como se este fosse um (valioso) prêmio de consolação. Décadas antes, basta lembrar da rixa entre Bette Davis e Joan Crawford em O Que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962), tão bem retratada na minissérie Feud (2017), ou mesmo da campanha difamatória exercida por William Randolph Hearst contra Cidadão Kane (1941). Exemplos não faltam.
O quanto o Oscar de melhor filme a Parasita irá influenciar Hollywood, ainda é cedo para dizer. Em uma realidade onde o streaming torna-se cada vez mais popular, é de se esperar que novos players do mercado sigam o exemplo da Netflix e também invistam em produções internacionais, à medida que alcancem âmbito global. O que já dá para notar é o impacto nas bilheterias que o Oscar possui: tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, o número de salas em exibição cresceu exponencialmente e o público aumentou em torno de 250%. Goste-se ou não, é nítido que o Oscar ainda tem um forte apelo junto ao espectador.
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