Uma força maligna sexualmente transmissível é o núcleo do terror Corrente do Mal (2014), celebrado por muitos como sinal de vida inteligente no gênero. Após uma noite de sexo, Jay (Maika Monroe) é informada por seu parceiro que está amaldiçoada, fadada a ser perseguida pela entidade macabra e polimorfa do qual pouco se sabe. Exibido nos festivais de Sundance, Cannes, Chicago, Toronto, entre outros, o filme de baixo orçamento foi sucesso de bilheteria nos Estados Unidos. Lançado de maneira meio estranha no Brasil (em poucas salas, sem muito alarde), não escapa, porém, dos comentários negativos de quem, assim, discorda dos elogios majoritários. Afinal de contas, é um filmaço ou uma bomba? Nem tanto ao céu, nem tanto ao inferno? Para engrossar o caldo da discussão, chamamos ao Confronto da semana os críticos Conrado Heoli e Robledo Milani, respectivamente defensor e atacante da realização do diretor David Robert Mitchell. Confira este embate de ideias e aproveite para dar sua opinião.
A FAVOR :: “Um marco no cinema de horror contemporâneo”, por Conrado Heoli
Num período marcado pela homogeneização do filme de gênero, especificamente o suspense e o terror, o cinema ainda pode oferecer uma experiência autenticamente assustadora? Corrente do Mal é a última resposta para tal pergunta. Em seu segundo longa-metragem, o cineasta David Robert Mitchell entrega um dos mais envolventes e inesperados thrillers sobrenaturais em anos, um filme que se vale de artifícios clássicos somados a recursos cinematográficos originais, inteligentes e muito efetivos. Ambientado no cenário idílico de Freddy Krueger, a realização acompanha a jovem Jay (Maika Monroe, em excepcional desempenho) após uma surreal desventura sexual que a torna amaldiçoada por uma presença que pode assumir qualquer forma humana para acabar com sua vida. Com enredo pautado na simplicidade folclórica de uma lenda urbana, o filme vai muito além da pouco sutil metáfora sobre doenças sexualmente transmissíveis. Mitchell carrega na atmosfera etérea do subúrbio norte-americano, sempre retratado assepticamente à luz do dia numa fotografia lúgubre e por si só angustiante – algo amplificado pelos longos silêncios e câmeras estáticas. Da passividade à severidade em poucos frames e da previsibilidade ao chocante em outros, eis uma obra singular que instantaneamente se tornou um marco no cinema de horror contemporâneo.
CONTRA :: “Um legítimo caso de febre que não se sustenta após uma análise mais apurada”, por Robledo Milani
Alçado à condição de grande revelação do gênero muito antes de sua estreia no Brasil, o longa escrito e dirigido por David Robert Mitchell primeiro chamou atenção do público mais atento ao ser selecionado para a Semana da Crítica no Festival de Cannes – de onde, aliás, saiu de mãos abanando. Participou, depois, de vários outros festivais – como os de Chicago, Nova Zelândia, Toronto e Sundance – novamente causando mais frenesi pela sua presença do que sendo levado à sério na hora das premiações. E depois de ser adiado inúmeras vezes, finalmente entrou em cartaz por aqui – com mais de um ano de atraso em relação a sua primeira exibição internacional – para passar rapidamente pelas telas, indo embora sem deixar saudades. E qual o motivo de tudo isso? Simplesmente porque este é um legítimo caso de febre que não se sustenta após uma análise mais apurada. Maldição sobrenatural é transmitida através do sexo – a analogia com a AIDS é datada e óbvia – e tudo que a infectada (a protagonista) faz é se esconder, ao invés de lidar com a situação de forma madura. Efeitos tímidos e um enredo que promete mais do que entrega terminam por gerar um filme até certo ponto curioso, mas evidentemente frustrante diante tamanha expectativa.