Se alguém tem algum problema com a nova adaptação de um dos livros mais celebrados de Agatha Christie, é porque o projeto é tão bem feito que suas sutilezas podem ser confundidas com marasmo. Kenneth Branagh pode ser acusado de um ou outro exagero como realizador, mas não de ser indiferente com o cinema que dirige e estrela. Note, por exemplo, como aqui ele enquadra os passageiros do Expresso do Oriente através das abundantes vidraças no interior dos vagões, refratando suas imagens e criando duplicatas que sugerem sobre eles a ideia de duas caras, de que todos estão escondendo algo. Noutro momento, o cineasta aposta num plongée absoluto (uma vista de cima, em 90º) para revelar que ocorreu um assassinato no trem, colocando o espectador como juiz daquele cenário ao dar a ele o “ponto de vista de Deus” – algo que Branagh já tinha feito e, inclusive, subvertido quando conduziu o fantástico Frankenstein de Mary Shelley (1994). Tem, também, um interrogatório em que ele coloca Poirot e um dos suspeitos à beira de um precipício, ressaltando a tensão daquela conversa – mas o destaque vai para o clichê de recriar o quadro da Santa Ceia, que aqui traça um paralelo entre os 12 suspeitos no trem e o número que compõe um júri – fazendo o público oscilar entre as ideias conforme Poirot vai expondo suas teorias. A direção de arte e os figurinos também dão conta de tornar cada um dos passageiros distintos entre si, e além disso, o roteiro de Michael Green (que somente neste ano já co-escreveu os excelentes Logan e Blade Runner 2049) se preocupa com algo que sempre faltou às adaptações do livro, a discussão ética e moral do famoso desfecho.
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