Antes de tudo, o que chama atenção em Boyhood: Da Infância à Juventude (2014) é o modo como ele foi produzido. O diretor Richard Linklater, afeito a trabalhar quase em segredo, a divulgar a existência de certos filmes apenas próximo da estreia, passou (mais uma vez incógnito) 12 anos acompanhando de maneira literal o crescimento dos atores/personagens infantis, o amadurecimento dos adultos, e por aí vai. Mas o longa é só isso, ou seja, limita-se a essa curiosidade? Boyhood: Da Infância à Juventude vem sendo bastante celebrado, assumindo a condição de grande aposta para a temporada de prêmios. Entretanto, em meio à ovação, há quem o entenda ordinário e sustentado somente nesse caráter insólito que o precede na tela. Então, para discutir um pouco mais sobre o filme de Linklater, chamamos ao Confronto da semana os críticos Marcelo Müller e Roberto Cunha, respectivamente defensor e atacante. Confira e não deixe de opinar.
A FAVOR :: “Sensível à realidade, Linklater aborda vicissitudes inerentes à trajetória da maioria” , por Marcelo Müller
Boyhood: Da Infância à Juventude se sobressai primeiro por seu insólito itinerário de produção. Afinal de contas, o procedimento de filmar durante 12 anos, um pouco a cada temporada, acompanhando realmente a passagem do tempo, é não apenas raro, mas quase inviável, sobretudo quando falamos de gente (diretor, atores, técnicos) de Hollywood, para quem geralmente tempo é dinheiro. Contudo, ainda bem que o filme de Richard Linklater não se sustenta nessa curiosidade. Boyhood: Da Infância à Juventude fala sobre crescimento e amadurecimento, não apenas do protagonista ou de sua irmã, mas também de seus pais e dos que os circundam. Sensível à realidade, Linklater aborda vicissitudes inerentes à trajetória da maioria. Assim, vemos não só os ritos de passagem da infância à adolescência e desta à vida adulta, mas também a complexidade dos relacionamentos, regras (às vezes quebradas) de convivência, aspirações profissionais, traumas, alegrias, vitórias e derrotas pessoais, sem contar algo da situação político-social dos próprios Estados Unidos (sobretudo diferenças entre a Era Bush e a Era Obama). Boyhood: Da Infância à Juventude é um filme raro, do processo produtivo à maneira como aborda fases pelas quais todos, ou quase todos, passamos.
CONTRA :: “Limitado ao vanguardismo do formato, peca na sua capacidade de gerar envolvimento”, por Roberto Cunha
Adorado pela crítica, principalmente por ter sido rodado durante 12 anos com o mesmo elenco, Boyhood: Da Infância à Juventude já faturou muitos prêmios, e ver a transformação dos atores e personagens, de fato, é legal. Mas esse grande barato, para muita gente, parou por aí. Ao mostrar o cotidiano de uma mãe com dois filhos, separada de um marido problemático, o cineasta Richard Linklater faz você acompanhar o amadurecimento deles, mas o argumento batido acaba reforçado pelo roteiro superficial que, ao longo de 2h45min, não raro, fez muita gente ter aquela sensação de “não acaba nunca”. Insensíveis? Não. Apenas pessoas que não se deixaram levar por um longa limitado ao vanguardismo do formato, que peca na sua capacidade de gerar envolvimento, mesmo que a crítica se rasgue em elogios e defenda teses sobre ele. Isso lembra os anos 1990, quando o americano Hal Hartley ganhou Cannes, entre outros, se tornando queridinho da crítica, com direito a ator “de estimação” e tudo (Martin Donovan). Agora, Ethan Hawke é o parceiro constante, mas Linklater possui uma vantagem, pois ele conquistou um público que embarca nas histórias simples, lentas e verborrágicas. É o que mostra a trilogia do “Antes”, na qual também brinca com o tempo, espaçando nove anos entre os títulos com os mesmos atores: Hawke e Julie Delpy. Agora pergunto: onde está Hartley?
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